sábado, dezembro 29

Momentum

Foi quando a forçpara seguir em frente falhou. Foi quando respirou fundo e contou até dez. Foi na hora em que ela não soube o que dizer ao enxergá-lo contradizendo cada uma das palavras que dissera pouco antes; cada uma das promessas descomprometidas que oferecera. Foi quando percebeu que aquilo tudo que quisera junto dele não existia em um futuro desejável - ainda que talvez possível.

Foi quando foi difícil respirar fundo. Quando teve de respirar e contar até vinte.

Foi na hora em que os olhos fecharam e as expectativas caíram para baixo dos pés. Foi quando cada pedaço de qualquer coisa que a movia deixou seu corpo vazio de tudo que quisera... de tudo que queria ainda. Contou até trinta e percebeu que não queria mais nada daquilo, por fim. Não queria mais esse fim. Foi bem na hora em que ela não soube como dizer que era o fim. O fim do respiro, do fundo de peito, do fundo do abraço. Foi quando não havia mais o que respirar. Nem contagens a fazer.



Foi nesse momento que ela fez absolutamente nenhuma ideia do que poderia acontecer em seguida. E de quanta força teria de ter.



quarta-feira, dezembro 26

Podia

Eu podia ser essa princesa que tu querias, dessas dos contos de fadas. Doce, ingênua e passiva. E ainda poderia esperar que minha vida fosse decidida por outras pessoas, como tu, que se quer saberiam direito da minha história e dos meus caminhos. Podia ser princesa, parecer nobre, parecer indefesa. Frágil como porcelana, vulnerável a tua falta de encantos. Eu poderia ser essa princesa que você queria, mas você não vale tudo isso.

Eu podia ser dessas doces, ingênuas e babacas. Mas eu não sou nenhuma dessas coisas. Então não torra o meu saco.


Balaio


Na ciranda que eu dancei, dei as mãos a outras soltas. Troquei os passos e girei; do mundo sul ao norte. Minhas estradas agora me são desconhecidas e minhas manhas de repente se sumiram. Meu lado norte é diferente. Os pedaços desencaixam, se estranham, mas se acertam.

Da vida que tinha, tão minha que era, os pedaços foram se perdendo e mudando meus sorrisos de cor. Minhas partes se repartem e se dividem um pouco mais, tornando cada dia um dia de decisões importantes. Dias de acerto de contas comigo; e em todos eles eu percebo que alguma coisa me custa mais. Onde foi que ficou registrado o preço dessa nova versão de mim mesma?


segunda-feira, dezembro 24

Natal

O Papai Noel bateu na minha porta e mandou que eu fosse forte. Disse que eu mesma tinha escrito cartas a ele fazendo os pedidos que agora eu realizava, então que eu fosse menina crescida e aceitasse minha sorte - porque ela era boa. Ele bateu na minha porta e me disse que fosse forte. 

Então eu vou ser. 


Porque ele me prometeu que ano que vem me  tudo que eu senti falta nesse ano. E eu acredito nele.


sexta-feira, dezembro 21

Imediato


Se nós temos apenas agora, me poupa das palavras amargas e sérias que estão sempre prestes a cair da tua boca e me deixa ouvir só aquelas bobagens que tu tens na ponta da língua. Me deixa ouvir as declarações doces, me deixa ver os olhares que eu só pego pelo canto do olho. Se hoje for tudo que temos, me olha de frente e convence que tudo que dissemos não foi mentira; me enche os ouvidos de promessas - que nenhum de nós pretende cumprir. Te deixa ficar do meu lado; me deixa ficar do meu lado, também. 


Se não houver amanhã, que os nossos sorrisos sejam, por hoje, verdade.


quarta-feira, dezembro 19

Tem mais de mim.

Da falta que haveria, da que eu pensei que houvesse, não achei traço nem sombra. Me chama de fria, de estranha; mas verdade é que eu nem sei o que tu foste pra mim. Não faz a pergunta. Não tira de mim uma resposta mentida.


Eu tive outros amigos como tu nos últimos dias.



segunda-feira, dezembro 17

Nota XVII

De quantas vidas tu te alimentas por dia?



Me faz cansar de ter coração.

sábado, dezembro 15

Me dobra a vida

Eu sei que eu posso ir pra onde a estrada faz a curva e me perder nas avenidas daquela cidade que eu fiz em um desses sonhos loucos de quinta. De quintas-feiras cansadas e ansiosas me vieram desejos e intenções segundas; e segundo o meu mapa, me faltaram certezas e um quarto de sorriso.

Do meu quarto eu vejo a estrada fazendo a curva.

A estrada que encurva meus décimos de receio, até que chegam as 10 horas e me dizem que meu trem está partindo em meia. Em meio a sonhos meio incertos, junto os quartos, os quintos e os décimos de segundo que me sobram para um último suspiro. E eu suspiro um suspiro inteiro, enchendo o peito de frações de futuro.

Eu faço a curva.

sábado, dezembro 1

Perdia

Perdida no frenesi, deixou que seus instintos fossem maiores que a noção de certo, errado ou injusto; deixou o egoismo justificado daquela sede incontrolável ser razão para realizar desejos mais urgentes. Pulsantes. Inegáveis. Desejava todos aqueles detalhes que enxergara. 

Enxergara desejos demais. 

Perdida no frenesi de um batimento cardíaco, aceleradamente descompassado, desistira de debater consigo mesma as justificativas que explicavam de maneira racional um comportamento instintivo. Não havia razão para a reação inconsciente que já fora desencadeada em seu organismo. Havia gana, havia agora. Havia pele, olhares e desejos demais.

segunda-feira, novembro 26

Boas-vindas

Chegou e disse que ficava por ali um tempo, e que não viesse lhe pedir para ir embora mais cedo. Isso lá tinha cabimento? Que aprendesse a conviver com ela, pois se a vida que teria fosse ser do jeito que sonhara, o mínimo que teria de fazer era arranjar um canto confortável para ela; um sofá aconchegante ou quem sabe se dignasse a lhe entregar de vez um quarto. Sim, um quarto seria justo, e sábio. Ela chegou e disse que ficaria por um tempo, então por que se incomodaria com a presença dela na sala, logo no meio do ambiente que recebe as coisas novas? Que lhe desse um quarto, e então ela ficaria lá quietinha e sairia só de vez em quando, pra dizer que ainda não tinha ido embora.

Chegou e disse que ficava por ali um bom tempo, e ficou feliz ao ver que eu sorrira. Gostava de ser recebida de bom grado, e assim concordava em tornar a sua estadia menos incômoda. Quando ela chegou, se apresentou amável e disse seu nome. Pegou sua chave e subiu para o quarto que eu lhe dera.



Se chamava Saudade, e disse que ficaria morando comigo por um tempo.
Lhe disse que era bem-vinda.



sábado, novembro 17

[re]Partes

Dos pedaços que eu tinha, alguns se foram. Das minhas partes, tão minhas, resolvi me desfazer. Me desfiz de planos, de panos rasgados ou puídos; tantos pedaços que eu tinha que se foram, que de mim ficou meu nome, apenas, e minha falta de senso de preservação.

Era feita em partes dispersas, cada qual em seu lado - que era sempre o do avesso. Eu não desvirei nada, que fique claro. O que era torto, deixei que fosse.



Meu problema sempre foi com as partes repartidas. As que querem e as que dizem que não.

sexta-feira, novembro 16

Chiffon

Eu sei que pra ti eu transpareço.
Mas isso não me impede 
de continuar 
jogando meu jogo, inventando as minhas regras e fingindo 
que não reconheço a tua habilidade 
de ler 
as entrelinhas. 
Ler
meus entremeios. 

Eu sei que pra ti eu transpareço; 
só que pouco
 - ou tanto - 
me importa quantas das minhas palavras te fazem efeito.


Eu sigo com as meias verdades 
porque elas, de alguma maneira, preenchem 
algumas metades 
vazias. 

Metade de mim.

quarta-feira, novembro 14

X

Ele apertou o corpo dela contra o colchão, usando o próprio peito. Usava o próprio corpo para limitar os movimentos que acabariam por afastá-la; embora ela nem mesmo pensasse em distância. Ela queria deixar o corpo ficar onde estava. Queria os olhos percorrendo os lados que lhe fossem atrativos, e queria as mãos em torno dos contornos que quisessem. Ele ainda a prendia com força; a força de quem tem um plano muito bom.


Ele achou que ela ficaria até a manhã seguinte. 
E ela também.

segunda-feira, novembro 12

Do gelo

Da neve me veio o frio. Me veio o gelo que que eu já sabia estar ali. Da brancura da paisagem veio então a clareza das ideias, que encontrou no frio dos dias a explicação para as coisas. Da neve me veio o calafrio, me veio ausência. Eu vi a água fluida ser pedra e rachar. Mas concordamos que essa fenda vem crescendo há alguns dias.

Do gelo, agora derretido, me veio a certeza de que esses dias de ontem vão ser mais frequentes, do hoje para frente; afinal, é apenas outono.


Espera só até ver o inverno.

sábado, novembro 3

Nota XVI

Era uma vez, ou outras tantas, um outro dia sem começo e uma noite um tanto torta. Aquele dia lhe disse outras tantas vezes que de nada adiantava esperar da noite o que por certo não se dava. O que por certo não se tinha. De direito, era errado. Mas ela não ouvia.

Outras tantas vezes que fora para a terra das vezes passadas encontrou um punhado de coisas das quais se desfizera. Agora eu quero vê-la correr tão rápido quanto for preciso para fugir de lá sem bagagens sombrias.


Era uma vez e outras tantas um dia passado e duas noites na lembrança. Um dia que começou no escuro de antes e que terminaria no silêncio de qualquer madrugada. 

terça-feira, outubro 30

Objetivo

Sentia a força do próprio aperto. Sentia punhos pesados, unhas injustas; sentia o batimento em apuros e o sangue sumindo. Observava enquanto os pulmões trabalhavam exaustos, falhando efetivamente na ideia de trazer oxigênio e clareza para dentro. Clareza para fazer a soma das angústias que não encontravam espaço naquele peito comprimido.


Observava os punhos desobedecendo comandos. Destratando tratados. Sentia o coração preso num sem fim de respiro; num suspiro último prestes a ser dado.



Desligaria. Até não restar mais nada além do silêncio tranquilo de um coração estático.

quarta-feira, outubro 24

De manias e fatos

Ele tinha essa mania de não acreditar em mim. E tinha aquele jeito de quem gosta sem querer, de quem sabia que nada daquilo ia ter jeito de ser bom. Na verdade ele bem sabia que era bom, mas havia um quê de qualquer coisa que evitava que os braços dele me segurassem com mais força do que eu seria capaz de superar, se quisesse. Ele tinha essa mania de ser bom pra mim; e de me dizer absolutamente tudo que pensava - ainda que pensasse demais.

Eu não tenho fotos. Mas me ficaram as falas; as que diziam que nada de bom ia ter jeito naquela situação, ainda que depois os lábios contradissessem cada uma das palavras. Talvez essa distância tenha feito as palavras mais verdade.



Ele tinha essa mania de estar certo, também.
Fato é que eu queria ter guardado uma foto, pra olhar agora que já não dói.

sexta-feira, outubro 19

Adia

Tem dias que é isso mesmo. Assim; sem plano, sem fato. Sem eu deitada na cama, procrastinando a vida, e sem tu procurando as chaves do carro, correndo de volta pra rotina. Tem dias que a gente só fica; assim. Nesses dias a gente nem se mexe; e nem mete um na vida do outro. 

Sabe, eu gosto desses dias.

Sem fardo, sem ato. Sem roteiro atando nossas pontas num final mal amado. Ficam os dias de hoje pra amanhã; e pra depois de depois de amanhã, quem sabe, a rotina. Eu tenho dias de esquecer de fatos.
Tenho planos de me meter com a minha própria vida.



Tem dias em que a cama fica vazia demais enquanto tu procuras as chaves da rotina. Então deixa pra amanhã, vai.
Adia.

sábado, outubro 13

Onde volta

Assim se estranha, se esfria. Se deixa pra lá o que antes ficava vindo e voltando. De novo, pra gente lembrar que era bom - ou nem tanto. Assim se esquece, se troca, se pensa em tudo de novo. Onde foi que eu deixei de reparar nos detalhes?

Ficou pra lá, eu acho. Perdido no desenho torto de uma noite dessas. Dessas estranhas e frias que ficam indo e voltando entre a gente. E de novo, pra lembrar que nem tudo é esse tanto todo.


Onde foi que eu deixei de olhar para os lados?

segunda-feira, outubro 8

Das bobagens

Eu sei que é bobagem, então para de me olhar assim. Eu te disse que era desse jeito sem nexo, com toda a falta de jeito que me deram quando nasci. Não pedi, não. É bobagem mesmo e por isso eu nem 'tou te pedindo ibope; então deixa tu de ser bobo e larga esses olhos de mão. Por que não deita aqui comigo e deixa essas opiniões pra mais tarde?

Disse que sabia e que nem queria nada, mas daí também precisa confessar que não foi honesto. Não tenho pra te dar esse gosto pelo incerto, nem um abraço cheio de desprendimento. Quem sabe tu me prende na próxima?

Mas bem... quem sabe eu nem queira. Eu disse que sabia que era bobagem, então larga esses olhos vazios de afeto e me deixa te ensinar umas coisas.


A gente começa pelas coisas mais simples.
Pelas que a gente faz de conta que sente.


sábado, outubro 6

Intenção

Veio de dentro; estranho, fora de compasso. Dentro do meu espelho, do reflexo destorcido de uma imagem que eu nem reconheço. Veio de dentro de mim a vontade daquele estranho, fazendo querer sentir o aperto. Trouxe um espelho desfeito em cacos e me mostrou pedaços que eu pensei que nem existiam em mim.

Apontou pro peito e mostrou onde ficava o coração.



O dele.
Eu tinha deixado o meu em casa.

terça-feira, outubro 2

Cantado

Se meu plano fosse sério, seria chato de seguir. Sorrindo meio de canto; cantando sozinha um canto meio falho. Falhamos no refrão. Tinha um plano meio chato, que sem música perdeu o porquê. Tinha um sorriso de canto de lábio, mas daquela boca já não saía mais canção. Não ouvi mais a nossa música. Se meu canto fosse sério, seria raro. Se fosse inteiro, ao menos, seria calho.

Se sorrir não fosse falho, seria sorriso sério - dos que vêm de dentro da boca,
não da superfície do lábio.




[Acho que esqueci do nosso refrão.

quinta-feira, setembro 20

Sem tido

O meu, o teu, o nosso. Sem meio, sem todo. Completamente pela metade, com inteiros disfarçados. O meu senso, o teu jeito, o nosso dilema. O sentido que morreu do outro lado, com a parte de baixo virada pra cima. Sem nosso, sem nada. Inteiramente completo de metades explícitas.

Metades dos meus sorrisos que se apagaram dos teus.



Disfarcei meio mal.
Nem queria mesmo.

sábado, setembro 15

Nota XVI

Posso cuspir? Aqui mesmo, sem cerimônia nem pudor. Quanto importa que os outros vejam... Eles todos já previram o espetáculo. Pode cuspir aqui mesmo? Assim, sem nada de vergonha na cara, sem nada de orgulho no peito; sem peito para vomitar os fatos, sem vontade de sentir outra vez o amargo. Aquele gosto de asco que vem depois da bebida; a bebida que não veio depois do tapa. Do metafórico. Da sacudida indelicada que pretende dissipar a neblina e deixar enxergar tudo mais claro.


Posso cuspir agora?


sexta-feira, setembro 7

Parece assim

Assim como veio, ficou e foi embora. Assim como começou e aconteceu, passou - mas disseram que ficou indo e voltando, toda hora. Veio do nada e deixou nada mesmo, mas vez em quando chega e diz que vai deixar alguma coisa em lugar qualquer. Disse que é porque quer que assim de repente eu ache a coisa toda e lembre que um dia veio. Pra lembrar que ficou na mesma vida que eu por um momento.



Disseram que nunca chegara a ir pra longe de fato.
Parece ainda que fica indo e voltando, e dizem que tem coisa, sim. Mas eu nunca acho nada mesmo.

quarta-feira, setembro 5

Chegada

Então chegou e revirou os armários, buscou pelos modelos passados e resolveu desfazer-se deles. Procurou cada par de meia meio velha e juntou tudo na sacola que chegaria a quem a quisesse. Chegava das mesmas coisas, das moradoras do armário de tantos anos; cada uma com um pedaço de história que já não se queria mais. Chegou e revirou os armários, porque chegava de velharia guardada. Chegava de guardas guardando tristezas; chegava de modelos falidos e de meias felicidades incompletas.

Então chegou e disse que chegava. De dentro do armário saiu a resistência.


O capitão disse que desocuparam a área.

sábado, setembro 1

Nota XV - desabafo



Eu não quero mais escrever sobre ti.

segunda-feira, agosto 27

Vai dizer que disse

E tu vais me dizer que avisaste sobre isso, sobre esse sentimento estranho que não deixa em paz quando eu resolvo ficar na minha. Eu vou te responder que resolvo isso fácil; vou dizer que me viro e me ocupo com essa vida nova, com essa mudança de ares. Vou dizer que tenho coisas para ver e fazer. E sabe, é uma porção de coisa mesmo... E daí tu vais rir da minha cara, porque vais saber que verdade como essa não existe. Vais dizer que conhece minha cabeça; e vais também dizer que conhece meu coração.

Tu vais dizer que avisaste sobre isso.

Sobre tudo isso. Sobre esses pensamentos que atravessam as lembranças da vida de antes; sobre esses flashes e sobre aquela falta de luzes constantes. Vais dizer que sabias onde aquilo ia dar, e rir da boba que não quis desistir pelo próprio bem. Vais rir de mim como vem rindo há tempos.


Eu sei que tu vais continuar por perto, melancolia.

sexta-feira, agosto 17

Da justiça

Não é justo se sentir assim. Não é justo ignorar tudo de maravilhoso que está para acontecer na tua vida só porque alguns detalhes que não saíram exatamente como tu planejavas. Só porque alguns corações não vêm contigo. Só porque o teu não parece aguentar a ideia de perder espaço em alguns deles. Não é justo não tirar desse momento toda a felicidade que tu imaginaste a vida inteira.


Então, me diz e sê sincera: por que diabos não sorri direito?




Foste tu mesma quem inventou que nem tinha coração.
Agora, se ele dói, é justo. E azar é teu.

segunda-feira, agosto 13

Despedidas - I

Quando as tuas perspectivas não fizerem mais sentido, porque todas elas continuam parecendo absurdas, tu vais entender que um dia as coisas boas acontecem na vida; é quando tu decides que chega de ficar achando que tu não as merece. É quando o futuro parece muito mais bonito do que tu imaginavas, e os planos insanos deixam de parecer tão impossíveis assim.

É quando o coração aperta, expande, aperta de novo e se alarga de vez.


Quando parece que tu vais precisar de mais um coração para aguentar tudo - como uma menina crescida aguentaria... Nessa hora, exatamente nesse momento é que tu vais entender que está na hora de se desprender das pessoas que tu mais ama, dizer "até mais", sorrindo, e dar um dos maiores passos da tua vida.



Pra frente. Sempre que der.

domingo, agosto 12

Espasmo

Foi aí que eu senti. Foi nessa hora, quando todos vocês se mostraram tão felizes, que eu senti que eu também poderia ser. Foi aí que eu resolvi: queria ser. Então eu senti. Eram as cordas que me amarravam ao chão, caindo de mim; todas elas.


Eu senti que as coisas poderiam dar certo.




Mas daí passou.

quinta-feira, agosto 9

Interno

O que tu pensas que está fazendo? Menina mimada, sempre insatisfeita. Então não adianta eu me virar pra te dar o que tu sempre quiseste; não adianta eu ter passado a minha vida inteira fazendo tudo que eu podia para, agora, te entregar um sonho realizado nas mãos. Como tu pensas que eu fico, te vendo me olhar desse jeito sem gosto, sem sorriso?


Menina ingrata. Vá lá arrumar as malas... Custava, pelo menos, fingir que te agrada?

terça-feira, agosto 7

Nota XIV

Em quantas estrelas eu encontro
aquela luz que eu nunca tive? 
E em todas elas 
eu te acho também? 

Quantas vidas 
até a vida ser o que é hoje, 
enquanto nós pensamos que ela nunca seria 
assim. 
Boa assim. 
Boa, sim? 

Em quantas estrelas eu procuro até achar a vida 
aquela vida
que eu quis pra mim?

sexta-feira, agosto 3

Questão

Admitiu sem saber. Não era aquele turbilhão que pensara, não era aquela vontade inteira, insensata. Via-se em completo desalinho com tudo que pensava sentir e todas as [poucas] reações biológicas e psicológicas que tinha experimentado naquelas horas. Toda a intensidade diminuída. Toda a vibração pacificada. A pulsação em seu ritmo normal e seus pensamentos em completo frenesi, pois contestados.

Se sente com a consciência ou com o coração, afinal? 


De qualquer maneira, se enganara. Não sabia mais o que sentia; se chegara a sentir.

quinta-feira, agosto 2

Melancolia

Ontem ainda faz parte de nós. Ontem ainda está acontecendo, porque você simplesmente não consegue abrir mão de todas as lembranças felizes que te trouxeram aonde você está. Ontem faz parte de nós. E hoje nós sabemos disso.

Então você entende agora que eu não vou abrir mão de ontem. Eu não vou botar panos quentes e fingir que nada aconteceu, que nada eu senti. Ontem eu fui feliz, em algum momento; em algum momento em que você estava presente. Hoje eu me lembro das coisas e ainda sinto o frio na barriga de ontem. Ontem eu fiz parte de um pedaço de vida teu, e isso ainda faz parte de mim. 

Ontem eu era algo que hoje eu me lembro muito bem. Porque, inevitavelmente, ontem ainda está acontecendo.


Só que no passado. E só em mim.


domingo, julho 29

Dreno

Vazios em cada compartimento, em cada jeito de olhar para outros. Sem graça. Não eram os mesmos abraços ou beijos, nem arrepios prazerosos subindo pelas costas até parar na raiz dos cabelos. Não eram os mesmos; nem eles, nem eu. Eram normais.

Eu, vazia, enquanto eles tentavam causar alguma reação menos mecânica. Tudo muito planejado, no piloto automático. Vazios em cada tentativa de preencher minhas vontades, eu devolvia a resposta lógica para cada estímulo. Sem fazer questão nenhuma de parecer satisfeita.

Desde que você resolveu me tirar o roteiro e exigir uma performance impulsiva, improvisada, não fui mais a mesma. Contigo foi pulsante, e agora com os outros nunca é mais que sem graça. Você provocou uma resposta inédita em cada toque, em cada jeito de me olhar. E então partiu e levou consigo as sinapses, esvaziando meus sentidos em cada vontade se ser inteira.


Agora todos os outros são normais. Vazios e iguais. Você levou a graça.

quarta-feira, julho 25

Sobre isso e sobre mais

Eu não sabia mais o que era isso. Que doía de vez em quando, sempre sem deixar de fazer sorrir quando as lembranças pulavam na memória - como se quisessem assegurar o lugar que tinham conquistado. Eu não sabia mais o que era isso porque há muito tempo o coração permanecia fechado. E estava frio. Só que aconteceu que veio essa onda de acontecimentos e eu me recusei a reconhecer na primeira; eu resisti. E eu passaria por esse pedaço de vida, mais uma vez, sem permitir que as tais lembranças fossem felizes ou que provocassem qualquer coisa. Talvez eu escolhesse não viver os momentos, para não ter as memórias.

Mas eu não pude mais.

Então eu vivi os dias de sol de um mês inteiro. Eu que sempre preferi a instabilidade de um céu nublado... Aprendi a gostar de sol e recebi aquele sorriso dolorido nos meus lábios, como se fosse certo. E era certo. Era certo sentir tudo aquilo, que há tempos eu não sabia mais o que era. Eu não pude mais viver no inverno melancólico de sempre porque meu mundo foi virado em cada espaço habitável que ele tinha. 

Eu não pude mais.

Eu senti as dores de um final antecipado. Um final de alguma coisa que tu, talvez, nem tenhas tido consciência que aconteceu, e que eu já não sabia mais o que era. Eu sei que esse final só não chegou no fim, ainda, e que eu sigo me virando com as lembranças e com os sorrisos. 

Eu só não sei se eu posso mais.


domingo, julho 22

Dos planos

Eram as possibilidades que a assustavam. Eram as chances de uma vida nova, diferente e imprevisível que tornavam cada passo a ser dado uma decisão muito mais importante do que esperava. Era a vontade de se agarrar nas possibilidades e acreditar que elas realmente seriam mais que possibilidades; a vontade de acreditar que seriam fato, verdade.

Tinha a mania de elaborar planos de fundo para a vida do futuro; um desejo suicida, porque sabia que quando tudo desse errado, ela já teria expectativas demais.

quinta-feira, julho 19

Da sinceridade

Eu não queria sentir essa falta, essa distância. Eu não queria admitir que preciso do que preciso, que não sinto menos o que sinto. Podia, quem sabe, fingir que fechei as portas de novo... Fingir que não há mais nada aqui dentro: nem angústias, nem sorrisos; nem essa vontade inconsequente de acreditar que nós ainda teremos outros momentos.

Eu não queria sentir a tua falta.



Mas sou sincera demais comigo mesma; tão sincera que nem tenho a decência de mentir as mentiras inocentes e protetoras. Eu não queria admitir que sinto o que sinto, mas a verdade é que tu estavas mais em mim do que eu imaginava.

quarta-feira, julho 18

Confesso

Eu andei de volta. Eu remexi minhas memórias e achei lembranças recentes de um passado feliz. Eu andei de volta pro tempo em que eu pensava que haveria uma decisão muito importante a ser tomada, e razões muito fortes para escolher qualquer uma das alternativas. Eu andei de volta e percebi que um dos motivos mais fortes para eu preferir algo a outra coisa foi dissolvido no mar complexo de sentimentos afetados.

Eu ainda tenho uma decisão importante.
Mas me faltam boas razões para equilibrar as preferências.


Só que eu me conheço, e já resolvi ampliar a importância de detalhes para devolver o dilema.

domingo, julho 15

Batalha

Sentiu o misto de sentimentos entrando em guerra dentro de si. Sentiu que cada pedaço de coração que tinha estava sendo posto à prova, desafiado a continuar batendo. Sentiu que todos os exércitos haviam deixado de lado as estratégias e partiam para o confronto direto, com armas brancas e desprovidos de escudos.

Temia a hora de recolher o corpos do campo de batalha.


Temia ter de recolher a si própria.


Via

Havia de respirar fundo.

Encontrou seu reflexo o observando da vitrine de uma loja e sentiu-se invadido pela falta de discrição daqueles olhos. Os próprios. Os que não tinham se quer a decência de disfarçar o interesse, e fingir que nem estavam ali. Havia de ser firme com os olhos que o cuidavam tão de perto, pois eles indicavam que eram até mesmo capazes de enxergá-lo do avesso. Encontrara um reflexo tão fiel à sua imagem que por um minuto resolveu ponderar se sentia-se realmente tao forte quanto parecia.

Havia de ser forte. Ia encarar sua própria cara assim que entrasse em casa e desse com os olhos no espelho; precisava ter certeza de que sabia como se parecia. Haveria de respirar fundo.



segunda-feira, julho 9

Nota XIII

Eles serão felizes, de alguma maneira. Porque, de alguma maneira, eles seguem sorrindo os sorrisos fáceis e não se importam com essa falta de noção em que metade das pessoas parece viver. Eles viverão felizes porque têm ideais, e têm motivos para acreditar que um dia verão um mundo bom.

Eles são felizes assim. E haverão de espalhar seus sorrisos por aí.



Quem sabe, dia desses, um dos sorrisos te caia na boca, e tu sejas feliz, até. 
Eu torço.

domingo, julho 8

Na hora

Chegou a hora de seguir. Desprender-se pouco a pouco de cada um dos laços que a amarravam tão fortemente onde estava. Desamarrar-se de cada um dos medos e até mesmo deixar que a imaginação desfizesse algum futuro feliz que havia imaginado com o que tinha até então. Ela teria tantas outras coisas a partir dali... Chegara a hora de seguir.

Esvaziar um coração dos sentimentos desperdiçados, para quem sabe um dia preenchê-lo somente com o que valesse a pena, em cada pedaço de vida que fosse. Esvaziaria-se dos descompassos arritmados de um coração falho, e ofereceria abrigo para qualquer outra sintonia.

Ainda que não houvesse melodia.

Chegou a hora de seguir, ela percebera. E seguindo encontrou a vida dobrando a esquina, com alguns punhados de futuro na bolsa.



Impasse

É dessa coisa apertando no peito, inquietando a pulsação. Eu me incomodo com essa calmaria, com esse silêncio que enche os ouvidos até transbordar nos caminhos - e nos atalhos. O silêncio da espera. É dessa coisa apertando o peito por dentro, torcendo o coração aos poucos; desse sangue que corre inconstante e desses ventos que não sopram. É dessa coisa que diz que precisa calma. E dessa outra, em mim, que me joga boas verdades na cara.

Ela diz que quem deixa pra depois, perde mais.



E que eu não sei ser passiva.

quarta-feira, julho 4

Sobre mais um pouco

Vamos falar sobre vícios. Sobre essa mania de querer ter mais do que se prova em uma vez. Vamos falar sobre o quão bom é saciar uma vontade, uma urgência. Sobre o prazer que toma conta do corpo e faz você acreditar que a vida é boa e que as coisas vão dar certo.

Mas veja, estamos falando sobre vícios.

Vamos passar da fase em que você acredita que não depende de nada. Vamos ir direto no ponto em que você não consegue mais ficar sem alguma coisa. Vamos falar de vontades insaciáveis, de urgências nunca acalmadas. Vamos falar sobre o todas coisas que você faz para conseguir mais um pouco do que precisa. E de repente mais um pouco, e mais um pouco, e tudo quanto for é muito, muito pouco.

Estamos falando sobre descontrole.

Vamos falar sobre vícios. Não sobre drogas ou substâncias específicas. Sobre vícios, apenas. De qualquer coisa; de coisa e de pessoa. Vício de gesto, de companhia, de contato. Vamos falar sobre confundir as coisas todas e sobre o quão longe você vai por isso. Por mais um pouco. Só mais um pouco, para um dia melhor.

Estamos falando sobre não haver melhor.



Na verdade, você sabe exatamente sobre o que estamos falando.

Se fosse tarde

Não adianta. Então por que tu ainda não partiste? Vem com essa de gostar de um jeito que não me serve, que não me mostra. Por que ainda não recolheste teus pedaços da minha cama, se me gosta desse jeito que não me quer?

Não me adianta. Por que ainda tu me assombras?

Já foste forte. Depois perdeste a noção e o senso - todo ele. Já foste forte e tiveste culhão pra me dizer o que fosse, mas agora me diz que gosta sem nem me olhar na cara. Por que tu ainda deixaste pedaços da gente na cama, se pretendia deixar que os lençóis esfriassem?

Tu já foste forte.
E eu pensei que fosse a torta.


Por que tu ainda não?

terça-feira, julho 3

Dog days

Vai ser um dia bonito. Um dia em que os tons de cinza não vão incomodar; um dia em que todas as cores nem vão fazer diferença. Vai ser um dia bonito porque ela vai andar por aí sabendo que uma outra vida a espera do lado de lá da linha. Do lado de lá de quem vai.

Ela vai, e vai viver dias bonitos, não interessa o tom que pintar.


domingo, julho 1

Em falta

Foi a falta que voltou a ocupar os espaços do lado de dentro. Um grande vazio, quase material, ocupava cada fresta de cada parte, espalhando-se do peito para o resto do corpo. O resto que nem mais reagia; pensava estar ainda esperando pelos comandos de um sistema nervoso. Só que o sistema estava dopado; lhe faltavam as conexões.

Tudo estava em falta.

Não tinha mais aquele calor espalhando-se com o mesmo compasso que a pulsação. Faltava a emoção do contato e a expectativa do encontro. As pontes nervosas não se alcançavam mais, fazendo com que cada impulso se perdesse na tentativa da transmissão. Faltavam os planos pros dias ociosos. Era a falta que ocupava todo o lado de dentro, como um grande vazio quase palpável - um vazio cheio de nada que ocupa todo o espaço.

Havia muito em falta.


Faltava reação. Uma dor que doesse ou um alívio que libertasse.
Faltavam nervos.

quinta-feira, junho 28

Vivemos

Vivemos de abraços. De gestos e toques, e movimentos que condizem com o que dizem. Vivemos de abraços, frouxos e fortes, e apertados ou sentidos. Vivemos de trocas, de partes de vida compartilhadas e concedidas em abraços repletos e cheios de nós.

Vivíamos de abraços - de tantos braços; e alguns nos fugiram.


No entanto, vivemos ainda.


quarta-feira, junho 27

Dito e feito

A gente se apoia nas palavras. A gente confia no que nos dizem porque normalmente essa é a unica coisa que nos oferecem. E a gente acredita, sim. Só que tem quem não conhece o valor do que diz, e diz qualquer coisa. Diz sem intenção de cumprir. A gente se apoia nas palavras, mesmo assim.

A gente acredita em palavras porque gostamos de pessoas.
Só que nem todo mundo sabe o que diz.

domingo, junho 24

Aperto

Ela aceitou entrar na dança e abrir o coração para o estranho a para as coisas que não aconteciam na vida antes daquele dia. Ela resolveu dançar os passos descompassados do vazio de antes para então deixá-los sair de si. Dançou, girou, sorriu, cantou suas músicas a plenos pulmões para então aceitar a lágrima que escorria indiscreta pelo rosto. Felicidade demais vem acompanhada de coisa que dói; e ela não sabia como não dar bola para aquilo.

O aperto esmagava os pulmões, que apressadamente buscavam fôlego para a próxima música.

Ela entrou na dança e correu o salão inteiro. Ela abriu o coração para o estranho e achou que era certo ser idiota por uma razão sincera. Entrou na roda e, tão disposta, tirou os sapatos para que nada no corpo doesse e a fizesse parar. Ela tirou os sapatos mas ficou com o coração; ingênua, pensou que só o sapato fizesse doer.

Sentiu o aperto nos pés aliviando. Sentiu um aperto mais forte no peito, crescendo.

Ela entrou na dança e dançou as batidas intensas que não ouvia há anos. Quis escolher uma música quando o destino mudou a trilha e abriu a roda. O salão agora tem o tamanho do mundo. E o coração, ainda apertado, sente que não cabe mais naquele peito. Ela resolveu dançar a dança dos que se vão.


E está indo mesmo.


O estranho ainda lhe dói, mas não parece saber o que faz.


quarta-feira, junho 20

Dicionário pessoal - Definição II

É o tipo de coisa que tem nome e motivo; egoísta, exige consideração. Do tipo que não se deixa empurrar para o lado e simplesmente fingir que não está ali; é a presença da ausência - forte, e fria. É o tipo de coisa que se pode tocar, ainda que não tenha corpo, nem forma. É fato. E capaz de gelar a alma inteira, com apenas um sopro, de longe.


É saudade.
E das grandes.

terça-feira, junho 19

Do amanhã de agora

É como se o chão tivesse sumido de baixo dos pés e todas as outras coisas simplesmente deixassem de incomodar. Parece que, de repente, o universo se dividiu em dois; perfeitamente distinguíveis, eles dançam a dança dos que sorriem com todos os sorrisos que têm. É como se o presente estivesse com seus dias contados e soubesse disso.

É como se os dias mais absurdamente felizes e doídos estivessem por vir.

É sonho. É um pedaço do futuro que eu sempre quis. Mas é conquista que implica desapego. E vai ser preciso abafar um coração apertado de saudades o tempo todo; eu sei. Eu sei que nos últimos tempos eu trouxe pra minha vida as pessoas mais incríveis que eu poderia querer. E sei que eu não sou a melhor nessa história de desapego, também. Mas é assim mesmo que funciona: coisas boas custam caro. E isso dói. Mas vai doer por só um ano. Só um ano.

Só um ano. Observe.

É como se essa dor já começasse a doer aos pouquinhos, e soubesse que só tende a crescer. É um pedaço do futuro feliz e de todas as possibilidades que isso traz. Chega de amanhã.

segunda-feira, junho 18

Muda

Mudei de hábitos, de humores.
Segui andando e aceitei
sabores amargos 
misturados aos teus doces. 
Segui sabendo que nem sempre a coisa é
assim ou assada, ou acima
das expectativas.

Mudei de hábitos e humores, mudei de cores.
Mudei de planos, e mudei de dores.
Mudei sorrisos.


Mudei de amores.


domingo, junho 17

Perspectiva

Quando abriu os olhos percebeu que acordava num mundo que não estava ali no momento em que os fechara. Viu-se acomodada num jardim cor de vivo, em que possibilidades e desejos passeavam pra lá e pra cá. Quando abriu os olhos, enxergou as cores; ouviu o som do vento e sentiu de novo os pulmões repletos. Sentiu o próprio coração batendo, o sangue fluindo e os sonhos desenrolando-se das amarras que os prendiam no futuro.

Sentiu o próprio coração, o que era novidade.

Quando abriu os olhos percebeu que estava longe demais para voltar, e por isso permitiu-se continuar acordando para a vida que se mostrava em nova perspectiva. O mundo era outro, mas sabia que um dia voltava.


Se pudesse, buscaria do mundo velho alguns corações, e levaria consigo.
Imaginou se eles ainda bateriam por ela depois de todos os dias que se fossem.

quinta-feira, junho 14

Se fizesse

Se tu ao menos fizesses sentido, quem sabe que rumos aquilo teria. Quantas chances de usar meus melhores sorrisos, quantas vontades de usar as melhores versões de mim mesma. Quem sabe que meios eu teria para ver de novo nos meus dias as cores que há tempos desbotaram.

Quem sabe eu o teria. Se tu apenas fizesses sentido, eu faria todo o resto.


terça-feira, junho 12

Pretérito perfeito

Nós misturamos todas as bebidas do bar, e rimos da cara abobada um do outro. Nós sorrimos e andamos, trôpegos pela rua, sem medo dos carros que passavam acelerados ao nosso lado. Sem medo que eles passassem perto demais porque estávamos abraçados com força suficiente para impedir uma separação. Nós misturamos amizade e algumas cores, e até que saiu uma coisa bem legal. Mas sabe, nós misturamos bebidas demais.

Sabores demais. Das bebidas suaves às fortes, das misturas doces ao amargo da cerveja importada que tu mais gostava. Nós ainda vamos rir da cara um do outro, e quem sabe ainda passearemos abraçados, mas pra onde foram todas aquelas cores que usávamos para pintar os dias? Nós sorrimos e andamos, afrouxamos o abraço e agora os carros não ameaçam quebrar-nos; fizemos isso a nós mesmos.


Andamos trôpegos. Só que agora o efeito passou. Se foi a bebida, se foi uma bobagem... se foram sorrisos ou cores aleatórias, o fato é que os carros não nos ameaçam mais.

segunda-feira, junho 11

Da espera

Dessa espera me restou pó, alguma dor no peito, alguma saudade mal sentida. Desse tempo me veio frio, me veio vácuo. Da saudade vivida fiquei de mal, e pra ela disse que me cansei. Dela eu quis fugir, e corri pro pó que acumulou em mim - pensando que ele era espesso o bastante para me esconder da saudade. E pensei que assim me faria forte, mas quem se esconde não pode falar de força. Não pode falar de nada.

Dessa espera fiquei cansada, e da vida me fiz covarde. Fugindo aos poucos, pelos soluços de alguma coisa no peito que entalou na garganta. Que entalou e não desce. Dessa vida me fiz covarde, e corri de volta pro abrigo que me mantinha a salvo. Só que do abrigo restou o pó, um buraco no peito a uma saudade ressentida.

Daquele tempo me veio sombra, me veio só.

sexta-feira, junho 8

Sobreposto

Não sabia para onde aquilo deveria se encaminhar. Sempre havia aqueles momentos em que a sua confiança e esperanças num futuro bom se esvaiam... e se perdiam dela por um tempo. Ela já perdera a conta dos dias que tinham passado desde que o tal momento começara a valer. Mas daí algumas mesas viraram, sobrepuseram as sensações com a vontade de ser leve, e de repente ela se vira obrigada a acreditar em sonhos de novo; como se um pequeno fio de esperança estivesse começando a ganhar corpo. A ganhar motivos.

Algumas coisas encontraram o caminho de volta, e disseram que era hora de ela partir.

Chegara o momento de abrir o peito e deixar sentir. Não podia estancar a sinceridade que queria sair de dentro, e nem tinha vontade de impedir algumas incoerências de acontecerem. Não tinha a menor ideia de aonde aquilo poderia levá-la, mas preferiu acreditar que dessa forma ela talvez - e finalmente - chegasse a algum lugar.


Esperava chegar.
E esperando por isso, confiou no sorriso daquele estranho, e então perdeu-se de vez.

Foi, apenas.

Foi um erro, um beijo e um passado meio entreaberto. Um tropeço, uma deixa. Um me esqueça. Foi do tipo história que fica nas entrelinhas, nos entremeios. Foram beijos, erros e passados mal passados. Fantasmas de nós mesmos, vagando por vácuos de atenção. Havia meio, motivo e desejo. Mas foi um tropeço, um me esqueça e um que queira.


Foi mais me queira e agora te vira.



quarta-feira, junho 6

Dados de sorte

Andava tão pouco quanto a vida. E saía de casa todos os dias após jogar os dados e torcer para que caíssem com o seu número de sorte virado para cima. Torcia para que as coisas acontecessem de novo, para que então os sorrisos voltassem aos olhos. Andava sem perspectiva de futuro imediato; meio até sem presente.

Saía de casa todos os dias após deixar que a sorte ditasse sua rotina, e andava como quem perdia de vista algum vislumbre de felicidade. Não era para a casa dela que queria voltar.

Resolveu jogar os dados de novo.
Mas dessa vez preferiu não esperar pelo resultado.


domingo, junho 3

Noite

Vem dançar e desapega. Abre os braços e solta os cabelos; deixa o teu perfume tomar conta da pista enquanto tu danças de olhos fechados. Deixa que os outros olhos te olhem e as mãos te procurem puxar - mas não deixa que te levem. Vem dançar e desapega-te de ti mesma, desse teu corpo frágil e das tuas queixas. Abre os olhos e enxerga as luzes, e daí fecha-os de novo e esquece-te delas. É noite.

Solta o corpo e te mexe. E deixa que a batida bata por dentro. Deixa que a batida bata pelo coração que cansou, até que a noite termine e as tuas expectativas se confirmem frustradas. Mas daí vê se esquece. Deixa a batida bater em ti.


Vem dançar e desapega.


quinta-feira, maio 31

Água doce

Afundara. E agora encontrava-se submerso num lago de pensamentos confusos; contraditórios com seus atos e com  reflexo de seus desejos. Envolto pela roupagem do compromissos que não sabia mais se queria para si, não pôde libertar os braços para que esses trouxessem seu corpo de volta à superfície. Queria alcançar um pedaço de qualquer coisa que o fizesse flutuar, mas sua própria consciência já estava pesada demais; cansada demais.

O lago era o dela. E tinha a mesma cor que a que lhe aparecia nos olhos. Mas ele esquecera de despir-se das roupas antes de entrar, e quando essas terminaram de se encharcar acabaram pesando no corpo. Para o peso do que trouxera, perdera a chance. Os braços não conseguiram desenrolar-se.

E os abraços permaneceram presos. Afundara.

Afundara sem ter a chance de respirar fundo, uma última vez. Uma última olhada para a luz do dia, no lado de cima da água. Seguia caindo para o fundo do lago mais doce que se dispusera a entrar quando terminou de soltar o ar que prendia, e parou a pulsação sanguínea. Afundara; e a consciência se esvaía à medida que o fundo chegava mais perto.

Mais perto.

Mais perto.


Mais



Fundo.

terça-feira, maio 29

Nota XII

Tu não devias deixar os outros perceberem. Tu devias seguir olhando pra baixo, para não precisar encarar ninguém e assim mostrar o que está por trás desses olhos - o que está espremendo esse coração. Tu não devias deixar os outros perceberem que ele recomeçou a bater; e quem sabe seja esperto abafar o som das batidas - que eu até já estou ouvindo, aqui de longe. Tu não devias abrir tanto os olhos.

Ou o peito.


O que aconteceu com o teu bom senso?

segunda-feira, maio 28

Sobre prazo e pena

Quantas vidas até esse suspiro virar sorriso, e iluminar os dias que eu passo soprando? Quantas vidas ainda passam sem que haja dias inteiros; além dos tantos dias a menos. Tanto quanto pode ser errado e torto, e feio, e feito para mim? E desses tantos, quantos mais aguento? Se são todos seguros, quantos mais perfuro para abrir uma brecha, e ser flecha que corta no fim?

Quantas vidas até que esse suspiro respire um abraço bem forte, sem vazio nem beijo perdido... Quantas vidas até eu desistir de ser mentira?

Quantas vidas eu mantinha sem abraços nem verdades; tantas outras mais, incompletas. Quantas delas valeram suspiros sufocados, sem beijo nem flecha. Nem sorriso no fim.


sexta-feira, maio 25

Ambas

Verdade era que o coração sentia. E sentia mais do que o esperado. Verdade era que os braços estavam procurando o que abraçar, e que os abraços queriam ser distribuídos para uma só pessoa. Ou duas.

Droga; uma ou duas.

Verdade era que o coração sentia demais. Que bastavam aquelas poucas horas para despertar as vontades do outro dia, daqueles sorrisos que escapam sem nem perceber. Verdade era que o coração sentia, sim, e por isso fundia a lógica com a incerteza da pulsação alterada, toda vez que havia abraços e sorrisos de uma certa pessoa. Ou de uma das duas certas pessoas.

Mas tinha que ser uma ou outra.
Droga.


quarta-feira, maio 23

Balada

E se a vida quiser brincar contigo?
Te fazer de boba, te jogar
de um lado para outro, e de novo
e de novo. E quem sabe,
mais uma vez.

E se a vida quiser te ver dançar?
Se ela escolher a música, e te jogar
de um lado pra outro, e pra outro e
pro outro. E quem sabe?
E quem sabe que outro?
Quem outro?

E se a vida quiser? Dancemos.
De novo.


E de novo, mais uma vez.
Quem sabe.

domingo, maio 20

Jogados

E daí vai lá, pega meu tabuleiro e toca pra cima. Pega meu tabuleiro e rearruma as peças, bagunça de novo e joga ele fora. Me dá um tabuleiro novo e espera que eu adivinhe as regras do jogo. E daí quando eu entendo, você vem e me diz que o que vale agora é o inverso do oposto. Me tira as instruções das mãos. Corta as regras.

E então vem manso e me quebra as peças. Substitui meus peões por pinos e dados. Troca minhas cartas por fichas mais bonitas. E vem de novo e me diz para pensar na jogada; diz pra eu fazer um movimento.

Eu faço.

E daí eu digo que foi com a chave inglesa, no salão de festas, mas não tenho um sujeito pra nomear. Não me restaram sujeitos nesse jogo novo que você propôs. Eu digo que foi você no salão de festas, mas você insiste que não estamos brincando disso.  Insiste que o culpado não está no tabuleiro. Que não há mais tabuleiro.



Mas daí vem manso de novo e me dá a corda.
E diz que vai ser na cozinha.


sexta-feira, maio 18

Afinal

[...] Era como ter vida do lado de dentro. Era como ter a face menos pálida, as olheiras menos fundas, os olhos menos tristes e o sorriso mais verdade. Era como se o lado de dentro vivesse de novo, porque pesava menos.


Só que daí acabou o conto. Acabou na hora em ele disse "apesar de tudo". Acabaram-se as risadas do dia e tudo ficou meio raso de novo - menos as olheiras. O conto não era de fadas, e não implicava um final feliz. Oferecia um final de contos modernos, onde cada um fica do seu lado e só retira as barreiras de vez em quando.

Aquele final que não tem ponto. Que não tem o "fim" escrito na última linha. O final de quem esquece que existe um lado de dentro, ou de quem quer evitar chegar ao ponto de abrir as portas para os visitantes, porque eles podem acabar pisando na grama. O final que vem depois do "estou aqui" e que deixa a história ao acaso.

Aquele final que deixa tudo no ar, sem saber se o conto era em volume único ou em série.


quarta-feira, maio 16

Redemoinho tudo

Virado. Num turbilhão enlouquecido de coisas indo, voltando e acontecendo de novo. E dando errado, dando muito certo e depois dando errado mais um pouco. Virando um milhão de sentimentos certos em pontos de interrogação, perfeitamente desenhados por um traço tremido, temeroso.

Foi virado. Foi tudo junto.

E veio num turbilhão ensandecido que já ia e vinha, de lá para cá e depois para cima. E daí caía, para ser resgatado no meio do caminho e empurrado de volta. Para o lado que fosse. Desde que fosse virado.

Estava num turbilhão desregulado de desejos indecisos.

Desejados no meio da queda; esquecidos enquanto havia razão. Veio o turbilhão e virou a vida inteira em tão pouco tempo que de mesmo não havia nada. Havia passos maiores que as pernas. Havia dúvidas maiores que a consciência. Veio o turbilhão e fez o estrago.

Foi virado. Foi tudo junto.

terça-feira, maio 15

Desabotoa

Isso, atira aí. Não vai cair, não, nem sujar; não te preocupa. Te preocupa em abrir essa minha blusa, que tem botões demais. Larga esse casaco em qualquer lugar, não tem problema. Depois a gente acha ele de volta. Vou largar tua camisa aqui mesmo, e daí tu pode voltar a te ocupar com a minha blusa. Eu cheguei a pensar que ela realmente tinha botões demais, mas achei que seria divertido te ver nessa ânsia. E tá sendo, sabe. Não, eu não estou sendo ruim... não me olha desse jeito. Ela sai por cima, se tu puxar. Viu só. Deixa os botões pra lá.

Tira. Atira ali.
A gente acende a luz depois e acha tudo; não te preocupa.

segunda-feira, maio 14

Sobre a linha

É só porque estava perdida, visto que não costumava ser boba do jeito que vinha sendo. Era porque a vida se rebelara e mostrara pra ela caminhos felizes, todos de uma vez só, mas esquecera de dizer que apenas um ou dois podiam ser tomados como destino. É só porque agora ela estava em cima da linha que separa o orgulho dos desejos, e a razão dos sentimentos mais simples, que não conseguida decidir entre preservar a imagem ou assumir um coração burro e desinteressado.

Ainda que ela estivesse farta das imagens.
Ainda que tivesse consciência que o coração não era tão desinteressado assim.

sexta-feira, maio 11

Rarefeito

Só precisava de ar. Que enchesse os plumões por completo e que fizesse sentir o alívio de um suspiro pleno. Apenas ar, de um entorno normal. Que inflasse o peito para que o coração deixasse de brigar por espaço dentro do corpo, e mostrasse possível uma vida regida pelo seu compasso. Pela batida acelerada de uma vida; daquelas com emoção.

Queria espaço para livrar o aperto. Queria só o aperto de um par de braços em torno da cintura. Queria deixar o coração livre em si, e sentir todo o ar necessário entrando e saindo do corpo.

Queria deixar de ver lágrimas saindo dos olhos, pois eram tantas que o ambiente virara mar. E quanto mais água, meno ar. E menos ainda. E, então, menos um pouco.


Talvez mergulhasse e esquecesse que não era sereia.

Nota XI - sobre peso

E se for pele. E se for peso. E se tentar amassar um coração que nem está ali. E se for pele, qual o problema no beijo leve. E se for mais, o que então está acontecendo?

Se for pele eu lido. Se for peso... se for peso eu despeço. Repenso. Se for pele eu lido.


Se for peso, que seja pouco.


quarta-feira, maio 9

Do tempo cansado

Foi no tempo em que ela agia como se não quisesse nada, como se não fizesse questão. Andava como quem não pedia o abraço e nem oferecia um beijo. Vivia como quem não quisesse nada, como quem dava de ombros e fingia que não se importava. E nesse jeito ela achou que não fazia diferença, mesmo. E assim ficou mais longe. Mais como quem espera menos.

Foi durante esse tempo ruim, nesse tempo vazio, que ela andou cansada das  paredes cada vez mais pálidas da casa. E cansada desse tempo igual - que passa sempre do mesmo jeito, todos os dias - ela disse que bastava. E desse tempo ruim ficou enjoada. Enojada. E desse tempo ruim fez passado.

Foi no tempo em que ela agia como se não quisesse nada que percebeu que tinha era medo de assumir o que queria de fato. Medo de fazer questão de algo que não estava ao alcance. Mas foi nesse tempo que ela disse que bastava.


E se bastava, cansou-se do cansaço. Foi-se o tempo que temia.

terça-feira, maio 8

Afetado

Resolvera deixar o plano. Resolvera que se danasse de vez, que tudo, dali por diante, seria do que jeito que fosse - desde que fizesse sorrir. E fazia. Então deixara o plano na gaveta e resolvera que seria do jeito que fosse.

Seria simples.

Seria menos complexo, menos futuro. Decidira que mais hojes fazem do presente uma dimensão possível e saudável. Mais hojes faziam sorrir. Produziam sorrisos. E os amanhãs que se danassem. Queria mais era desconstruir a complexidade de uma personalidade antes sólida - antes. De sólido ficara o plano, que já era firme como água.

Seria simples.


Resolvera que se danasse. Que, enquanto hoje, haveria sorrisos.

sábado, maio 5

Suspensas

Estavam lá, flutuando em torno da sua cabeça, todas as coisas feitas, buscadas, construídas. Estavam lá porque agora dependiam do empurrão que vem de fora, do aval do universo que permite - ou não - os planos saírem do papel. Estavam lá, flutuando em torno da sua cabeça, simplesmente porque não podiam deixá-la em paz.

Estavam lá, incentivando uma imaginação emocionalmente instável.

Flutuando na frente dos olhos, insinuando possibilidades. Todas suspensas ao seu redor, esperando o universo se manifestar. Esperando as respostas, portadoras de boas notícias. As boas notícias que flutuam acima das coisas que flutuam em torno da sua cabeça.


Todas as coisas feitas, buscadas e construídas. Todas suspensas. Todas as coisas que o universo não parecia estar disposto a permitir, até alguns dias atrás.

quinta-feira, maio 3

Plano [im]perfeito

Você não tinha pensado em tudo. Mas achou que tivesse e se deu o direito de sonhar alto. Achou que tivesse cuidado de todos os detalhes, que tivesse organizado tudo direitinho, e que em algum momento - quando a coisa fosse sair de controle - haveria alguém que caridosamente iria lhe dizer que estava tudo bem, porque a ajuda viria.

Só que você não pensou em tudo.

E você não lembrou que talvez esse alguém não exista. Você não lembrou que houve um aviso, lá no início, que dizia que seria tudo por sua conta. Que você ia ter de se virar, e que o azar era seu. Foi nisso que você não quis pensar, porque achou que se tudo desse certo, dobraria certas pessoas e então tudo se resolveria.

Só que você não quis pensar em tudo, não é?

E agora já começou a sonhar meio alto demais. Mas você foi avisada que o azar seria seu. Então prepara o corpo, porque a queda pode doer bastante. Te prepara para abrir mão de uma série de sonhos, porque as coisas estão para acontecer e talvez aquela pessoa caridosa não venha lhe socorrer. Prepara o corpo, porque a queda vai te quebrar inteira.

E você não tinha pensado nisso. Tinha?


terça-feira, maio 1

Sobre peças, portas e chaves

Eu disse aquele dia que a vida tinha aberto algumas portas, mas depois de passar por uma me quebrei e pensei que estive enganada. Eu disse que uma porta tinha sido aberta, e me recusava a voltar por ela porque havia muito mais coisa no jogo. Eu pensei que o bom era aproveitar as portas enquanto elas oferecem passagem, porque não se pode prever quando a porta vai aparecer de novo no tabuleiro.

Mas na verdade a lição que me ensinaram foi outra.

Aprendi que mais importante que aproveitar a chance, é pensar se era isso mesmo que se queria. Eu aprendi que só porque uma porta se abre, não significa que nós nunca mais podemos voltar dela. Eu entendi que nem toda porta mostra um caminho bom, e que se recusar a voltar é burrice. Aprendi que portas abrem todo tipo de caminho. E que sou eu quem decide qual delas é melhor pra mim.

Independente da posição das peças no jogo.

Eu disse aquele dia que a vida tinha aberto algumas portas, e quase me precipitei entrando pela primeira que havia destrancado. A lição que eu aprendi é que existem possibilidades. Mas que quando uma aposta não dá certo, não se pode fechar os olhos para as outras, porque em todas as portas há mais peças. E cada peça muda o jogo da sua maneira, só que umas acabam anulando as outras.

Na verdade, a lição que me ensinaram é que eu não preciso esperar a abertura das portas.


Aprendi que eu preciso é ter as chaves, e então abrir a porta que eu quiser.

domingo, abril 29

Sobre começar ou acontecer

Eu não sei o que pode acontecer em um ano.

Não tenho ideia do quanto posso mudar, do que posso deixar de gostar, ou o que posso passar a querer. Eu não sei o que pode acontecer em um ano mas eu sei que por enquanto eu não tenho que me preocupar com isso. Eu sei que as coisas podem mudar. Mas eu não sei o que pode acontecer.

Se alguma coisa for acontecer.

Eu já sei que não vou abrir mão desse um ano. Mas eu ainda não descobri do que vou ter que abrir mão quando ele começar. Eu nem sei exatamente o que eu tenho, então não vou pensar nisso até que esse ano comece. Quando ele começar eu penso.

Se ele for começar, eu penso.

sexta-feira, abril 27

[in]Sônia

Parece que se eu fechar os olhos tudo vai passar por mim mais rápido ainda. Parece que se eu piscar eu vou perder os acontecimentos mais importantes, e ficar vagando aleatoriamente entre o que foi, o que deixou de ser, o que possivelmente aconteça e o que eu já imagino acontecendo.

E eu não queria imaginar coisa alguma.

Mas eu admito ser fraca. E então imagino. E espero por uma realidade generosa, em que todas as expectativas se cumpram. Eu não queria imaginar coisa alguma. Mas parece que se eu não espero por nada, a vida perde a graça.

Eu não quero viver sem graça.

Parece que se eu fechar os olhos eu vou me enxergar por dentro, e ver meus monstros brincando de casinha com meus maiores sonhos. Eu confesso o medo de fechar os olhos e perder o rumo. Mas se for para manter os olhos abertos, eu não quero uma realidade sem sonhos.


Se eu fechar os olhos, não me faça acordar para servir chá pros monstros.


terça-feira, abril 24

Sobre tanto

É sobre ter medo de esperar por coisas boas, ainda que bobas como um abraço. É sobre querer imaginar que tudo vai dar certo, sem ter coragem de admitir o quanto deseja aquilo. É sobre querer; e querer muito. É sobre não conseguir controlar o suor nas mãos, simplesmente porque o sistema nervoso inteiro está a beira de um colapso.

É sobre perceber que todas as coisas boas acontecem ao mesmo tempo. E querer tanto tudo.

É sobre ter medo de lembrar que se tudo seguir dando certo desse jeito, eu vou ser obrigada a escolher. E não é justo escolher alguma coisa para ser a que se quer mais.

Eu quero tanto tudo.

sábado, abril 21

De repente mundo

Daí então, quando você menos espera, as coisas acontecem. Elas acontecem e tudo que parecia tão longe está de novo ao alcance das mãos - que já esticam os dedos para segurar firme. E então você percebe que não estava preparada para isso, e que chegou a hora de improvisar.

Você percebe que o script terminava na última fala.

Acontece que o seu mundo perfeitamente controlado está fora da caixa de novo. Está espalhado por todos os cômodos da casa, por todas as casas da rua, por todas as ruas do mundo; isso de tal maneira, que você não faz ideia de como sua bolha habitável se tornou tão assustadoramente grande. De repente seu mundo se torna o mundo real, e você percebe que está absolutamente apavorada.

Só que você está adorando o frio na barriga.


Então que se dane, mesmo.

sexta-feira, abril 20

Dos filmes da gente

A gente vai fechar os olhos e voltar a fita. Vai lembrar do começo, de quando as coisas eram boas. De quando as coisas não eram apenas coisas. A gente vai fechar os olhos e rebobinar, até chegar na parte em que o mocinho conhece a mocinha e tudo começa a dar errado. Vai voltar para as coisas que eram mais que detalhes desimportantes.

Detalhes nunca são desimportantes.

Então a gente vai fechar os olhos e lembrar dos detalhes todos. Daqueles que nos deixaram aqui e daqueles que construíram nossos muros. A gente vai lembrar da hora que nós convidamos o vilão pra entrar na história e vamos lembrar daqueles detalhes que nos afastaram tanto.
[E tanto mesmo]

Nós vamos voltar a fita, e assistir tudo de novo.
Observemos os detalhes que nos puseram de frente um pro outro, sem nenhuma palavra a dizer, aqui; no final do filme. Sem uma sílaba pronunciada, e ainda tanto por falar.
[E tanto mesmo]

A gente vai voltar a fita. Só para assistir de novo o mesmo filme. E depois que o filme acabar a gente vai juntar a equipe de produção e vai fazer um outro. O triste é saber de antemão que o novo é só uma releitura do antigo, do mesmo jeito que o primeiro foi inpirado nas histórias de sempre. E tu me diz que isso é só um detalhe.

Detalhes nunca são desimportantes.


Há vaga para um bom diretor.

quinta-feira, abril 19

Embalada

Sabiam que eram felizes sempre que aquela música tocava. Ela embalava os sentidos de ambos de maneira única, deixando o resto do mundo do lado de fora de qualquer lugar; eram eles por todos os cantos, de todos os jeitos. A felicidade não lhes era utopia, não lhes era estranha. A felicidade dos dois era como a música que embalava a consciência entorpecida dos momentos únicos. Dos momentos que construíam com sintonia de dar inveja.

Os dois sabiam que eram felizes também quando a música não tocava. O silêncio nos ouvidos não calava a imaginação de ambos, que entonavam a canção em uníssono. O silêncio era tão feliz quanto a música e todos os lugares eram perfeitos para eles.

Todas as não verdades em todos os cenários. Se bastavam, e isso era suficiente.

Era uma felicidade estranha para quem não entende. A música era sobre uma bailarina manca e um soldado desertor. Sem heróis, ou dias gloriosos. A bailarina nunca dançara em um teatro lotado, e a guerra do soldado ficara para trás. Importava pouco, isso tudo. Importava menos que a música, e a dança que faziam.

Importava que eles sabiam como dançar. E dançavam.

Inocente

Eu sei que tem outra de você aí dentro, oprimida por uma grande consciência sacana. Eu sei que tem outra aí, mais liberta, inocente. Uma outra que quer até jogar o jogo sem muitas regras, sem muitos males. Quem sabe tu desligas a consciência e encontra em ti a força para deixar essa outra tomar conta?

Entrega o volante. Vai pro banco do carona, até que haja espaço para vocês duas habitarem o mesmo corpo, em harmonia. É a tua vez de escolher o rumo do caminho. E não adianta me dizer que é fácil falar; já chega de andar em círculos.

Eu estou te pedindo para erguer os olhos do chão. Olha em volta. Olha em todas as direções, mas ignorar o que tem embaixo. Eu queria que tu enxergasse a ti mesma como uma, que é tanto duas quanto tantas outras - que pode ser quem quiser. Eu queria que tu saísses de dentro de ti; que tu te permitisses ligar os impulsos, e reagir pelas vontades.

Eu queria te ver mais inocente, mais viva.


Ou viva, de fato.

terça-feira, abril 17

Quantos vamos

Vamos brincar de não me importo, de nem quero. Vamos dar as cartas e seguir o jogo, estragando estratégias e entregando os pontos. Vamos brincar de não me importo. De já nem quero. Vamos rasgar as cartas não enviadas e abstrair os sentimentos que ficaram nelas.

Vamos brincar de não me importo.

Vamos fingir que não foi nada. Que nunca fora. Vamos brincar de nem queria, vamos querer aquilo que nos foi entregue... vamos brincar de satisfeitos. Vamos cantar a ciranda ao contrário, e brincar de mal-me-quer. Vamos brincar de já nem quero.


Vamos brincar de não me importo.
Seguir os passos dos que perderam os olhos vivos.

Conscientes.

domingo, abril 15

Coisas a menos

É porque tem coisas que são assim mesmo. São coisas com as quais você vai lutar e lutar para no fim entregar os pontos e erguer uma bandeira branca. Um de vocês sempre vai. Mas é só porque tem coisas que são assim mesmo; feitas de outras que também são desse jeito.

Eu queria que tu lembrasses que nem todas as coisas são como essas. Que tem coisas diferentes por aí, e que tu estás perdendo. Mas um de nós sempre vai. 


Eu me pergunto por que sou sempre eu quem perde mais.

sexta-feira, abril 13

______________.

Tem parecido tudo tão raso, tudo tão sem futuro. Tem aparecido coisas só por aparecer, só por provocar vontades que no fim não vingam. Tem sumido gente importante, e tem ficado um pouco menos de tudo.

Tá parecendo tudo tão raso.

Tá sobrando sempre tão pouco, tão incerto quanto pouso de emergência. Tão avesso quanto meus desejos, quanto meus próprios pedidos às estrelas cadentes - não faz nem sentido pedir algo pra alguma coisa que está caindo. Tá me faltando um norte, um título, uma ponte; um corte.

Tá parecendo tudo tão, tão raso.

quinta-feira, abril 12

Nota X - sobre o doce

Mas sabe, eu juro que só não sei. Você pode falar, pedir, até brigar comigo por causa dessa tal de má vontade a que me atribui, mas eu só não sei como fazer. Eu não sei como ser assim; como não guardar para mim o que penso, como deixar de discutir internamente as coisas que não te interessam; não sei dividir as coisas que não te interessam. Eu não sei como ser uma pessoa melhor - para quem quer que seja. Você poder querer brigar comigo até entender, mas não há má intenção. Não é pensado esse teatro de algumas palavras secas. Alguma falta de emoção.

Não é propósito.



Eu só não sei como ser doce.

Que toca

Então ele parou de tocar, sem ver que ela estava completamente absorta nos movimentos que fazia com os dedos pelo braço do violão. Ele não viu, mas foi como se a tivessem puxado à força, de volta para a realidade. De volta para as pessoas sem cor, sem coração.

Ele parou porque o dia estava acabando, e suas moedas não durariam muito tempo se permanecessem à vista dos olhos mal intencionados dos moleques. Os dedos dele ainda pediam por mais uns minutos, mas o juízo que sabia da importância de cada trocado o fez recolher seu violão e guardar seus ganhos. 

Ela esqueceu para onde estava indo na hora em que o homem se ergueu e tomou seu rumo. Ela esqueceu-se do rumo que havia escolhido para si, pois preocupou-se em achar os dedos que tocassem de novo aquela melodia. A melodia que lhe oferecera uma passagem para um jardim florido; a melodia que pintou as cores da vida numa vida que ela já desistira de correr atrás.

Ele só parou porque não notou os sonhos dela amarrados em cada uma de suas notas. Se soubesse... se soubesse seu juízo o faria ir embora, de qualquer maneira. 

Mas ela gostava de pensar que talvez ele tocasse mais uma vez.


terça-feira, abril 10

Dos olhos tristes

Foi quando olhou para mim e disse com a sinceridade mais clara que a própria voz. Me disse "É a menina dos olhos tristes", e sorriu inclinando levemente a cabeça para a esquerda, que me fez esboçar um sorriso levemente inclinado para baixo. Foi quando olhou nos meus olhos tristes e me viu por que eu era. Me viu pelos  garranchos de vida que eu tentava escrever.

Foi quando me disse quem eu era que percebi que já era hora de deixar de ser. De trocar de olhos. De trocar de passos.


Foi quando eu vi que já era hora de preencher espaços.

domingo, abril 8

Caso você leia - II

Então quem sabe a gente finge que não lembra de tudo que aconteceu e repete só a parte boa? É, assim; na lata mesmo. Eu não vejo motivos pra investir tempo remoendo lembranças falidas. Não sou dessas, sabe. E sinceramente eu acho que tu também não precisa ser.

Então assim: a gente esquece a letra e canta só o refrão. E canta junto, daí.


Tu ainda me deve uma.

 
You could, 'cause you can, so you do
We're feeling so good, just the way that we do 
When it's nine in the afternoon

quarta-feira, abril 4

Conjunto dos irracionais

São escolhas, e passos. E passados saudosos. Passados passados. Do reflexo do nosso espelho quebrado, das nossas promessas vazias. São escolhas, permeios. Pedidos perdidos numa linha falha de tempo corrido. Numa linha semi-reta de pontos imaginários. Sempre as escolhas e os passos perdidos no reflexo vazio das promessas, povoadas de retas semi-tortas que não pertencem ao conjunto dos reais.

São escolhas erradas. Um poço de bons enganos de um passado saudoso. Mal passado.


domingo, abril 1

Meio canto meio calo

São esses assim; meio distantes, meio sozinhos, meio metades. São esses os dias que me matam. Primeiro pouquinho, depois um quarto. E depois um pedacinho mais. E aí acaba o dia e eu renovo as partes; mas uma noite é pouco para tudo. E tudo tem sido meio muito.

Tem sido meio assim, meio assassino. Tem dias que machucam mais que essas metades vazias de dias estranhos. Tem sido meio distante demais. Um pouco sozinho, partido. Um pouco de cada um no seu canto e sem canto pra nós dois. São esses cantos que me matam, todo dia com uma canção diferente. Se me calo já me canso, mas se eu canto ficam calos. E tem ficado muito calo, mesmo.

São esses dias assim - calados - que me fazem ao meio. E meio de menos tem deixado cada vez um pedaço menor.


segunda-feira, março 26

Se a gente já não mais

Se a gente já não sabe mais andar pra frente
quem sabe a gente para um pouco e 
fica 
observando quem passa e quem deixa de ir. 
Se a gente já não pode mais sorrir a gente ri 
da gente, 
que tem gente que nem mais isso faz. 
E tem gente que faz demais, demais.

Se a gente já não pode mais seguir pra frente, 
a gente para, mas 
não volta. 
A gente fica observando todo mundo 
e escolhe a nossa hora. 

Não é meu dia que tá com pressa, 
não é meu sol que vai embora. 
Se minha lua não se mostra, 
eu recolho a minha estrela e deixo 
ela brilhar pra quem eu quero. 

Se a gente já não sabe mais brilhar pra quem se gosta -
daí a coisa é feia mesmo.

domingo, março 25

Nota IX - Sobre o que você deveria fazer para ser uma pessoa melhor

Eu acho tão engraçado como você sempre tem um conselho para me dar, que vai mudar a minha vida e resolver os meus problemas. Eu realmente acho fascinante isso, e ter essa habilidade parece ser coisa menos rara do que eu pensei, já que tem tanta gente cheia de sabedoria vomitando lições de vida. Eu penso que um dia talvez eu concorde com todas as coisas que você disse que seria melhor fazer, mas enquanto esse dia não chega eu pretendo continuar cometendo os meus erros e me jogando nos meus precipícios.

Mas assim, quando você tiver outro conselho maravilhoso como todos esses que você vive querendo me empurrar, não deixe de desistir de me dizer. Eu vou esperar ansiosamente pelo dia em que você não vai ter nada para me falar. Porque nesse dia, talvez, você me considere um caso perdido.


E aí eu pretendo continuar perdida mesmo.

sexta-feira, março 23

Agora são quatro

Já se foi mais um. E nenhum de nós dois percebeu. Acho que a gente meio que prefere fingir que nem faz tantos anos assim, por que nem todos os nossos lados ficaram mais bonitos com o tempo. E vê só, se foi mais um, mesmo; olha aqueles tantos ali que vão chegar. Chega a ser estranho, não acha? Se eu voltar e olhar as coisas que ficaram, me lembro do contexto de tudo, tudo. Pior quando ainda encontro perdida uma linha meio viva, meio moribunda - meio falta de sorte. Antiga, bem velhinha, mas gravada bem forte Acho que a gente, na época, preferiu tirá-la de dentro e seguir com a história, ainda que trôpegos. E vê; se passaram quatro anos.

Quatro anos. Tantas vidas que nunca foram nossas, e outras tantas das quais abdicamos.

________________._______________

Hoje este blog comemora 4 anos de vida. Quatro anos de tantas coisas, de tantos contos e uns quantos tombos. Quatro anos falando mais do que eu mesma digo.
E abrindo os meus livros nas páginas mais amarelas.

Parabéns pela resistência, Inacreditável Mundo.


quarta-feira, março 21

Caso você leia

Eu queria mesmo que você soubesse que seria bom se você falasse comigo. Sabe, sem galho. Eu sei bem o que aconteceu e não me preocupo com os porquês; eu só queria saber se está tudo bem ainda. Claro que não foi como eu queria, e claro que isso me chateia. Mas eu sei que a culpa foi minha também, e que em certas situações a gente simplesmente não pensa direito quando faz as coisas.

A verdade é que eu fiz uma aposta e perdi. E por ironia eras tu quem reclamava por ter recebido a resposta que não queria. Acho que não foi uma noite boa para respostas.

A verdade é que ambos saímos perdendo.

 

domingo, março 18

Sobre gavetas

Esvaziou prateleiras, arrastou móveis pelo quarto, rearrumou gavetas e esperou pelo melhor. Não que tivesse motivos para isso, mas achou que esperar por coisas boas fosse o mais esperto a se fazer. Achou que pensar em encher-se de tralhas de novo não traduzia o que queria para si dali em diante. E ela queria mais é ter espaço para os próprios pensamentos, em algum lugar do mundo. Que fosse nas gavetas, se preciso.

Encontrou tanta coisa empoeirada que preferiu nem pensar duas vezes. Tudo pro lixo. Pra fora do quarto. Pra fora da vida inteira. Queria todo o espaço para os devaneios, para os planos infalíveis. Queria que as coisas velhas abandonassem de vez as gavetas, que tudo que não tivesse mais utilidade se fosse. Encontrou CDs velhos, bonequinhas de pano, anotações irrelevantes e muita tralha que nem sabia para o que servia. Entre tanta coisa inútil, encontrou  alguns pedaços de coração; foi quando percebeu que eram os que estavam lhe faltando. Essa foi a única coisa em velha e empoeirada da qual não se desfez. Achou melhor deixá-los guardados, até que chegasse a hora de usar um coração inteiro de novo, para alguém que merecesse tanto.

E sabe, ela tinha um bom coração. Eu não vejo a hora de vê-la usando-o inteiro mais uma vez. Quem sabe ele nem precise ser quebrado de novo.



Mas, por enquanto, uma parte ainda vai ficar na gaveta.

sábado, março 17

Da porção, da pilha e do mundo bom

Eu tinha uma porção de coisas para dizer. Coisas que a gente começa a falar e não para mais até sentir todo o peso das palavras fora da gente. Eu tinha uma porção de pequenas coisas, pequenos incômodos, pequenos detalhes, há muito tempo sendo ignorados e empilhados num canto aqui de dentro. Só que aconteceu que a pilha caiu e tá se espalhando por todos os lados; aconteceu que ficou tudo meio bagunçado, sabe? Tudo meio fora do lugar, mas não fora de mim.

Eu tinha um mundo cor de rosa na mão e, sem perceber, deixei que ele me escapasse por entre os dedos. Eu deixei meu mundo bom se perder e fiquei com a pilha desfeita da minha porção de coisinhas. Uma porção meio sombria. Meio como aquelas coisas que nunca dão certo.


Eu não me importaria se a vida resolvesse jogar no meu time, para variar.


sexta-feira, março 9

Sleeping awake

Foi tão natural quanto querer ficar na cama depois que o despertador toca. Mas era melhor, sabe? Era meio que fazer uma coisa que você não fazia, mas sabia que deveria estar fazendo há algum tempo. E confesso que foi surpresa te ver na minha cabeça, porque eu juro que não pensava em porque tu não fazia parte dos meus planos. De repente vê-lo na história toda, num dos papéis principais da peça, foi um tanto curioso. E na hora pareceu tão natural que eu só percebi a estranheza depois que tudo tinha se dissolvido.

O engraçado é que eu nunca me lembro de sonho nenhum. 



Só que esse ficou pipocando nos meus olhos o dia inteiro.

quinta-feira, março 8

Doce rotina

Desconfortavelmente ele a observava andando de um lado para o outro da casa. Sempre levantava da cama cedo para acompanhá-la no café da manhã, e depois deitava-se no sofá do corredor; com o corpo mal acomodado, olhava os sapatos de salto fazendo toc-toc pelo assoalho. Ela não tinha tempo para lhe dar atenção aquela hora, mas esforçava-se para ao menos afagar-lhe os cabelos e sorrir, amável.

Não importava que o sofá era velho e tinha montes de molas soltas, ou que o estofado já estava meio puído e lhe dava alergias: aquele, de manhã, era o melhor lugar da casa. Era o lugar de onde ele via a mulher mais linda do mundo arrumar-se antes de sair, por onde ela passava primeiro com os cabelos desalinhados para passar de volta com um penteado elegante e o melhor perfume da vida. Ele pouco se importava se era cedo demais, desconfortável demais; era o melhor momento do dia.

A cada mês o sofá parecia menor. Ela, sempre mais linda. Toda vez um torcicolo, um espirro, mas também as melhores lembranças de um tempo bom. O menino acompanhava a mãe sem perder a hora nem mesmo um dia, pois sabia que cresceria e deixaria de dar bola para coisas como aquelas. Aquelas coisas maravilhosas, como o toc-toc do sapato misturado com o cheiro de morango e roupa limpa; a vista do sofá era mais linda que qualquer pôr-do-sol. Era sol nascente. Era a mãe dele.


Ele sempre soube que era um menino de sorte.

segunda-feira, março 5

Saída

Andou pela sala como se estivesse em casa. Como se pudesse olhar a todos com aquele ar de "eu sei que você sabe que eu possa fazer isso"; como se pudesse de fato fazer tudo aquilo. Ele observou um presente que já não era mais seu, esvaziou suas gavetas e pôs-se a andar novamente, desapegando-se de cada canto que habitara por tanto tempo.

Ele andou pela sala como quem conhece cada pedaço dela melhor do que os que ainda viriam a permanecer por lá.

sábado, março 3

Nota VIII - sobre acordar (2)

E ela abriu mesmo. Aquelas portas que disseram que a vida havia aberto quando decidiu refazer seu próprio desenho. E sabe, eu não esperava; de verdade. Mas dizem que é sempre esse o modo como acontece, né? Então ela abriu mesmo.

E eu resolvi que passar pelas portas abertas seria uma boa ideia.

quarta-feira, fevereiro 29

Sobre acordar

Segurou-se com tanta força no nada que chegou a acreditar que estava a salvo. Chegou a deixar que o coração batesse em sua velocidade normal, porque sentia-se protegida pelas paredes invisíveis da consciência adormecida. As mãos agarraram o nada com tanta vontade que nem mesmo perceberam que tudo que seguravam não passava de esperança. Esperança que foi se dissolvendo à medida que o corpo voltava a sentir os sinais da vida desandando. Esperança que perdeu o fôlego quando o corpo resolveu que a consciência deveria acordar. 

Soltou-se sem esperança, e sem esperança acordou a mente para o turbilhão que pedia passagem. Mas, por algum motivo, a vida refez seu plano; a vida redesenhou seu mapa.


E dizem ainda que ela abriu algumas outras portas.

segunda-feira, fevereiro 27

Dicionário pessoal: Definição I

É sobre respeito. Não é manifestação, é sentimento. Amar não é dar carinho, beijos e abraços - isso é apenas a superfície (ou o sentimento raso). Amor é sobre respeito, sobre cuidado, sobre compreensão. É sobre andar ao lado de uma pessoa e saber que você não precisa segurá-la pela mão, porque não importa o quão longe essa pessoa vá ela ainda vai continuar sendo quem é. Amar é conhecer o jeito como alguém reage, e respeitar esse jeito sabendo que talvez ele não seja da maneira como você desejava que fosse.

Amor é essencialmente sobre respeito.

Sobre não forçar a barra. Sobre não impor a forma como nós manifestamos nossos sentimentos pelos outros como condição para que alguém nos seja querido. Quando somos incapazes de compreender as ações das pessoas que amamos, é o respeito que mantém nossos laços. É o respeito que nos faz dar um passo para trás quando preciso, e conceder espaço sempre que necessário. Amar não é dar beijos e abraços, fazer declarações públicas e surpresas extravagantes. É oferecer um porto seguro, sem esperar que o navio atraque. É oferecer a alternativa, e deixar a decisão.


Amor, para mim, é sobre respeito.

sexta-feira, fevereiro 24

Nota VII

Me cansei.
Dessa inconstância,
incerteza, insolência. Das noites
incômodas, indecisas,
indecentes.
Me cansei dessa inconstância.
Das sentenças indiretas,
intermináveis
impensáveis. Do teu comportamento
e das insinuações
ou declarações inacabadas.

Me cansei dessa invenção.
Dessa vida aceita, inexplicável.
Anestesiada.
Me cansei dessa vida.


Indevida.


quarta-feira, fevereiro 15

Isso assim

Eu acho engraçado como isso funciona.

Assim;
primeiro tão forte, depois mais nada
nem palavra
nem bola.
Estranho. Sem graça.

E aí volta
primeiro meio nada e então intenso
e depois perdido
e depois sentido. E então de novo.

Com todas as palavras.
Com a graça de um desejo torto.
Forte. De tudo.
Daquela coisa toda que era como o que é agora.

Assim. primeiro queima e depois acalma.
Depois esquenta.
E depois sara.



Eu sempre achei engraçado como isso funciona.

segunda-feira, fevereiro 13

Das vidraças, dos castelos e de tudo mais

Quando as vidraças recuperaram o aspecto límpido que costumavam ter há alguns anos eu entendi que alguns pedaços da paisagem simplesmente fugiam de vista. Foi quando não havia impurezas que eu percebi que nem tudo podia ser observado e entendido do lugar onde eu estava; eu entendi que seria preciso abrir as portas do meu castelo e deixar os sonhos de princesa para trás, assim eu não corria perigo de ser enganada diante da realidade.

Eu entendi que não bastava limpar minhas janelas, nem apenas abrir mais os olhos.

Percepção é mais do que se enxerga; é meio que uma mistura de tudo que acompanhou você na sua vida inteira somada aos eventos que lhe trouxeram às margens das revelações e acontecimentos que julgamos entender com clareza. Mas eu entendo que a minha percepção é deturpada em mais aspectos do que eu posso imaginar, e que as minhas vidraças não podem ser confiáveis quando se fala dos refúgios mais sombrios.

Eu aprendi que é necessário esquecer das vidraças, dos castelos e das princesas.

Eu não apenas abri as portas do meu refúgio como também o estou deixando. Permito-me entender o mundo que escapa de mim vestindo-me com uma coragem que ainda não tenho, mas que finjo conhecer tão bem quanto as paredes da minha fortaleza conheciam meus medos.


Agora eu percebo que não se pode ser feliz trancado dentro de si.

Sistemática

É porque não é assim que as coisas funcionam. É porque não basta você ter o plano perfeito e calcular todos os movimentos necessários para chegar lá. Você não abre um sorriso e simplesmente vai confiante de que nada vai sair dos trilhos.

A vida não tem trilhos.
Não sei por que você insiste em esperar que as coisas andem sobre eles.

domingo, janeiro 29

É você, não eu.

Eu pensei que era assim que as coisas aconteciam para os outros também, e que essa mania de achar que eu sou a errada em qualquer situação era a culpada pela insegurança de todo dia. Eu cheguei a pensar nos meus atos e avaliar minhas decisões, porque em algum momento eu teria de conseguir enxergar claramente onde foi que eu tinha feito a merda. Mas acontece que eu procurei tanto, e não havia nada para ser encontrado. Não existia uma grande cagada, nem um escorregão maior; não tinha motivos para você fazer o que fez, cara.

Só que hoje eu cheguei a uma importante conclusão. E ela é a seguinte: você foi um bosta.

Então eu decidi que chega dessa história de eu ser a coisa danificada nos relacionamentos, porque isso não é verdade. Não existe um defeito de fábrica aqui, e na real, eu fui até melhor do que eu costumava ser. E pior que ser melhor por alguém, é ser melhor por um merda. Por isso eu estou acabando de pisar nos últimos pedaços de sentimento reprimido; e agora você pode me assistir passar sem nem notar a sua insignificante presença.

Eu descobri que você é que não sabia como as coias funcionam. Então foda-se sozinho.

quinta-feira, janeiro 26

Repinta, revive, renova

Vamos apenas imaginar que isso tudo foi diferente. Que você não desligou o telefone para me evitar, e que eu não saí de casa para não correr o risco de ter de abrir a porta para você (ou de ter que mandá-lo embora). Vamos apenas fingir que nada disso aconteceu, e que ambos estávamos ridiculamente errados - e que entendemos isso. Quem sabe nessa brincadeira a gente realmente entenda o quão ridículos temos sido.

Vamos reparar essa porcaria toda.

Amanhã você pode aparecer lá em casa com as tintas, o solvente, pincéis e o que mais você achar necessário trazer. Eu mando uma mensagem pro seu telefone com o horário mais apropriado, que você vai receber assim que ligar o aparelho de novo. Aí então, quando você chegar, vamos apenas nos abraçar e começar a trabalhar nessa coisa que nós temos - até ela perder a palidez e ganhar algum ar de vida.


Mas que fique claro que eu quero um ar de vida de verdade, e não um desses que a gente já tinha.

terça-feira, janeiro 24

Nós e laços - Postagem Temática

Tu estavas lá, como sempre, apoiada no bar, quando ele - de longe - te chamou para dançar, antes de nada acontecer. Nem disse o porquê, nem disse que não; você nem o notou, e o coitado ficou lá, ainda te olhando, como quem se convence de alguma mentira. Mas eu acho que a mentira devia ser realmente boa, porque ele não deixou de te olhar nem um minuto. E, sabe, tem daquelas vezes que você enxerga nos outros um futuro bom pra alguém, como eu enxerguei para ti. Só que tu não o viste, e nem viste o que eu vi.

Há quanto tempo eu te vejo nesse mesmo lugar? Nesse mesmo bar, nesse mesmo copo. Nesse mesmo corpo. Quantos nós te prendem a essa vida a qual tu te limitas? Quantos de nós ainda te querem por perto? É meio triste pensar que você estará sempre lá, com um sorriso nos lábios e uma história vazia, enchendo mais um copo, enchendo o saco, secando os olhos e contando falsos fatos. Você estará sempre lá, ignorando a música; amarrando pontas e pintando traços. Bebendo à frustração dos nós.
[dos cegos.]

Você nem sabe mais como foi que ficou assim, tão amarrada.



Triste é ver que você tem tantos nós, mas nada de laços. E esses nos teus cabelos não contam.


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Esse post é um oferecimento do Blogsintonizados, que teve como tema LAÇOS. Para a próxima rodada eu sugiro o tema CALOR - super, e infelizmente, "in" nessa época.

Queria registrar minha satisfação em ver esse projeto de volta, e de voltar a escrever para ele. Espero que mais blogueiros ainda se juntem ao Sintonizados e que o projeto não pare mais. Quem quiser participar, acessa o Blogsintonizados e se inscreva!

domingo, janeiro 22

[eu não tenho um título para isso]

Naquele dia eu acordei absurdamente feliz. Seria o dia em que uma história tensa e sofrida teria fim, e um novo tempo iria começar para todos nós. Seria o dia mais feliz da tua vida, também, e isso por si só já era suficiente para que eu ficasse totalmente radiante. Mas então aconteceu que naquele dia um tornado passou por todos nós. E levou tudo que deveria ter sido teu.

Aquele dia terminou absurdamente ruim e completamente diferente do que deveria ter sido. Aquele dia matou sonhos que nós tínhamos, matou o sorriso que eu veria nos teus lábios, e amassou uma esperança que eu insisto que tu recuperes. Eu torço para que tu a recuperes. Porque a culpa não foi tua, se um tornado resolveu chegar na pior hora.

A culpa não foi tua. E eu peço a todas as entidades que possam existir em todas as crenças para que tu consigas reviver os sonhos e a esperança de outro dia. E mais ainda, eu peço para que aquele sorriso perdido não seja esquecido, ou mantido longe de nós.


Eu acredito em ti.

quinta-feira, janeiro 19

Soma

Foi o frio na barriga que te fez fazer nada, congelar no espaço e permanecer sem se quer mover os olhos. Foi o mesmo frio na barriga que disse a ela que andasse, e que não retribuísse o olhar. Foram as toneladas de sonhos quebrados que construíram os muros de vidro, que a deixavam ver através das paredes mas insistiam em prendê-la entre cacos pontiagudos. E tu bem sabe que, na verdade, tiveste foi medo de pular as lâminas, juntar os numerosos motivos e descobrir o resultado da equação.


Mas eu não estou aqui para te julgar.
Foi a soma que te matou.

domingo, janeiro 15

Funeral

Tantas vezes lutei para proteger minhas vontades que já nem sei mais quantas delas valiam a pena. Você deve entender, já que me disse isso tantas vezes, mas só agora eu fui capaz de enxergar quantas vidas eu poupei em vão. Quantos sonhos mantive trancados em mim, por não ter coragem de assumir que ficaria de mãos vazias me desfazendo de todos... Eu já não sei mais quem eu queria ser, quem eu era, e pior: quem eu sou.

Tantas vezes deixei passar minha chance de permitir que algumas coisas morressem.

E você agora me olha com essa cara de quem já sabia que essa hora iria chegar, e nem mesmo parece comovido com o momento. O momento em que eu enterro partes de mim que sobreviviam com ajuda dos cantos saudáveis, e que sugavam do meu lado bom toda a vida que eu tinha.

O que me assusta é que não faço nem ideia do que vai sobrar de mim quando eu terminar de desligar as pontes entre as partes. Ainda não descobri em quais aspectos eu era morta, e em quais eu vou continuar sendo. Eu só espero chegar a conclusão de que deixei morrerem os cantos certos.



Hoje morreram muitas de mim.
Eu sinto muito se você gostava de alguma delas.