sábado, maio 30

- Ô pai...

- Fala, filho.
- Eu quero um carrinho de controle remoto de aniversário.
- Um carrinho de controle remoto? Não pode ser só um carrinho? É que os de controle remoto são mais caros, Dudu...
- Mas eu quero o de controle remoto... E eu também quero uma roupa de Homem-Aranha e outra de Duende Verde pra brincar com o Pedrinho.
- As três coisas eu não posso te dar. Escolhe uma e me diz.
- Mas eu quero as três...
- Então vai lá dentro e pede pra tua mãe também.
- Mas a mãe não vai me dar...
- ...
- Ô pai, aquela sua amiga do carro vermelho vai vir na minha festinha?
- Eh, não, filho... Ela não vai não. Mas... Qual é a cor do carrinho que tu queres, Dudu? E tu ainda tá vestindo o mesmo tamanho, filhão?
- :)


.

terça-feira, maio 19

Conclusões

Parece que não há mais por que lutar. Todas as ilusões já se desfizeram, os sonhos se apagaram e agora eu estou aqui: com uma mala imaginária pronta e o desejo de sair correndo ao encontro de uma nova vida. Uma diferente e mais feliz.



Tudo bem, talvez nem todas as ilusões se foram.

sexta-feira, maio 15

Olhos cegos

Os olhos só viram uma garota dançando, rodeada por amigas e alguns caras que tentavam se dar bem, mexendo nos cabelos do jeito que ela fazia quando queria chamar a atenção dele. Parecia viva como nunca estivera, tão cheia de energia que certamente dançaria a noite toda e talvez nem voltaria pra casa. "O pior de tudo é que ela parece feliz.", pensou o cara que observava sua ex-namorada aproveitando a festa.

Os olhos só viram um cara a observando por um longo momento, sem ter coragem de falar ou até mesmo brigar com ela... como se preferisse guardar toda mágoa pra si, evitando transparecer a tristeza que tomava conta dele e sem conseguir ver o que ela tentava esconder. Ela deixou que os olhos o acompanhassem até a porta da danceteria, na esperança que ele lhe lançasse pelo menos um último olhar.

Os olhos dele não viram que ela não sorria enquanto dançava, não viram que ela afastava todos os caras que se aproximavam e também não viram que ela não estava se divertindo. Os olhos não viram que ela não vivia e por isso ele decidiu tirá-la dos seus pensamentos de uma vez por todas. Ele não viu o quanto ela sofria com tudo aquilo e não percebeu o quanto ela ainda o amava.

O que os olhos não vêem, o coração não sente.

sábado, maio 9

Eu te amo mas não quer dizer que eu amo mesmo, só que eu te amo... entendeu?

Incrível de acreditar onde as coisas foram parar. Eu sei que não é de hoje que acontece e que eu não sou a primeira pessoa (talvez a 3473983029º, sendo otimista) a falar disso, mas é realmente triste aceitar que hoje "eu te amo" não significa nada pra muita gente. Sabe aquela frase que te faria parar tudo por alguns momentos, respirar fundo e sorrir aquele sorriso bobo e sem jeito por não saber o que dizer porque nada poderia dizer o que tu sentias quando ouvia isso de alguém? Pois é.

A internet matou a sinceridade e a vergonha das pessoas. Para pra pensar aí e me diz: quantas vezes tu já não leste um recado de uma pessoa que mal fala contigo pessoalmente, ou nunca falou, e lá no final está ele, sorrindo pra você (ou rindo da tua cara mesmo), o "eu te amo" que significa tanta coisa quanto um "até logo" ou "bom fim de semana". Sem falar nas malditas correntes que circulam na rede desde que inventaram o e-mail e que nunca, nunquinha da silva, vão deixar de existir porque elas simplesmente se adaptam a qualquer novidade que aparece na net.

Hoje eu recebi uma que vou te contar... me caiu os butiás do bolso. Dizia mais ou menos que era o "dia internacional do 'eu te amo'" e que se eu tivesse recebido isso de alguém é porque esse alguém me amava e que se eu não mandasse para 20 pessoas eu seria "a pessoa mais odiada do mundo". Sim, isso realmente estava escrito... acredite ou não; sem falar que quem "me amava" era um cara que estudou comigo no 1º ano do ensino médio, que mal falava comigo e com o qual eu não mantenho contato nenhum (nem mesmo virtual). O que me leva a pensar: o que as pessoas têm na cabeça? Sim, porque o único motivo responsável pela corrente seguir adiante é que elas REALMENTE acreditam que serão odiadas se não repassarem. O que de forma alguma significa que ela te ame de fato (talvez nem goste de ti), mas sim que ela não quer correr o risco de deixar de ser amada por quem quer que seja.

Onde foi parar o bom senso? A sinceridade? O sentimento de verdade? Sumiu. Não deixou nem pista. Deve ter fugido na calada da noite, aí pegou um táxi e se mandou. "Eu te amo" tem valor quando é dito pessoalmente, na cara e na lata. "Eu te amo" escrito também vale, mas só aqueles que vêm de fonte segura e que já foram ouvidos e não somente escritos. Eu ainda acredito na essência do "eu te amo"; embora ela já esteja quase perdida.



PS¹: Repassa essa mensagem para 28743907548934721 pessoas em 30 segundos ou além de ser a pessoa mais odiada do mundo tu ainda vai ter 50 anos de má sorte.

PS²: É brincadeira, né. Vê se não vai encher a caixa de e-mail das pessoas com isso.
xD

quinta-feira, maio 7

Por causa da chuva

Era uma manhã chuvosa. Levantou-se da cama e calçou seus chinelos verdes. Como sempre, foi ao banheiro, lavou o rosto, fez a barba e observou a mesma cara que observava há vários anos. Cada dia parecia acrescentar uma ou outra ruga na face daquele homem. Perto de completar seus 55 anos ele se sentia cansado; cansado demais para os seus 54 anos e 11 meses.

Como de costume, saiu do banheiro e vestiu-se na quarto. A mesma camisa que usara na semana passada, a mesma calça que usara semana passada. Olhou-se no espelho, dessa vez de corpo inteiro, e constatou que havia umas dobrinhas a mais por baixo da camisa. Sentiu-se velho e gordo.

Saiu do quarto no mesmo horário de sempre. Pegou sua pasta de cima da mesa e abriu a porta. Era uma manhã chuvosa e ele esquecera completamente disso. Fechou a porta, largou a pasta e foi procurar seu guarda-chuva. "Puta merda, vou me atrasar... vou me atrasar...". Em dias de chuva ele ficava menos tempo contemplando suas rugas e suas dobrinhas para ter tempo de secar-se antes de começar a trabalhar. Esquecera completamente da chuva e agora não achava seu guarda-chuva. "Puta merda...".

Ele já podia ver o chefe andando na direção dele, como aquele charuto fedorento na boca, sacudindo o punho fechado para ele e o xingando de todos os nomes que no final sempre significavam a mesma coisa e queriam dizer que ele seria demitido. Mas ele sabia que não seria. Ele era o único ser que topava trabalhar nas condições que ele trabalhava: sem carteira assinada, recebendo um salário de fome e ainda permanecer naquele ambiente fedorento e sufocante, sem falar que o salário sempre recebia descontos pelos seus raros atrasos, até mesmo quando não se atrasava. Morava sozinho e não precisava de muito dinheiro para manter seu padrão de vida extremamente simples. Conformava-se com sua sorte.

Lembrou-se da chuva e da hora. Pegou sua pasta e saiu na chuva mesmo. Correu até o ponto de ônibus e percebeu que perdera o que pegava todos os dias. O próximo passaria dali a meia hora. "Aahh... Puta merda, puta merda, puta merda...". Sentou num banco e procurou o que fazer até enxergar o seu reflexo numa poça d'água e então permaneceu ali, admirando a carne enrugada de um rosto que não parecia o dele por ser mais judiado que os seus quase 55 anos permitiam.

- Levanta os braço e não te mexe, coroa.
"Puta merda", pensou ele, de braços erguidos.
- Passa a pasta e a carteira, se fizer qualquer gracinha e te furo com o canivete!"
"Puta merda... oh, droga...". O guri levou a pasta, a carteira e um relógio que, apesar de velho, ainda funcionava bem. Tinha sido um presente de seu pai, quando terminara o ensino médio. "Dos males, o menor. Ainda estou vivo."

O ônibus estava chegando no ponto. Ele levantou-se, resolvido a voltar pra casa. Não podia pegar o ônibus sem dinheiro. Virou as costas e começou a caminhar na chuva, que agora tinha ganhado força e vinha acompanhada de alguns trovões. Não dava pra escutar nada que estivesse um pouco longe, a buzina do ônibus que vinha desgovernado, subindo na calçada e passando por cima de tudo que estava pela frente só foi ouvida quando estava a meio metro dele. "Puta merda".

terça-feira, maio 5

Dois dele

Ele era incomum. Não havia outra palavra que o pudesse descrever tão fielmente. Não diferente, nem estranho. Incomum. Às vezes isso assustava as pessoas e acabava fazendo com que ele desfrutasse da companhia de um grupo pequeno e seleto, um grupo de pessoas não necessariamente incomuns como ele, mas tolerantes.

Sabia que não era fácil de lidar com ele. Suas convicções, nem sempre adquiridas depois de ouvir os dois lados, eram praticamente inabaláveis; visto que ele nunca deixava alguém falar tempo suficiente que pudesse chegar perto de convencê-lo. Tinha o seu próprio jeito de ver as coisas e as via de um modo mais dramático que os outros. Nunca era pro seu bem e ninguém nunca tinha problemas como os dele.

Ser incomum não fazia dele uma pessoa com quem não se pudesse conviver, apesar de saber que não era tão simples. Afinal, todos somos diferentes e nossas diferenças sempre vão se estranhar em algum momento, mas ele não conseguia aceitar essas diferenças facilmente. Tudo era uma luta pesada, onde as armas se resumem a argumentos, gritos e ofensas... algo do tipo "o meu é maior que o seu", ou qualquer outra besteira que se enquadre, até que se vencesse pelo cansaço.

Certo dia, durante um período conturbado e repleto de incertezas, ele resolveu que o melhor era jogar tudo pro alto. Começar de novo, talvez... sem saber direito o que. Desistir do que estava quase concluído, desistir de coisas semeadas durante anos porque não se julgava bom naquilo. Ele balançava entre o desânimo, a vontade de mudar tudo e a responsabilidade de assumir uma vida adulta. Há tempos oscilando entre crescer e desistir.