quinta-feira, agosto 20

Cinza chumbo


Alguma coisa que nunca muda, não importa o que passe. Sempre assim, sempre igual. E não importa a quantidade de experiências, de acontecimentos, de sonhos (realizados ou não), de vontades (racionais ou não)... é assim, e pronto. É mais forte, e persistente. Cega, machuca, prende. Sempre assim.

Nunca some por completo. Às vezes se esconde; mas volta. Igual. Mistura o branco com o preto; mais preto, e fica. Por quanto tempo?

domingo, agosto 16

E nós - Postagem Temática

E tu, ainda nesse bar a essas horas, afoga tuas mágoas num copo de cachaça barata. Afoga tuas incertezas, teus medos e tuas inverdades; tu foges, como uma criança que ainda não aprendeu a encarar o escuro.
E agora, fazes da madrugada tua companhia para a bebedeira porque sabes que ela só vai embora quando o sol nascer e sabes também que ela não vai te calar, te acusar; mas a tua consciência já basta, não é? A culpa grita nos teus ouvidos e é por isso que tu ainda estás te entupindo dessa merda.
Só que a madrugada não está nem aí para os teus problemas e no fim ela só vai te entregar pro começo de um novo dia, sem se preocupar se tu vais chegar em casa ou não. E ela não vai deitar do teu lado e esperar que tu caias no sono, nem vai preparar um café forte pra tu te sentires melhor. E quando as saudades das nossas noites que viravam dia baterem na tua porta, tua vais estar sozinho; a madrugada não é nada além de um esconderijo, do breu que te acolhe, que te ampara.
E tu, ainda sentado à mesma mesa em que nós costumávamos afogar as nossas mágoas e resolver os nossos problemas, bebe cada gole dessa coisa amarga e fajuta procurando o mesmo gosto que ela tinha quando nós a bebíamos. Pedes para que as horas não passem para que ela não vá embora, também. Mas as horas passam, como sempre passaram, e no fim tu estás só novamente.

E eu, aqui, ainda te olhando, posso sentir o peso que a tua ausência descarrega sobre mim. Afogo-me nesse copo imundo, nesse corpo de ninguém. A madrugada chega e eu me acabo porque ela me diz que tu não estás aqui, e ela ri. Ri da minha cara, na minha frente; eu te fiz partir e te culpei pela minha instabilidade, por isso me desfaço na culpa que te assombra.
E agora eu me perco nesses braços que não são os teus, procurando o teu olhar nos olhos que não te pertencem. A madrugada chega e se vai, o sol nasce e se põe e ela chega de novo, para mim e para ti. A madrugada que te acompanha e que me tortura; que depois te abandona e me devora.



[sugestão de tema: sorriso]
http://blogsintonizados.blogspot.com/

domingo, agosto 2

Conforto

A árvores passavam pelo vidro do carro acima da velocidade permitida. Ele suava enquanto os olhos vagavam, perdendo o foco da estrada iluminada da cidade. Pareciam vazios, parecia escapar-lhe os sentidos.

Seus olhos foram cegados pela luz forte. Não era possível enxergar nada além do que se movia, vagarosamente, em sua direção; uma sombra distorcida. Uma sombra com braços e pernas, dedos que se flexionavam a intervalos regulares e frequentes, os cabelos longos e esvoaçantes. Uma sombra que poderia ser bonita, se não o assustasse tanto como fazia naquele momento.

"Não, não pode ser você... Não pode, não pode!". Os olhos ainda eram cegos, a sombra ainda vinha ao seu encontro. Não era uma sombra, era um corpo. E o corpo ainda vinha. "Não, não, não... o que está acontecendo?... Eu não posso estar vendo isso, eu não posso estar vendo você... Não você... Não você...". O corpo dele permanecia imóvel enquanto o dela chegava cada vez mais perto. Os olhos ainda cegos, o medo ainda vindo.

"O que você quer, o que pode querer... eu estou enlouquecendo...".
- Está com medo, querido?
"Ela está falando?! Não, não está... não pode estar. Ela não está aqui. Ela está morta, há três anos.
- Não precisa ter medo. Eu estou aqui com você. Nada mais pode te pegar. Eu já peguei.
- Você está morta. Eu sei que está. Eu vi. "Eu estou falando com ela, e ela está morta. Eu não estou falando com ela, eu não posso estar falando com ela..."
- Eu sei que você sabe. Eu sei que você viu. Mas agora, o que importa? Nós estamos juntos, de novo. Isso não é bom? Claro que é bom. Me dê a mão, vamos embora.
- Do que você está falando? Meu corpo não se move. Não consigo levantar. E eu não vou a lugar algum.
- Você sempre foi divertido. Senti sua falta, muito mesmo. Seu corpo não vai se mexer, está amarrado na maca... Mas nós vamos sair daqui. Não gosto desse ambiente. Me faz lembrar de quando... bem, quando eu fui embora.
- Maca?
- Da ambulância, querido.
- Ambulância? - "hum... do hospital psiquiátrico, talvez. Eu estou falando com ela, e não há como eu poder fazer isso" - Eu estou louco.
- Você está morto, amor. Agora pare com as piadas. Está na hora de ir.

O pegou pela mão e puxou, sem fazer muita força. Ele sentiu-se leve. O toque dela era suave e quente, como nunca pensou que seria. Talvez estivesse mesmo louco. Ainda estava cego, mas sabia que era ela e não temia. Andou para longe enquanto os paramédicos tentavam reanimar o corpo inerte que fora lançado para fora do carro. A luz já fugira dos olhos dele, mas ela iluminava tudo.
"Eu estou mesmo louco..."