segunda-feira, maio 31

Para o futuro

Sabe, hoje eu olhei pra ti e me lembrei de tudo que passou. Quanta coisa, ? O que me dói é lembrar que ficou pra trás um pedaço (que era tão grande) de mim e que, nem se eu quisesse, vai voltar a ser o que era. Mas eu estou aqui, não estou? Então significa que eu aprendi a ser eu de um jeito diferente.

Apesar de ser sem aquele pedaço. É como tirar a vesícula, ou um rim... a gente pode viver sem. Mas eu só queria mesmo ser do jeito de antes. Não igual, mas com aquela essência.

Procura-se doador de si.

sábado, maio 22

Valsa

E naquele momento, depois que todos havia comido e conversado, havia o silêncio dançando entre eles. Ele respirou fundo e corou antes mesmo de olhar pra ela, mas ela estava tão distraída que nem notou. Naquele momento, depois do suspiro e do rosto vermelho, quando o silêncio anunciou que era a hora certa, ele se levantou da cadeira e postou-se na frente dela. Novamente corado e agora quase sem respirar, tirou a caixinha do bolso do casaco e a abriu:

- A gente já tinha conversado e já estamos comprando a nossa casa, mas eu quero fazer tudo direito. - ajoelhou-se, então - Casa comigo?

Ela corou mais do que ele e perdeu o ar que puxara. O sorriso estragou a brincadeira que pensou em fazer e entregou sua resposta antes mesmo que pudesse pensar em responder. O anel servira perfeitamente. A vida que escolhera parecia servir perfeitamente. A alegria dançava no lugar do silêncio; seus olhos brilhavam e acompanhavam a melodia.

domingo, maio 16

Dreamcatcher

Sonhou com o pai e com a mãe. Estava sentado na poltrona que costumava ficar ao lado da janela, olhando seus pais conversarem na cozinha. Discretos, silenciosos; tristes. Ele levantou e foi para o quarto, enquanto ela enterrou o rosto nas mãos e engoliu o choro bravamente. O pai saiu do quarto com uma mala grande, quinze minutos depois que entrara; a mãe ainda estava imóvel, sentada na cadeira rosada que combinava com a mesa.O pai deu um beijo na testa do guri, com sete anos na época, largou um punhado de dinheiro na mão dele e disse que ele não ficaria nunca sozinho. Saiu sem olhar pro rosto escondido da mãe.

Ele então acordou, agora com 35 anos, deitado na cama do hotel que encontrara primeiro na estrada. Olhou pra fotografia dos filhos e da esposa que trouxera junto, antes de sair de casa com a sua mala. Olhou pra imagem do filho, com oito anos, e da filha, com 5, e desejou não ter ouvido a esposa dizendo que ele não era um bom pai. Enxergou seus pais tristes na cozinha e não quis que seus filhos lembrassem dele desse jeito.

Pegou a mala e saiu.
A caminho da cozinha, onde agora estaria com a esposa e esperava vê-la sorrir quando entrasse. Ele não os deixaria sozinhos.

domingo, maio 9

Sentidos - parte II - Postagem Temática

As mãos dela estavam geladas a ponto de arrepiar o corpo inteiro; a escaldante pele dele não era o suficiente para aquecê-la e fazê-la querer aquilo também. Ela não queria mesmo.

Tentou enganar o pobre coitado com as artimanhas de sempre: deixou que pegasse seus cabelos e tonteasse com seu perfume para então apertá-lo contra o peito só para sentir o coração dele disparando, enlouquecido, e depois olhá-lo firmemente nos olhos e, sem oferecer resistência, deixar que ele a pegasse no colo e a levasse dali. Mais uma vez, seria dele por uma noite inteira, na qual nem mesmo os cobertores poderiam aquecer o coração congelado que bombeava sangue frio por suas veias; coração este que nunca derretera por ele.

Há um ano desistira de forçar o processo de degelo; há dois contentava-se com o esforço dele em ser o que ela precisava. Naquele exato momento tornava-se sua futura esposa.
Desistira de encontrar sua praia ensolarada nos braços de algum qualquer. Viveria em constante inverno.

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Este post participa do projeto Postagem Temática. Para saber o que mais foi postado com o tema desta edição, FRIO, acessa o Blogsintonizados; lá tu também descobres o que é o projeto e como tu podes participar.
Minha sugestão de tema para a próxima edição é PRESENTE, sugestão esta que foi dada por mim na primeira edição do Postagem Temática, ao fim do post A minha máscara.

sexta-feira, maio 7

Sentidos

Ele não sabia direito o que fazer quando a tomou nos braços; sentia sua pele arder ao menor contato com a dela e já há muito tempo perdera a noção de certo e errado. Com os cabelos dourados espalhados nas suas mãos, o perfume dos fios dela impregnava seus pulmões: já não podia admitir a existência de qualquer outra coisa ou pessoa dentro daquela sala. Eram só os dois. Seriam somente seus sentidos inebriados satisfazendo-se dela.

E seria a noite inteira.

segunda-feira, maio 3

Da torre da rua 9

Sabe aquela torre da rua 9? Pois é, te lembra que, quando nós éramos crianças, costumávamos ficar olhando lá pra cima até ficar tontos e depois deitávamos no chão, ao pé da torre, imaginando como seria pular lá de cima? Eu lembrei disso hoje, quando estava passando de bicicleta ali pela frente... desde que eu me mudei nunca mais havia voltado aqui; faz tanto tempo.

Mas hoje eu a vi de longe e mudei minha rota só pra passar por ela. Afinal, não sei quando vou voltar a vê-la: já faz 15 anos desde a última visita, eu precisava estar aqui de novo. E cá estou; e confesso que queria que a minha ideia de voltar aqui tivesse sido transmitida pra ti, e a gente por acaso se encontrasse. Talvez tu até estejas aqui. Quinze anos mudam as pessoas.

Mas então, lembra da torre da rua 9? Pois deixa eu te confessar: hoje eu não só passei por ela, eu subi. Eram lances e mais lances de escada que nós subíamos aos pulos, correndo, mas agora já tem até elevador... Eu subi de elevador porque 15 anos são suficientes pra acabar com o vigor físico que se tem aos 12. Tudo bem que eu não sou nenhuma velha acabada aos 27 anos, mas andar de salto e ficar mais tempo sentada do que de pé levaram embora minha disposição pros lances e mais lances daquela escadaria.

Ok, que eu subi a torre não é nada que se tenha que confessar. O que eu confesso é que eu quis pular. Eu lembrei da gente lá embaixo imaginando como seria e quis finalmente descobrir... Eu fui até a beiradinha e senti o vento gelando meu rosto (que provavelmente já estava pálido); o coração disparou e as pernas começaram a amolecer... mas, como tu sempre disseste, eu sou covarde. Eu me mantive covarde.

É engraçado como 15 anos realmente mudam as pessoas, mas sempre tem aqueles pequenos detalhes que nunca vão estar diferentes: eu vou continuar levando a minha vida atrás da covardia que tu fazias questão de me jogar na cara, e tu vai ser sempre lembrado pela audácia e falta de juízo que sempre te acompanharam.

Eu não fiquei surpresa quando me ligaram naquela noite, há 15 anos atrás, dizendo que tu descobriras como era a sensação do vento na cara e do frio na barriga; no fundo, eu sabia que um dia tu descobririas. E eu aposto que fizeste por diversão. Vieram me perguntar se eu sabia se tu estavas em depressão ou alguma tristeza profunda, e eu ri deles. Eu te conhecia o suficiente para saber que tu fizeras aquilo pra dizer pra mim que tu não tinhas medo de nada: nem do pulo e nem do impacto...
Dizem que se morre do coração antes de chegar lá embaixo, então eu sei que tu morreste rindo da minha cara.