quinta-feira, fevereiro 28

Nota XVIII

Estava na garganta. Um nó tão grande, um emaranhado de medos, e desejos, e planos, e receios; e espaços. Estavam todos enrolados em um grande nó na garganta, que não deixava uma agonia descer, nem um sorriso subir. Os fatores confundiam-se uns com os outros e de planos se fizeram medos e de receios saíram desejos decididos urgentes. Cresciam, cada dia mais. Desentendiam-se no espaço que havia e pensavam que o melhor era ocupar o mesmo.

Estava na garganta, o nó, e crescia ordenadamente no mesmo lugar. Ate que sufocou, uma dia, e todos os planos e medos e desejos e receios desfizeram-se de uma vez.


Engasgara-se.



Covarde. Nunca teve peito para cuspir desaforos e ousadias.


segunda-feira, fevereiro 25

Alinha

Minha vida, nas minhas mãos, olhava pra mim e zombava do meu jeito descuidado de fingir que cuido de alguma coisa. De alguém. Das minhas mãos vinha o olhar que reprova, vinha o ar que dispensa. Minha vida, minha própria, me dispensava do cuidado de mim mesma, porque aparentemente eu era incapaz de realizar a tarefa.

Minha vida, nas minhas próprias mãos, e eu não tinha sequer uma palavra cheia de coragem para dizer a ela.

Eu a encarei, eu olhei nos olhos dela; eu fiz pose de campeã e fingi que aguentava o tranco. Mas eu fingi, eu fingi esse tempo todo. Eu fingi que era alguém melhor, porque eu disse que seria alguém melhor em uma das minhas lista de resoluções pra algum ano novo - o de 2009, eu acho. E eu passei todos esses anos com a minha vida nas minhas mãos, e desde então aparentemente eu tenho sido um fracasso ambulante. Uma causa perdida. Uma covarde. Alguem abandonado por si mesmo tantas vezes.

Com a vida nas mãos, com minhas escolhas indecisas na superfície da minha consciência. Eu olhei pra minha vida e não enxerguei que diabos eu andava fazendo, ou em que linha eu estava andando. E eu andava tão torta que nem percebi o momento em que a linha sumira de vez.


A linha da vida, de ambas mãos que seguram meu futuro, são fracas e errantes. E as vezes eu sinto que o pior é estar lúcida disso tudo, e não saber por onde começar o reparo. O que eu vejo é que tem coisas que simplesmente não tem conserto. E aparentemente eu não tenho experiência com reparos. 


Eu tenho com remendos. Com enxertos.


E o problema dos enxertos é que eles saem de outro pedaço de mim. E dai você entende que não há como o ato de abrir um buraco para tapar outro funcionar muito bem.

Mas você não sabe do que eu estou falando.


sábado, fevereiro 23

Trejeito

Tem um jeito meio errado de sentir as coisas; um jeito certo de estar de fora. Desajeita os suspiros no peito e respira sem força, respira sem soco no estomago. Respira. Tem jeito meio errado de estar na vida dos outros e meio fora da própria. Problema dele, eu digo. Ele que tem esse desajeito todo. Desalinha sol e sombra, desafia as leis que ninguém fez. Respira meio sem rumo, e se sente errado por seguir andando.

Veja bem... ele não sabe o próprio nome.



E ele não lembra do meu.




terça-feira, fevereiro 19

Se apenas

Se eu tivesse as palavras certas... se eu as tivesse, apenas, e soubesse a ordem exata em que colocá-las pra que juntas elas tivessem o único sentido que eu as daria; se isso, só, me fosse concedido, eu quem sabe poderia dizer exatamente o que passa - e o que não. Sem fazer doer, sem ninguém se machucar. Se eu as tivesse, quem sabe quanto menos de mim seria subtraído, subitamente.


Eu teria menos dores. E também menos alguns nós na garganta.


Quem sabe, menos de nós da lembrança.



domingo, fevereiro 17

Corte

Tu tinhas uma maneira de ver as coisas, de julgá-las. Tu tinhas conceitos e respostas prontas pras perguntas que nunca mudavam, mas veio um dia qualquer e tu resolveste agir de outra forma; tu resolveste agir da forma oposta ao jeito pelo qual viveste a vida toda. Esse dia veio e tu fizeste o que querias, e agora não consegue ignorar o fato de que esse acontecimento, esse passo na pro lado contrario, te fez perder as ideias tao certas sobre tantas coisas. Tu, que antes me apontara o dedo.

Tu sempre foste tão bom em julgamentos. Não?

Tu fizeste. Tu fechaste os olhos e fizeste porque queria saber como era o outro lado. Tu que tinhas conceitos e respostas prontas, agora ficas lembrando da historia e se perde no caminho tentando entender por que as coisas se complicam. Por que a culpa.... Por que a culpa de não se achar errado? Agora que viste como funciona do outro lado da cortina, vai dizer que ainda sabes apontar defeitos de caráter? Defeitos no meu caráter?


Tu, sempre tão bom com os malditos julgamentos. Foi bem feito.


segunda-feira, fevereiro 11

De tempos ausentes

Aquele momento em que pés e mãos já não sabem mais quem anda e quem abraça. Como se cada parte do corpo esquecesse seu propósito, seu trabalho; aquele momento em que nada é nada mesmo e não há problema nenhum nisso. Quando um machucado dolorido é encontrado curado, sem que o processo tenha se quer sido notado.

Aquele momento que as coisas acham o seu lugar, finalmente.

Quando nenhum dos órgãos mais importantes parecem ter dúvida sobre dar espaço para o coração bater. Quando o corpo inteiro entende que já é hora dos músculos relaxarem, que já é hora dos olhos enxergarem de novo. Aquele momento em que o próprio coração perde o medo e resolve que quer voltar de verdade.

Aquele momento em que as coisas parecem achar o seu lugar. Finalmente.



Aquele é o momento.
E esse momento há tempos não vive na vida dele.


O que é meio triste, se você parar para pensar.