domingo, outubro 27

Até um desses amanhãs, Inacreditável Mundo


Eu vou deixar o abajur aceso, para que você não pense que está sozinho. Não ria da minha cara, eu sei que você não tem medo do escuro. Como poderia, se sempre fez questão de manter as cortinas fechadas e todas as luzes tão fracas quanto possível. Eu sei que você lida muito bem com a escuridão, mas agora as coisas serão diferentes. 

Eu não vou estar aqui, dentro do quarto, te fazendo companhia.

Eu acho, inclusive, que quando for dia você devesse deixar um pouco de luz entrar. Sabe, eu gosto de visitar, mas esse cheiro de vida velha que tem aqui... é meio difícil de suportar. Não se ofenda; ok, escolhi as palavras erradas - mas você tem tantas palavras que, ainda que eu usasse uma mais suave, você me pegaria nas entrelinhas. Então é isso mesmo: deixa a luz entrar de vez em quando, e o sol vai te deixar como novo dentro de algum tempo. Eu vou dar uma passada, ver como estão as coisas, mas eu não vou mais entrar aqui todos os dias, como antes eu fazia.
 
Acho que você cresceu o suficiente, mas ficou mais escuro do que eu gostaria. 

Não seja bobo, não estou falando de cores. Estou falando do tom das tuas sombras; do gosto dos seus sentimentos. Você ficou mais escuro do que eu enxergava em mim, ainda que tenha andado comigo no meu "bright side". Eu acho que você precisa de um pouco mais de luz e ar fresco. Você precisa de um pouco mais de primaveras. Então eu vou deixar o abajur aceso, que é para ver se você se acostuma com a claridade. Ainda que de leve, sabe? 

Eu sinto sua falta, mas tem sido difícil aguentar seu gênio. Por isso fiquei sem visitar. Mas agora acho que as coisas vão se ajeitar, tão logo você deixe essa birra pra lá. E eu não te troquei, não. Eu só estou dando um tempo para nós. Vê se dorme um pouquinho, e descansa. Quando você acordar, o mundo vai estar bem diferente, e talvez ainda mais inacreditável, e daí a gente vai voltar a pensar juntos em tantas outras coisas.

Eu espero que o sono seja tranquilo.
E que em um desses amanhãs a gente encontre uma trégua, e encontre um ao outro de novo. 

[A gente sempre se equilibrou muito bem.]

sábado, agosto 17

Sobre faces

É feio? Sentir isso desse jeito não é bonito... eu sei. Mas vamos falar francamente aqui, porque ninguém é idiota:

quem é você para falar alguma coisa? 



Quem era você quando se apresentou para mim,
e quem é você agora?



segunda-feira, agosto 12

Nota XXII

Então eu peguei as palavras e delas me fiz liberta. Eu costurei um vestido novo com os pontos que eu tirei de mim; eu com as bandagens fiz laços, daqueles que amarram os cabelos - não daqueles que impedem os pedaços do nosso corpo de se descolarem um do outro.

Eu peguei as palavras e delas fiz poemas, porque poemas não precisam se explicar. Eu tirei os curativos, eu refiz os remendos de tal maneira que agora me pareço mais comigo mesma. Eu peguei meu projeto original e me refiz inteira.


Tu dirás que nem me reconhece.
E eu direi que isso é bom.



quarta-feira, agosto 7

Mas é hoje

Eu tenho um tanto.

Um manto,
um choro manso
um canto escuro
e outro claro.

Eu tenho um tudo

tão cheio,
tão meio.
receio
uma vida que veio.

Eu tenho um tanto de tudo,
hoje mais do que ontem e
eu tenho um tudo cheio de
tanto hoje, mais do que de ontem.

Um choro claro,
uma cantoria mansa.


Eu tenho um amor que não me cabia ontem.

Mas hoje é hoje.

segunda-feira, agosto 5

Do verbo "não"

Não, eu não vou repetir o teu nome; eu sei ele suficientemente bem. E sinceramente eu não gosto de dizê-lo. Me dá uma coisa ruim ainda... aquela coisa que eu não sei dizer se é indiferença ou só a falta de sentimentos bons. E, entenda, eu não gosto de sentir nada pelas pessoas.

Eu não sou dessas.

Então eu não vou dizer o teu nome, porque eu prefiro pensar que você não existiu na minha vida - é verdade. Eu prefiro acreditar que você foi produto de uma fantasia abobada e sem fundamento, uma coisa que não existiu de fato. Eu prefiro pensar que você é de mentira do que dizer o teu nome e perceber que o que vibra em mim é um vazio tão grande que já nem merece ser levado a sério.

Eu deixei de te levar a sério desde aquela primeira vez.

Então eu não vou repetir o teu nome. Eu não vou dizer um nada tão grande para que ele se ache  no direito de me preencher um dia. Eu não vou repetir um nome que não me diz nada de coisa nenhuma. Eu, sinceramente, nem sei quem é você.


Você nunca foi quem eu pensei que seria.
E eu não sou dessas que enche a própria vida de coisas vazias.

terça-feira, julho 23

Sobre ir e vir

Me disse que não voltasse, e eu sei que foi sincera. Me disse que via meu sorriso mais feliz, e que a minha imagem era outra. Senti que ela entendia que aqui eu era viva, eu era verdade. Por isso foi que disse que não voltasse.


A minha garganta engole o nó que sobe. E eu respiro o suspiro que me aparece. Ela me entende.



Mas eu volto sim.
Já aprendi que a vida é mais do que isso.
 [e que aquilo que eu tinha.

domingo, julho 21

Quanto tanto

Quanta coisa passou. Pelas minhas mãos, pelos meus olhos - pelo meu coração. Quanta coisa me fez assim, tão forte. De tudo que me deram, mais tudo que conquistei; quanta coisa, meu amigo, quanta coisa me passou. E agora esse suspiro me escapa também, me passa pelo peito e se vai embora como se tivesse direito de acabar com o meu pranto. Eu choro pelas coisas. Eu sou besta, vê se me entende.

Quanto tempo passado. E vivido. Tão pouco, na verdade. E quisera eu que um dia eu lembre disso tudo sem recordar essa sensação esquisita de agora. De que falta alguma coisa, pra completar o hall de todas as coisas que deviam passar. (Quanto tempo que já finjo que eu não preciso dela, que eu não preciso ser do jeito que gosto). Quanto tempo passado, entre esses copos esvaziados e esses berros que não me dizem nada.

Mas eu sou besta, vê se me entende. Tanta coisa em tão pouco tempo, e tanto tempo para tão pouca coisa. Eu já não sei quantas horas da minha vida isso vale a pena. E eu já não sei se pedir por socorro e resgate - como tanto fiz, durante tantas vezes e tanto tempo - faz minha voz ser ouvida; na verdade, eu acho que apenas a abafa.

Mas eu sou besta, e é só nisso que você acredita.


sexta-feira, julho 12

Nota XXI - da louCura

Eu sempre soube que alguma coisa estava errada com ela, mas relutei em acreditar que essa estupidez fosse assim... tão grande. Me dói ver que ela não parece se esforçar para sair do buraco onde se enfia, mas o que mais eu posso fazer, além de esperar que ela enxergue por si só uma alternativa - que a impeça de cair na mesma cilada toda vez.

Dizem que a definição de loucura é repetir os mesmos atos esperando um resultado diferente.



Eu sempre soube que alguma coisa estava errada. Mas veja bem; até agora não descobri o que.

quinta-feira, junho 20

Do que você gosta

Você sempre gostou da história. Imaginava novos capítulos e bolava outros finais; você inventava personagens, e se apegava a um outro como se ele fosse vivo. Você sempre gostou da história, dos enredos, das tramas que ficavam mais complicadas e intrigantes à medida em que o final se aproximava - e por isso você gostava mais das histórias em série. Você sempre gostou de adiar o final.

Você gosta é da história. E da continuação. Do conto, do jogo, da ficção. Daquela coisa toda que você sabe que não e real.



quarta-feira, junho 5

Retirado e posto

Ri do riso
desveste o vestido
discorda dos acordes
e desabotoa alguns bordões.

Sorri com outro sorriso e bota os lábios nos beijos,
dai recorta alguns cortes e cola
de volta
costura os arranhões.
Espalha na cama espaços vazios.


[e alguns pedaços de nós.


Respira o suspiro.
Respira fundo, com beirada do peito.



Me disseram que agora você divide o coração.
Mas eu duvido.

segunda-feira, maio 27

Nota XX - da sucessão

Talvez o que aconteceu foi uma sucessão de mal entendidos nunca esclarecidos. Uma sucessão de atitudes questionáveis que nunca se deram o trabalho de explicar-se para ninguém. Talvez o que aconteceu foi o resultado de uma única ação mal calculada, que sem querer gerou um mal estar desnecessário. Eu não parei para pensar numa possibilidade, porque tudo parecia fazer sentido dentro daquele circo sem propósito.


Mas talvez o que aconteceu foi só uma sucessão idiota de mal entendidos. E o tempo já passa e transforma as perguntas em dúvidas caladas.


Eu não tenho mais saco, mesmo.

sábado, maio 25

Amanhã o agorá sera difícil

Era difícil olhar pra dentro. Depois de todo aquele tempo, voltar a pensar na rotina que talvez o esperasse era demais. Voltar a pensar nos dias meio vividos, nas noites meio dormidas; voltar a pensar nos sonhos meio esquecidos era demais para ele. Era difícil olhar para dentro quando se sabia que o que estaria lá era exatamente tudo que não suportaria ter de volta nem metade do que tivera. 

Aquele coração não aguentaria meias migalhas de vida.

Era difícil olhar-se no espelho. Não era possível que depois de todo aquele tempo ele ainda se parecesse tanto consigo mesmo. Quem não o olhasse nos olhos não veria diferença, a menos que ele sorrisse. Quem não o olhasse nos olhos não enxergaria todas as coisas que agora ele via diferente; teriam de esperar pelo momento em que ele sorrisse para verem que a cor estava mudada. Era difícil olhar-se no espelho porque depois de tanto tempo ele esperava ter mais reflexos do que era na sua aparência externa. 

Agora ele tinha um coração que não aceitava meias migalhas. 

Seria difícil de encarar as pessoas e dizer que não poderia ficar. Ou fazer. Mas elas não sabem o quão impossível seria viver a vida de antes. Entre julgamentos e vitorias ele encontrou um caminho que lhe deu paz; a ideia de dar um passo para trás era mais do que ele poderia suportar. Sem meia felicidade, sem meia alegria - queria tudo como fosse, desde que viesse inteiro.


Depois de todo esse tempo vivendo consigo, seria impossível ignorar a si mesmo.


quinta-feira, maio 23

Tarda

Ela deitou os olhos nas fotos, retirou os suspiros do peito e expulsou alguns nós da garganta. Ela engoliu. Ela guardou as fotos naquela pasta dentro de outra pasta porque não queria tê-las ao alcance dos olhos - que já vinham cansados das coisas que, confessava, ela mesma procurava ver. Ela deitou os olhos nas fotos, e estas colaram memórias em sua mente; mentira dizer que havia ficado no passado.

Ela deitou o corpo na cama. Que agora recebia só o corpo dela. Ela deitou o corpo na cama, largou os braços ao lado do corpo e respirou um pedaço de lembrança. Assistiu àquela noite como uma cena de filme; assistiu ao mesmo ato de novo e de novo. Ela deitou o corpo na cama e largou os braços ao lado, porque agora havia espaço - e não havia outro corpo.


Ela nao devia ter dito que estava exausta. Agora tarda.

domingo, maio 19

A r[d]espeito

Foi a respeito de todas as outras tantas coisas que vem a tona quando alguem aperta o gatilho; quando alguém inicia a reação. É como uma onda; é como um feixe de luz. Você não pode parar até que a coisa atinja todos os limites que possam contê-la. Barreiras simples são vencidas, obstáculos são contornados; a onda segue até que o limite seja atingido, até que o espaço seja tomado. Aquilo foi sobre todas as outras coisas que vieram junto com a abertura de uma porta.

Todos aqueles dias foram a minha onda.

E aquela sombra e aquela falta de sorrisos foram a minha maneira de lidar com tudo que foi desencadeado. Foi a minha maneira de tentar conter a reação dentro de mim. Todos aqueles dias foram a respeito dos meus problemas de uma vida inteira somados as bobagens que você fez, misturando um estresse agendado com uma falta de clareza, com uma dúvida idiota. Tudo aquilo não foi sobre você, ou sobre o seu jeito ridículo de não lidar com as coisas. Todos aqueles dias e todas aquelas coisas foram a respeito do meu jeito burro de lidar com a minha vida.

Você já pode deixar de ser tão babaca e me olhar nos olhos de novo.

segunda-feira, maio 6

Volta e meia

Sorriu tímida e desnorteada, porque não esperava te encontrar ali. Ela olhou em volta procurando as palavras pra te dizer, mas o ar estava cheio de um nada meio grande - que ocupava tanto espaço quanto podia. Sorriu em resposta ao buraco que se abriu sob os pés dela quando te viu vindo; quando te viu seguindo pro lado de la.

Ela sorriu tímida, desnorteada depois de dançar a ciranda que você resolveu brincar.



Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar.
- se ao menos você desse a meia volta.

quarta-feira, maio 1

Poema sujo

Eu queria escrever um poema sujo; daqueles cheios das coisas que eu deveria ter dito quando você estava assim - tao perto. Eu queria escrever as frases que eu não te disse, versar os movimentos que nós não fizemos e desenhar no papel o percurso que as tuas mãos faziam em sincronia com o meu embalo.

Eu queria usar aquela história que você me contou um dia.

Mas eu acabei tendo que escrever um poema forte, feito de versos crus. Feito de linhas que discordam e se contradizem, onde felicidade não rima com sinceridade e nem com amizade. Eu queria escrever uns versos cheios da nossa liberdade, mas da tua atitude me veio choque. Te fez em vaidade.


Então agora eu vou escrever uns versos sobre a tua sujeira, sobre a tua maneira; e vou fazer poema do teu desamor.


sábado, abril 27

Conto de umas noites


Verdade que foi bom, mas ele não soube como agir quando a vida resolveu mudar de frente. Ele não sabia que ela não era daquele tipo - ela não estraga a vida dos outros por vingança ou diversão; ele não sabia que ela melhor que isso. Ele não sabia que ela não ia invocar o fim do mundo, e achou que sair à francesa era a melhor escolha. Ele não sabia.

[Mas eu acho que você se achou importante demais, cara.]

Verdade e que ele meteu os pés pelas mãos. Fechou a história com um fim aberto, com as reticências que nunca explicam nada. E ela, perdida, viu conceitos sendo desfeitos sem poder fazer as perguntas que insistiam em não sair da cabeça. Porque verdade que foi bom, e das coisas boas ela não se desfaz assim tão fácil.

[Eu acho que ela guarda muita coisa dentro de si]

Verdade que ainda falta um capítulo pra encerrar o causo. O capítulo onde ambas as vidas seguem as suas frentes e nenhuma ponta fica solta. Eles escreveram um conto, uma vez; mas eles nunca concordaram sobre o fim da história, de qualquer maneira.

Ele tentava adivinhar, enquanto ela insistia em recuar as linhas.

[Antes não tivesse]


 E eu sei que ela guardou a foto de ilustração.

quinta-feira, abril 25

O que importa

Eu era criança e te disse não. Era o gênio difícil que tu vieste a conhecer bem, desde lá. Tu só querias me ter por perto, mas eu agarrei minha liberdade desde cedo e dei a mão pra vida, pra que ela me levasse pro longe que fosse - pra vida de quem houvesse.

Eu não era metade de gente, eu não tinha experiências que me falassem melhor. Eu era criança e te disse não. E agora, crescida, continuo indo pro lado mais longe; mas porque a vida me leva. Mas vê, pai: entende. Essa vida ia me levar de ti cedo ou tarde.

Tu pediste pra eu te dar a minha mão, e eu neguei, confiante. Eu tinha só 4 anos; mas jovem eu já sabia que um dia eu teria que andar sozinha. Eu já queria escolher as minhas estradas, e nelas eu imaginava que não teria guia.


Mas eu não te dei a mão porque tu já tinha o meu coração nas tuas.
E sempre vai ser isso que vai importar.


segunda-feira, abril 22

Valsava

Dançava na valsa
o passo repetido
levada por outros
de sonhos despidos

De ventos soprados
e estranhos queridos
dançava a valsa
dos calos sentidos

No calor de uma hora
No desejo de um dia
O apuro do agora

Do tempo presente
e uma tristeza futura
sobrou uma valsa contente


Dançara com um coração sem mágoas.


uma valsa inventada
um sonho vivido
um estranho liberto
valsava a libido

quinta-feira, abril 18

Menina,

Te escrevo porque hoje é um daqueles dias cinzas que você tanto costumava gostar. Um daqueles dias que a maioria das pessoas odeia, porque as deprime. Mas você não era dessas. Você era do tipo que andava feliz no dia feio dos outros, e até dançava discretamente na parada do ônibus enquanto o mesmo não vinha. Você era nublada; hoje lembrei de você. Mas o que aconteceu com você, menina?

Eu lembro muito bem do seu sorriso amarelado, acompanhado dos óculos escuros, passeando pelas ruas de todos os dias como se elas fosse completamente outras sem o Sol e sem a chuva. Só de cinza. Era você que dava a nuvens o poder de te fazer feliz. Eu lembro muito bem. Mas agora você me olha com outros olhos e me recusa um sorriso sincero porque faltou amarelo, azul e verde limão em mais um dia. E vê, quando sorri, sorri branco.

O que aconteceu com você, menina?

Eu não sei mais quem você é. Eu não sei mais dos teus gostos e desprazeres. Me fizeste de boba esse tempo todo ou tu sempre gostaste do oposto do que dizia preferir? Alguma coisa mudou em você, menina, alguma coisa te fez do avesso. Você agora gosta do Sol? Você agora mudou o tom da sua vida? Você agora encontrou um caminho pra seguir, depois que tudo insistir em mudar de novo?


E ainda vai me dizer que se sente feliz? Que raios aconteceu com você, menina?!

sábado, abril 13

Marca-texto

Desfez o marco e amarrou o laço. Sentiu um não sei o que subindo da planta dos pés ate morrer na raiz do cabelo, logo que chegou na nuca. Desfez o impacto mas apertou o abraço; não queria passar com pressa. Não queria ficar para trás em outras vidas.

Não queria só um marco. Queria um nó, um link, uma história continuada.



Queria um tanto tão grande que um marco não servia de nada.

domingo, abril 7

Tem gente

Tem você, todo querido e me pintando mais linda do que eu mereço, com um jeito de fazer insinuações censuradas sem a trava que tranca tantas outras gentes. Tem você, que parece sincero, e às vezes insensato. Tem você.

Tem você também. Com poucas primaveras e menos ainda discernimento. Tem esse sem jeito de falar comigo, essa vontade de ser visto como o máximo. Você realmente tem poucas primaveras... O que te faz uma graça, mas no sentido meio cômico da palavra. Mas tem você.

E tem você, outro, que na verdade parece não ter nada a ver com isso. Mas tem você, sim, com todo o seu ar de "tudo isso" que na verdade não chega a tanto - mas está no caminho. Tem mais espelho que atitude, mas deixou boa impressão. Então, sim, tem você também.

E, não, eu não me esqueci de te incluir nessa. Você, que parecia determinado, me mostrou mais corre-corre do que pega-pega e ainda parece brincar de esconde-esconde. Você também não tem jeito; mas você pelo menos não finge que está bem com isso.


E dai tem eu.


às vezes eu acho que na verdade eu estou sobrando. Tem gente demais, mas tem caso de menos.


quarta-feira, abril 3

Nem cara, nem coro

Tem dias que eu escrevo, mas que melhor seria deixar guardado. Isso porque você tem essa mania de colocar sentidos nas minhas palavras, de dizer que eu disse aquilo tudo que você pensou. Eu não disse, não. Eu não digo as suas frases. Eu não mendigo a sua atenção.


Tem dias que eu escrevo, mas que melhor seria se nem tivesse. Porque vem você com essa mania idiota de me colocar em contradição. Eu digo que não falo, você fala que me disse, eu digo que não ouço e lhe nego afeição. Lhe nego porque quero. Nego opção.


Eu não meço minhas frases.



Nem suplico coração.


domingo, março 17

Argumentos

Minhas manias desbotadas já não pintam meus dias. Descolore as dores porque aqui nada fica. Nada mais para. Desfaz teus planos porque eu cheguei agora, e ainda vou tirar meus sapatos e por os pés pra cima. Te resolve e retira as ordens que tu pensaste em me dar... entende que quem sabe de mim sou eu. Pode ir indo embora, se quiseres, ou então fica - se preferes; mas não me vem com jeitos de ver a minha vida pelos olhos dos outros. Eu a enxergo pelos meus próprios, e eu não quero saber quantos setes eu pinto na opinião de quem não tem nada a ver com isso. 

Relaxa, que eu cheguei agora. Recém tirei os sapatos e agora quero tirar o resto da roupa.


Vem cá. 
Me ajuda com o zíper da saia.



sexta-feira, março 15

Notas XIX

Ela duvidou da coragem e disse que não, que jamais. Ela riu da própria covardia. Mas também riu do jeito idiota de querer usar o bom senso depois de usar algumas cervejas, e então deixou os passos serem dados pela vontade de se atrever; pelo desejo de ser do jeito que queria. Ela disse que não, mas andou na direção  oposta da opinião, e fez bem. Fez mesmo.


E foi bem feito. E divertido, sabe.

segunda-feira, março 11

Lápis-borracha

Eu não vou escrever isso aqui à caneta, não. Eu tenho medo de falar bobagem e não poder retirar o que eu disse; a caneta não me deixa fingir que eu não tenho culpa. A folha absorve a tinta; eu posso riscar por cima, mas a folha já absorveu a tinta -  é tarde demais.

Eu vou te escrever à lápis. Porque pra lápis há borracha. O lápis arranha a folha, mas é apagável; ele não me obriga a ser polida e certa. O lápis arranha a folha, mas arranhão cicatriza e sara. Lápis tem remédio.

Lápis é dizer sem querer - ainda que querendo muito. É dizer que ama e sorrir como quem está só brincando. Caneta é olhar nos olhos e dizer verdades. E quando a gente diz verdades, não tem remédio.


Lápis tem remédio.


sexta-feira, março 1

Refúgio

É estúpido. Não há muito o que se dizer sobre esse tipo de coisa, esse jeito de esperar pelos desejos acontecerem. É bobo, e meio idiota, mas me é inerente. Está em mim, nos meus dias e noites e universos paralelos - porque eu tenho vários. É estúpido, eu sei. Mas cá entre nós, me é necessário.

Eu preciso desejar coisas, e fazer apostas comigo mesma. Eu preciso olhar pra uma estrela no céu e acreditar que ela tem o poder de me dar o que eu peço. E eu preciso crer que existem maneiras de pedir essas coisas para ela, porque assim eu posso acreditar que quando eu peço e não ganho, significa que eu não queria de verdade - e a estrela sabia disso.

É estúpido. E infantil também. Mas essa estupidez toda está em mim, e por isso eu não me importo em ser tao criança nesse sentido.



Eu tenho uma estrela que realiza desejos, afinal de contas.


quinta-feira, fevereiro 28

Nota XVIII

Estava na garganta. Um nó tão grande, um emaranhado de medos, e desejos, e planos, e receios; e espaços. Estavam todos enrolados em um grande nó na garganta, que não deixava uma agonia descer, nem um sorriso subir. Os fatores confundiam-se uns com os outros e de planos se fizeram medos e de receios saíram desejos decididos urgentes. Cresciam, cada dia mais. Desentendiam-se no espaço que havia e pensavam que o melhor era ocupar o mesmo.

Estava na garganta, o nó, e crescia ordenadamente no mesmo lugar. Ate que sufocou, uma dia, e todos os planos e medos e desejos e receios desfizeram-se de uma vez.


Engasgara-se.



Covarde. Nunca teve peito para cuspir desaforos e ousadias.


segunda-feira, fevereiro 25

Alinha

Minha vida, nas minhas mãos, olhava pra mim e zombava do meu jeito descuidado de fingir que cuido de alguma coisa. De alguém. Das minhas mãos vinha o olhar que reprova, vinha o ar que dispensa. Minha vida, minha própria, me dispensava do cuidado de mim mesma, porque aparentemente eu era incapaz de realizar a tarefa.

Minha vida, nas minhas próprias mãos, e eu não tinha sequer uma palavra cheia de coragem para dizer a ela.

Eu a encarei, eu olhei nos olhos dela; eu fiz pose de campeã e fingi que aguentava o tranco. Mas eu fingi, eu fingi esse tempo todo. Eu fingi que era alguém melhor, porque eu disse que seria alguém melhor em uma das minhas lista de resoluções pra algum ano novo - o de 2009, eu acho. E eu passei todos esses anos com a minha vida nas minhas mãos, e desde então aparentemente eu tenho sido um fracasso ambulante. Uma causa perdida. Uma covarde. Alguem abandonado por si mesmo tantas vezes.

Com a vida nas mãos, com minhas escolhas indecisas na superfície da minha consciência. Eu olhei pra minha vida e não enxerguei que diabos eu andava fazendo, ou em que linha eu estava andando. E eu andava tão torta que nem percebi o momento em que a linha sumira de vez.


A linha da vida, de ambas mãos que seguram meu futuro, são fracas e errantes. E as vezes eu sinto que o pior é estar lúcida disso tudo, e não saber por onde começar o reparo. O que eu vejo é que tem coisas que simplesmente não tem conserto. E aparentemente eu não tenho experiência com reparos. 


Eu tenho com remendos. Com enxertos.


E o problema dos enxertos é que eles saem de outro pedaço de mim. E dai você entende que não há como o ato de abrir um buraco para tapar outro funcionar muito bem.

Mas você não sabe do que eu estou falando.


sábado, fevereiro 23

Trejeito

Tem um jeito meio errado de sentir as coisas; um jeito certo de estar de fora. Desajeita os suspiros no peito e respira sem força, respira sem soco no estomago. Respira. Tem jeito meio errado de estar na vida dos outros e meio fora da própria. Problema dele, eu digo. Ele que tem esse desajeito todo. Desalinha sol e sombra, desafia as leis que ninguém fez. Respira meio sem rumo, e se sente errado por seguir andando.

Veja bem... ele não sabe o próprio nome.



E ele não lembra do meu.




terça-feira, fevereiro 19

Se apenas

Se eu tivesse as palavras certas... se eu as tivesse, apenas, e soubesse a ordem exata em que colocá-las pra que juntas elas tivessem o único sentido que eu as daria; se isso, só, me fosse concedido, eu quem sabe poderia dizer exatamente o que passa - e o que não. Sem fazer doer, sem ninguém se machucar. Se eu as tivesse, quem sabe quanto menos de mim seria subtraído, subitamente.


Eu teria menos dores. E também menos alguns nós na garganta.


Quem sabe, menos de nós da lembrança.



domingo, fevereiro 17

Corte

Tu tinhas uma maneira de ver as coisas, de julgá-las. Tu tinhas conceitos e respostas prontas pras perguntas que nunca mudavam, mas veio um dia qualquer e tu resolveste agir de outra forma; tu resolveste agir da forma oposta ao jeito pelo qual viveste a vida toda. Esse dia veio e tu fizeste o que querias, e agora não consegue ignorar o fato de que esse acontecimento, esse passo na pro lado contrario, te fez perder as ideias tao certas sobre tantas coisas. Tu, que antes me apontara o dedo.

Tu sempre foste tão bom em julgamentos. Não?

Tu fizeste. Tu fechaste os olhos e fizeste porque queria saber como era o outro lado. Tu que tinhas conceitos e respostas prontas, agora ficas lembrando da historia e se perde no caminho tentando entender por que as coisas se complicam. Por que a culpa.... Por que a culpa de não se achar errado? Agora que viste como funciona do outro lado da cortina, vai dizer que ainda sabes apontar defeitos de caráter? Defeitos no meu caráter?


Tu, sempre tão bom com os malditos julgamentos. Foi bem feito.


segunda-feira, fevereiro 11

De tempos ausentes

Aquele momento em que pés e mãos já não sabem mais quem anda e quem abraça. Como se cada parte do corpo esquecesse seu propósito, seu trabalho; aquele momento em que nada é nada mesmo e não há problema nenhum nisso. Quando um machucado dolorido é encontrado curado, sem que o processo tenha se quer sido notado.

Aquele momento que as coisas acham o seu lugar, finalmente.

Quando nenhum dos órgãos mais importantes parecem ter dúvida sobre dar espaço para o coração bater. Quando o corpo inteiro entende que já é hora dos músculos relaxarem, que já é hora dos olhos enxergarem de novo. Aquele momento em que o próprio coração perde o medo e resolve que quer voltar de verdade.

Aquele momento em que as coisas parecem achar o seu lugar. Finalmente.



Aquele é o momento.
E esse momento há tempos não vive na vida dele.


O que é meio triste, se você parar para pensar.


quinta-feira, janeiro 31

Tudo bem.

De tudo que mudou, de tudo que ela não é mais e de tudo que se tornou, a única certeza que fica é que a que volta não é a mesma que se foi. Não, não é. E sabe, talvez as pessoas não saibam lidar com isso. Com ela, e esse jeito novo de ser mais livre. Mas tudo bem, porque ela entende que há quem apenas não entenda. Ela sabe que o mundo gira mais rápido longe de casa, e foi nesse ritmo que ela andou nos últimos dias. Mais rápido. Mas vai ficar tudo bem.

De tudo que mudou, ela inteira. Do tamanho dos passos, ao tamanho dos sonhos; e da paciência. Aquela outra não volta, e talvez você não consiga mais enxergar o que um dia ela fora naquele corpo dela. Mas tudo bem. Você talvez se assuste. Você talvez não goste. E talvez ela também não saiba como lidar consigo mesma. Mas tudo bem; vai ficar tudo bem.


Quem volta não é a mesma. Quem volta tem mais de qualquer coisa que não tinha antes.
E com isso - por incrível que pareça - tudo bem.




sábado, janeiro 19

Desculpa

Sabota. Olha as fotos, olha os olhos; fecha os próprios e sente a boca. Sente aquela que sincronizou contigo os movimentos todos. Sabota. Enxerga o rosto, sente o gosto; sorri com os risos de todas aquelas fotos. Ri do riso que não é teu e lembra de sentir o cheiro leve que ficou nas roupas que tu tiraste; e te arrepende de não as ter tirado antes. Sabota.

Olha as fotos, olha os olhos.
Sabota.


Sorri pelo desejo e lamenta uma noite interminada. Te enxerga finalmente do outro lado do jogo. Do lado sujo, do lado que é julgado culpado. Te enxerga do outro lado e confessa que não dá bola. Sabota.


Sente a boca, e sabota.
Pode até ser culpada, mas pelo menos não tem o ar blasé da outra.


quarta-feira, janeiro 16

Resistência

Me faz mais leve. Me faz mais que isso. Não pede pedaços; não me tira espaço, não me pede a mão. Não me pede a forca, não me faz paixão. Eu sei  pra onde vamos - e pra onde não.


Eu sei pra onde vamos. Então me faz mais leve, me faz dona da força, me faz coração.


domingo, janeiro 13

Desfeito

Tinha um peito tão cheio que até as tentativas de forçar o alívio resultavam frustradas. Tinha força de menos. Menos vontade de tê-la - menos vontade de tê-lo. Olhavam pra ela com aqueles outros olhos e não conseguiam dizer se enxergavam a faísca que costumava acendê-la com todas as ideias que saíam de alguma certa boca. Ela tinha uma boca tão cheia de desaforos, tão cheia de desamores; tinha uma boca enojada de escolhas aleatórias de outros enjoos.


Tinha nojo da outra face. E pouco saco para sorrisos mentidos.


segunda-feira, janeiro 7

De rua

De noite, de saia, sai fora de vista. Sai fora de quadro, fora do salto, fora da vida. Da tua. Vestida de noite, de batom nos lábios, de sorte nos passos, salta fora do carro e deixa de fora uns olhos atentos. E um par de coxas despidas. Um par de pernas sem meia-calça, com intenções meio incertas, de incertezas semi-nuas.

De noite. De costas. Sai fora de vista. Vestida com os olhos de uma noite despida.


Da tua.


sábado, janeiro 5

Maneiras

Tu não precisas segurar a minha mão. Não tens de me conduzir pela cintura até os teus amigos, e dizer quem eu sou e por que os teus olhos caem em mim de vez em tanto. Tu não precisas nem mesmo admitir que teus olhos me olham. Eu não te peço público, eu não te peço palco.

Eu te peço tato, e alguns outros sentidos.

Tu não precisas contar pra ninguém, também. Não tens de me mandar recados, basta me fazer teus pedidos. Eu ainda te digo que não conto pra ela, e te ajudo. Tu não precisas temer desejos; não precisas temer deslizes. Quantas vezes já escorregaste, afinal. Nós somos amigos. A gente se ajuda.


Eu preciso que tu sejas meu amigo hoje, e me ajude com algumas coisas.