sexta-feira, março 26

Emudeceu - Postagem Temática

Foi tudo que sobrou... Garrafas vazias, pontas de cigarro e essas lembranças que nunca se calam. O meu apartamento está cheio do silêncio que você deixou aqui; quisera eu que minha cabeça estivesse assim também.

As garrafas eu quebrei. Elas insistiam em refletir o seu rosto, e eu podia jurar que elas tinham engarrafado o seu perfume também. Não pude controlar; as fiz em pedaços. As pontas de cigarro eu fumei até o fim, até se desfazerem nos meus dedos e exalarem aquele cheiro que eu tanto odeio...

Fiquei com as cinzas. E o silêncio dos seus lábios mudos e dos seus olhos loucos, insanamente vidrados com a proposta que eu fizera; vidrados de medo, por repulsa, por não conseguir pensar tão rápido quanto o impulso de sair correndo. Não conseguiu pensar; nunca tive resposta. Saiu correndo e selou a porta atrás de si.

Eu fiquei com as cinzas. Com os pedaços. Com o as lembranças infelizes do dia em que te pedi em casamento. Com maldito silêncio enchendo os meus ouvidos. Você devolveu tudo que eu ofereci, sem dizer uma única palavra.

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Este conto faz parte do projeto Postagem Temática, proposto pela Rafa Glória. Para saber o que mais aconteceu nesta edição, acesse o Blogsintonizados.
O tema da vez foi SILÊNCIO.

sugestão: Palavras

terça-feira, março 23

Dois Anos

Hoje, dia 23 de Março de 2010, O Inacreditável Mundo completa 2 anos de vida. Foram dois anos de postagens variadas, desde aquelas que falavam de nada em especial, falavam dele e dela, só dela, só dele, de ninguém e de todo mundo ao mesmo tempo; dois anos vividos de uma forma diferente dos que eu vivera até então.

Parando para pensar nas variadas vezes em que pensei em excluir este blog, me dou conta do quanto eu teria sentido falta disso aqui... Manter um blog é uma experiência acima de tudo divertida e construtiva; aprendi a pensar de formas diferentes e como pessoas diferentes, aprendi a expressar as mesmas coisas de tantas maneiras!... e me diverti; e como.

Dois anos são mais muito mais do que eu pensei que este blog chegaria a ter. Gostaria de agradecer a todos que passam de vez em quando por aqui, que deixam comentários ou não; vocês não têm ideia do quanto eu me sinto bem sabendo que alguém gosta do que eu publico aqui.

O primeiro ano de vida do Inacreditável Mundo passou batido... mas eu sinceramente não tinha grandes coisas para comemorar. Foi no segundo ano de vida que este espaço ganhou leitores regulares e postagens regulares, afinal, no começo eu nem sabia direito o que fazer aqui. Mas agora que eu descobri, meus planos são seguir em frente e continuar descobrindo tudo que o blog pode me trazer de bom, de ruim, de lição; e eu vou aprender e evoluir, e postar aqui todas as ideias novas que chegarem na minha cabeça.

Quero agradecer também ao projeto Blogsintonizados idealizado pelo Rafael Glória, o Postagem Temática, que me acompanhou nesse último ano e que sem dúvida nenhuma contribuiu para o crescimento do Inacreditável Mundo.


Dois anos de surpresas e aprendizado se passaram. Que venham os próximos!
Obrigada a todos e até mais.

sexta-feira, março 19

Tempo de sempre

Fazia tanto tempo que as coisas eram daquele jeito que ele já nem se importava mais. Ela sempre saía às 7:30 de casa, colava um beijo na boca dele e virava as costas pro caos em que o apartamento ficava. Virava as costas, onde os cabelos lisos e volumosos repousavam impregnados com o perfume do travesseiro dele, e não voltava; até às 8 horas da noite.

Fazia tanto tempo que ela trabalhava o dia inteiro que ele já não se importava de ficar sem ela nesse período. Quer dizer, não que gostasse, já havia se conformado. Ela sempre voltava com um saco de papel pardo da padaria da esquina, trazendo pães e bolos, porque à noite achava melhor fazer um lanche (que era uma desculpa, porque não gostava de cozinhar). Ela, e as suas costas tapadas pelos cabelos tão sedosos que agora não cheiravam mais como o travesseiro dele, entrava pela porta com aquele sorriso tímido com covinhas de que ele tanto gostava. Ela entrava, todos os dias, às 8 horas da noite, e tornava o apartamento um lugar habitável de novo. Ele permanecia o dia congelado, só pra de noite ter todo seu calor disponível para aquecê-la. Ela era sua fonte de energia renovável e perfeitamente limpa.

Ele sentava no sofá e a observava largar o saco de pães na mesinha da entrada, tirar os sapatos de salto alto e desfilar pra lá e pra cá até que tivesse se livrado de tudo que carregara durante o dia. E então ele levantava, pegava o "jantar" e preparava todo o tipo de coisa que ela quisesse; desde que fosse sanduíche. Comiam juntos e conversavam, e dormiam juntos e se divertiam. E ele sabia que às 7:30 da manhã seguinte ele a perderia pro dia de novo, sabia que ela sairia com seus cabelos como companhia, eles cheirando a ele e voltaria com eles cheirando a ela; e sentia inveja deles.

Mas ele também sabia que às 8 horas da noite ela voltava. E então, seria ele e ela de novo. E tudo seria como era a tanto tempo, como sempre fora. Ele, ela, os cabelos e o apartamento; e as covinhas. Tudo como sempre seria. Até que às 7:30 da manhã chegasse novamente.

sexta-feira, março 12

Cristalizado

Ela jogou o coração de cristal pra cima e virou as costas; deu dois passo para frente e esperou. O barulho delicado causado pela quebra e o tilintar dos caquinhos indo em todas as direções era como um suave cochicho ao pé do ouvido: acabara.

O rosto dela refletido nos cacos maiores parecia competir por espaço por entre os cacos menores, que de tantos, eram como lágrimas caídas dos próprios olhos. Mas ela não chorava. Sorria um sorriso triste e aliviado; liberdade de corpo e alma era o que experimentava.

O coração, antes pedra e agora feito em pedaços, já não a prendia a nada. Alma leve, consciência limpa. Sairia em busca de sua felicidade.

sábado, março 6

Sem fadas, porque elas não existem.

O meu conto de fadas começa com eles sentados num balanço, daqueles das casas da árvore, com folhas enroladas pelas cordas como os cachos castanhos do cabelo dela enrolados pelos dedos dele. Num fim de tarde dourado, de um outono mais frio que o de costume. Era a última tarde deles.

O meu conto de fadas começa onde o deles termina; um sorriso torto, um choro contido, um abraço distante e um cumprimento amigável. Ela dizendo que não podia mais, ele aceitando com um suspiro arrastado... Uma última tarde de outono.

Naquele parque, onde o conto deles começara e agora chegava ao fim, o vento não soprava mais e já não tinha as flores da primavera. Não era o mesmo lugar, a não ser pelo endereço. Ela não usava, então, os vestidos alegres e ele não andava mais com a sua motocicleta. Eram dois.

O meu conto de fadas não sai da primeira cena. É a única que permanece depois de toda uma história; apenas a estranha sensação de que alguma coisa se perdeu, em algum lugar por entre as folhas enroladas na corda do balanço. O meu conto é sobre um mundo empoeirado de momentos congelados, exibidos na mesma prateleira dos assuntos pendentes e mal resolvidos. É sobre os passados bons tempos, nunca os presentes, e sobre os cachos castanhos nos dedos errados.

Ele acontece num reino não tão distante, que fica às margens de um lago profundo onde as dores e as frustrações são afogadas; mas não mortas. Um reino não tão distante, repleto de bons tempos passados, que alimenta seus moradores com as lembranças nostálgicas de um conto esquecido.


Era uma vez, nesse reino não tão distante, um punhado de cachos perdidos no vento.