quarta-feira, março 30

Morto-vivo-vivo

É quase como cair. Como sentir que aquele machucado nunca vai cicatrizar e ter plena certeza de que não há band-aid suficiente no mundo para tantos arranhões e feridas reabertas. É quase como cair todo santo dia; como receber uma bofetada de uma vida filha da puta.

Tantos hematomas me fizeram sensível. Mas sensível por dentro, sabe? Muito te enganas se pensas que eu me mostro abatida assim, pra qualquer um. Precisa ter visto o meu tombo, me emprestado um esparadrapo ou até mesmo ter cuidado de mim; ter me ajudado a levantar. Precisa conhecer esse meu coração tosco por dentro e saber que cair não me impede de seguir com o meu plano.

Eu caio e levanto porque tenho certeza de que vou cair de novo e também levantar de novo. Eu sei que as feridas vão abrir de tempos em tempos, porque não há pontos que segurem os rasgos que me fizeram. Assim, eu caio todo maldito dia e supero o medo porque sei que ele me ensinou a ser mulher - e das boas. Eu supero.

Eu supero e sigo com o meu plano.

terça-feira, março 29

I'll turn it off

É parte de mim, eu já não tenho o que fazer: não sai. Não sai, não descola, não apaga... E eu já cansei de puxar. Entrou. Grudou. É algo meu, da minha essência, da minha sina.

Do meu inferno pessoal.

Faz parte dos soluços, das vezes que eu me sinto desse jeito. Faz vontade de sumir no fundo do copo e nunca mais chegar perto de tudo isso. Me bateu. Me bagunçou. Não sei dizer o que isso trouxe de bom. Não trouxe o bom. Então não vai ficar em mim.

Não quero saber se não sai, se não desenrola, se não me larga: vou arrancar fora! Vou tirar, com pele, com tudo, com coração ou não. Estou forçando, e agora eu sei que posso ganhar. Alguma coisa está acontecendo; estou em processo. Numa luta livre.

Sob escombros, mas ativa. Sem mais soluços ou copos preenchidos com melancolias: sem mais essa essência vadia. Agora eu bati. Eu congelei. Essa parte de mim está sendo desligada; eu acelero o processo.

Eu vou encerrar o inferno.




Porque eu resolvi que te desligo de mim.

domingo, março 20

Condicional

Caso você não venha,
não me avise e
nem me conte. Não me diga.

Caso você desista,
não me obrigue. Não me briga.
Não me leve
ou me largue

Não me mate [aos poucos]

Caso você não venha,
não exista. Apenas
não exista.

terça-feira, março 15

Das perdas

A parte de mim que se foi não pensou duas vezes antes de me abandonar. Ela nem me deu tchau, nem ao menos olhou para trás antes da virar as costas e seguir até a parte de ti que se ia ao longe. Ela se foi, assim, sem cerimônias ou longas despedidas; apenas se desprendeu e sumiu.

Eu tive vontade de ir atrás dela, mas desisti. Não valia a pena. Se ela se foi junto com a parte que te deixou, era tempo perdido recuperar o tempo perdido das perdas e das partes. Principalmente das partes. Das tantas partes perdidas, feridas, tão orgulhosas, nenhuma delas voltou.

Por causa das minhas partes desprendidas, me sinto sumida... meio fugida de mim.

segunda-feira, março 7

Trincheira

Pusera uma pedra sobre as coisas. Pesada, esta empurrou para baixo todas as emoções que estavam na superfície e, não demorou nada, elas morreram enterradas sob um manto rígido e frio.

Frio. Muito frio.

Já não bastasse a nevasca de dentro, precisava ainda encarar a tempestade de fora. Munida de mais pedras e mais pesos ela abriu a porta de um corpo ferido. Entrou. O corpo não a repeliu, e até assustou-se com tamanha precaução.

- Eu não vou lhe fazer mal – disse o corpo à carregadora de pedras.

- E eu já ouvi isso antes – respondeu ela, abraçada às pedras que pesavam mais que seus braços.

Preocupou-se em forrar o coração do corpo com as pedras que trouxera, e largou os pesos na consciência do mesmo. Pusera a neve pra dentro, deixara a tempestade de fora. A frieza, contanto, não deixara sua casa. A nova casa era como a velha, porém, outra.

Tão fria quanto a velha, mas mais forte, preparada. Era bom ter se certificado de que tinha pedras suficientes para a temporada.

- eu vou lhe fazer mal – disse a invasora ao corpo – porque é por isso que precisei de uma nova casa. É assim que eu vivo, de casa em corpo, de corpo em casa. Eu não tenho escolha.

- nesse caso – respondeu o corpo, resignado – ao menos tire o peso da minha consciência, e deixe que eu viva quando você estiver cansada.


Eram pedras de sonhos e pesos de culpa. Quem ela deixara para trás?