domingo, julho 29

Dreno

Vazios em cada compartimento, em cada jeito de olhar para outros. Sem graça. Não eram os mesmos abraços ou beijos, nem arrepios prazerosos subindo pelas costas até parar na raiz dos cabelos. Não eram os mesmos; nem eles, nem eu. Eram normais.

Eu, vazia, enquanto eles tentavam causar alguma reação menos mecânica. Tudo muito planejado, no piloto automático. Vazios em cada tentativa de preencher minhas vontades, eu devolvia a resposta lógica para cada estímulo. Sem fazer questão nenhuma de parecer satisfeita.

Desde que você resolveu me tirar o roteiro e exigir uma performance impulsiva, improvisada, não fui mais a mesma. Contigo foi pulsante, e agora com os outros nunca é mais que sem graça. Você provocou uma resposta inédita em cada toque, em cada jeito de me olhar. E então partiu e levou consigo as sinapses, esvaziando meus sentidos em cada vontade se ser inteira.


Agora todos os outros são normais. Vazios e iguais. Você levou a graça.

quarta-feira, julho 25

Sobre isso e sobre mais

Eu não sabia mais o que era isso. Que doía de vez em quando, sempre sem deixar de fazer sorrir quando as lembranças pulavam na memória - como se quisessem assegurar o lugar que tinham conquistado. Eu não sabia mais o que era isso porque há muito tempo o coração permanecia fechado. E estava frio. Só que aconteceu que veio essa onda de acontecimentos e eu me recusei a reconhecer na primeira; eu resisti. E eu passaria por esse pedaço de vida, mais uma vez, sem permitir que as tais lembranças fossem felizes ou que provocassem qualquer coisa. Talvez eu escolhesse não viver os momentos, para não ter as memórias.

Mas eu não pude mais.

Então eu vivi os dias de sol de um mês inteiro. Eu que sempre preferi a instabilidade de um céu nublado... Aprendi a gostar de sol e recebi aquele sorriso dolorido nos meus lábios, como se fosse certo. E era certo. Era certo sentir tudo aquilo, que há tempos eu não sabia mais o que era. Eu não pude mais viver no inverno melancólico de sempre porque meu mundo foi virado em cada espaço habitável que ele tinha. 

Eu não pude mais.

Eu senti as dores de um final antecipado. Um final de alguma coisa que tu, talvez, nem tenhas tido consciência que aconteceu, e que eu já não sabia mais o que era. Eu sei que esse final só não chegou no fim, ainda, e que eu sigo me virando com as lembranças e com os sorrisos. 

Eu só não sei se eu posso mais.


domingo, julho 22

Dos planos

Eram as possibilidades que a assustavam. Eram as chances de uma vida nova, diferente e imprevisível que tornavam cada passo a ser dado uma decisão muito mais importante do que esperava. Era a vontade de se agarrar nas possibilidades e acreditar que elas realmente seriam mais que possibilidades; a vontade de acreditar que seriam fato, verdade.

Tinha a mania de elaborar planos de fundo para a vida do futuro; um desejo suicida, porque sabia que quando tudo desse errado, ela já teria expectativas demais.

quinta-feira, julho 19

Da sinceridade

Eu não queria sentir essa falta, essa distância. Eu não queria admitir que preciso do que preciso, que não sinto menos o que sinto. Podia, quem sabe, fingir que fechei as portas de novo... Fingir que não há mais nada aqui dentro: nem angústias, nem sorrisos; nem essa vontade inconsequente de acreditar que nós ainda teremos outros momentos.

Eu não queria sentir a tua falta.



Mas sou sincera demais comigo mesma; tão sincera que nem tenho a decência de mentir as mentiras inocentes e protetoras. Eu não queria admitir que sinto o que sinto, mas a verdade é que tu estavas mais em mim do que eu imaginava.

quarta-feira, julho 18

Confesso

Eu andei de volta. Eu remexi minhas memórias e achei lembranças recentes de um passado feliz. Eu andei de volta pro tempo em que eu pensava que haveria uma decisão muito importante a ser tomada, e razões muito fortes para escolher qualquer uma das alternativas. Eu andei de volta e percebi que um dos motivos mais fortes para eu preferir algo a outra coisa foi dissolvido no mar complexo de sentimentos afetados.

Eu ainda tenho uma decisão importante.
Mas me faltam boas razões para equilibrar as preferências.


Só que eu me conheço, e já resolvi ampliar a importância de detalhes para devolver o dilema.

domingo, julho 15

Batalha

Sentiu o misto de sentimentos entrando em guerra dentro de si. Sentiu que cada pedaço de coração que tinha estava sendo posto à prova, desafiado a continuar batendo. Sentiu que todos os exércitos haviam deixado de lado as estratégias e partiam para o confronto direto, com armas brancas e desprovidos de escudos.

Temia a hora de recolher o corpos do campo de batalha.


Temia ter de recolher a si própria.


Via

Havia de respirar fundo.

Encontrou seu reflexo o observando da vitrine de uma loja e sentiu-se invadido pela falta de discrição daqueles olhos. Os próprios. Os que não tinham se quer a decência de disfarçar o interesse, e fingir que nem estavam ali. Havia de ser firme com os olhos que o cuidavam tão de perto, pois eles indicavam que eram até mesmo capazes de enxergá-lo do avesso. Encontrara um reflexo tão fiel à sua imagem que por um minuto resolveu ponderar se sentia-se realmente tao forte quanto parecia.

Havia de ser forte. Ia encarar sua própria cara assim que entrasse em casa e desse com os olhos no espelho; precisava ter certeza de que sabia como se parecia. Haveria de respirar fundo.



segunda-feira, julho 9

Nota XIII

Eles serão felizes, de alguma maneira. Porque, de alguma maneira, eles seguem sorrindo os sorrisos fáceis e não se importam com essa falta de noção em que metade das pessoas parece viver. Eles viverão felizes porque têm ideais, e têm motivos para acreditar que um dia verão um mundo bom.

Eles são felizes assim. E haverão de espalhar seus sorrisos por aí.



Quem sabe, dia desses, um dos sorrisos te caia na boca, e tu sejas feliz, até. 
Eu torço.

domingo, julho 8

Na hora

Chegou a hora de seguir. Desprender-se pouco a pouco de cada um dos laços que a amarravam tão fortemente onde estava. Desamarrar-se de cada um dos medos e até mesmo deixar que a imaginação desfizesse algum futuro feliz que havia imaginado com o que tinha até então. Ela teria tantas outras coisas a partir dali... Chegara a hora de seguir.

Esvaziar um coração dos sentimentos desperdiçados, para quem sabe um dia preenchê-lo somente com o que valesse a pena, em cada pedaço de vida que fosse. Esvaziaria-se dos descompassos arritmados de um coração falho, e ofereceria abrigo para qualquer outra sintonia.

Ainda que não houvesse melodia.

Chegou a hora de seguir, ela percebera. E seguindo encontrou a vida dobrando a esquina, com alguns punhados de futuro na bolsa.



Impasse

É dessa coisa apertando no peito, inquietando a pulsação. Eu me incomodo com essa calmaria, com esse silêncio que enche os ouvidos até transbordar nos caminhos - e nos atalhos. O silêncio da espera. É dessa coisa apertando o peito por dentro, torcendo o coração aos poucos; desse sangue que corre inconstante e desses ventos que não sopram. É dessa coisa que diz que precisa calma. E dessa outra, em mim, que me joga boas verdades na cara.

Ela diz que quem deixa pra depois, perde mais.



E que eu não sei ser passiva.

quarta-feira, julho 4

Sobre mais um pouco

Vamos falar sobre vícios. Sobre essa mania de querer ter mais do que se prova em uma vez. Vamos falar sobre o quão bom é saciar uma vontade, uma urgência. Sobre o prazer que toma conta do corpo e faz você acreditar que a vida é boa e que as coisas vão dar certo.

Mas veja, estamos falando sobre vícios.

Vamos passar da fase em que você acredita que não depende de nada. Vamos ir direto no ponto em que você não consegue mais ficar sem alguma coisa. Vamos falar de vontades insaciáveis, de urgências nunca acalmadas. Vamos falar sobre o todas coisas que você faz para conseguir mais um pouco do que precisa. E de repente mais um pouco, e mais um pouco, e tudo quanto for é muito, muito pouco.

Estamos falando sobre descontrole.

Vamos falar sobre vícios. Não sobre drogas ou substâncias específicas. Sobre vícios, apenas. De qualquer coisa; de coisa e de pessoa. Vício de gesto, de companhia, de contato. Vamos falar sobre confundir as coisas todas e sobre o quão longe você vai por isso. Por mais um pouco. Só mais um pouco, para um dia melhor.

Estamos falando sobre não haver melhor.



Na verdade, você sabe exatamente sobre o que estamos falando.

Se fosse tarde

Não adianta. Então por que tu ainda não partiste? Vem com essa de gostar de um jeito que não me serve, que não me mostra. Por que ainda não recolheste teus pedaços da minha cama, se me gosta desse jeito que não me quer?

Não me adianta. Por que ainda tu me assombras?

Já foste forte. Depois perdeste a noção e o senso - todo ele. Já foste forte e tiveste culhão pra me dizer o que fosse, mas agora me diz que gosta sem nem me olhar na cara. Por que tu ainda deixaste pedaços da gente na cama, se pretendia deixar que os lençóis esfriassem?

Tu já foste forte.
E eu pensei que fosse a torta.


Por que tu ainda não?

terça-feira, julho 3

Dog days

Vai ser um dia bonito. Um dia em que os tons de cinza não vão incomodar; um dia em que todas as cores nem vão fazer diferença. Vai ser um dia bonito porque ela vai andar por aí sabendo que uma outra vida a espera do lado de lá da linha. Do lado de lá de quem vai.

Ela vai, e vai viver dias bonitos, não interessa o tom que pintar.


domingo, julho 1

Em falta

Foi a falta que voltou a ocupar os espaços do lado de dentro. Um grande vazio, quase material, ocupava cada fresta de cada parte, espalhando-se do peito para o resto do corpo. O resto que nem mais reagia; pensava estar ainda esperando pelos comandos de um sistema nervoso. Só que o sistema estava dopado; lhe faltavam as conexões.

Tudo estava em falta.

Não tinha mais aquele calor espalhando-se com o mesmo compasso que a pulsação. Faltava a emoção do contato e a expectativa do encontro. As pontes nervosas não se alcançavam mais, fazendo com que cada impulso se perdesse na tentativa da transmissão. Faltavam os planos pros dias ociosos. Era a falta que ocupava todo o lado de dentro, como um grande vazio quase palpável - um vazio cheio de nada que ocupa todo o espaço.

Havia muito em falta.


Faltava reação. Uma dor que doesse ou um alívio que libertasse.
Faltavam nervos.