domingo, abril 29

Sobre começar ou acontecer

Eu não sei o que pode acontecer em um ano.

Não tenho ideia do quanto posso mudar, do que posso deixar de gostar, ou o que posso passar a querer. Eu não sei o que pode acontecer em um ano mas eu sei que por enquanto eu não tenho que me preocupar com isso. Eu sei que as coisas podem mudar. Mas eu não sei o que pode acontecer.

Se alguma coisa for acontecer.

Eu já sei que não vou abrir mão desse um ano. Mas eu ainda não descobri do que vou ter que abrir mão quando ele começar. Eu nem sei exatamente o que eu tenho, então não vou pensar nisso até que esse ano comece. Quando ele começar eu penso.

Se ele for começar, eu penso.

sexta-feira, abril 27

[in]Sônia

Parece que se eu fechar os olhos tudo vai passar por mim mais rápido ainda. Parece que se eu piscar eu vou perder os acontecimentos mais importantes, e ficar vagando aleatoriamente entre o que foi, o que deixou de ser, o que possivelmente aconteça e o que eu já imagino acontecendo.

E eu não queria imaginar coisa alguma.

Mas eu admito ser fraca. E então imagino. E espero por uma realidade generosa, em que todas as expectativas se cumpram. Eu não queria imaginar coisa alguma. Mas parece que se eu não espero por nada, a vida perde a graça.

Eu não quero viver sem graça.

Parece que se eu fechar os olhos eu vou me enxergar por dentro, e ver meus monstros brincando de casinha com meus maiores sonhos. Eu confesso o medo de fechar os olhos e perder o rumo. Mas se for para manter os olhos abertos, eu não quero uma realidade sem sonhos.


Se eu fechar os olhos, não me faça acordar para servir chá pros monstros.


terça-feira, abril 24

Sobre tanto

É sobre ter medo de esperar por coisas boas, ainda que bobas como um abraço. É sobre querer imaginar que tudo vai dar certo, sem ter coragem de admitir o quanto deseja aquilo. É sobre querer; e querer muito. É sobre não conseguir controlar o suor nas mãos, simplesmente porque o sistema nervoso inteiro está a beira de um colapso.

É sobre perceber que todas as coisas boas acontecem ao mesmo tempo. E querer tanto tudo.

É sobre ter medo de lembrar que se tudo seguir dando certo desse jeito, eu vou ser obrigada a escolher. E não é justo escolher alguma coisa para ser a que se quer mais.

Eu quero tanto tudo.

sábado, abril 21

De repente mundo

Daí então, quando você menos espera, as coisas acontecem. Elas acontecem e tudo que parecia tão longe está de novo ao alcance das mãos - que já esticam os dedos para segurar firme. E então você percebe que não estava preparada para isso, e que chegou a hora de improvisar.

Você percebe que o script terminava na última fala.

Acontece que o seu mundo perfeitamente controlado está fora da caixa de novo. Está espalhado por todos os cômodos da casa, por todas as casas da rua, por todas as ruas do mundo; isso de tal maneira, que você não faz ideia de como sua bolha habitável se tornou tão assustadoramente grande. De repente seu mundo se torna o mundo real, e você percebe que está absolutamente apavorada.

Só que você está adorando o frio na barriga.


Então que se dane, mesmo.

sexta-feira, abril 20

Dos filmes da gente

A gente vai fechar os olhos e voltar a fita. Vai lembrar do começo, de quando as coisas eram boas. De quando as coisas não eram apenas coisas. A gente vai fechar os olhos e rebobinar, até chegar na parte em que o mocinho conhece a mocinha e tudo começa a dar errado. Vai voltar para as coisas que eram mais que detalhes desimportantes.

Detalhes nunca são desimportantes.

Então a gente vai fechar os olhos e lembrar dos detalhes todos. Daqueles que nos deixaram aqui e daqueles que construíram nossos muros. A gente vai lembrar da hora que nós convidamos o vilão pra entrar na história e vamos lembrar daqueles detalhes que nos afastaram tanto.
[E tanto mesmo]

Nós vamos voltar a fita, e assistir tudo de novo.
Observemos os detalhes que nos puseram de frente um pro outro, sem nenhuma palavra a dizer, aqui; no final do filme. Sem uma sílaba pronunciada, e ainda tanto por falar.
[E tanto mesmo]

A gente vai voltar a fita. Só para assistir de novo o mesmo filme. E depois que o filme acabar a gente vai juntar a equipe de produção e vai fazer um outro. O triste é saber de antemão que o novo é só uma releitura do antigo, do mesmo jeito que o primeiro foi inpirado nas histórias de sempre. E tu me diz que isso é só um detalhe.

Detalhes nunca são desimportantes.


Há vaga para um bom diretor.

quinta-feira, abril 19

Embalada

Sabiam que eram felizes sempre que aquela música tocava. Ela embalava os sentidos de ambos de maneira única, deixando o resto do mundo do lado de fora de qualquer lugar; eram eles por todos os cantos, de todos os jeitos. A felicidade não lhes era utopia, não lhes era estranha. A felicidade dos dois era como a música que embalava a consciência entorpecida dos momentos únicos. Dos momentos que construíam com sintonia de dar inveja.

Os dois sabiam que eram felizes também quando a música não tocava. O silêncio nos ouvidos não calava a imaginação de ambos, que entonavam a canção em uníssono. O silêncio era tão feliz quanto a música e todos os lugares eram perfeitos para eles.

Todas as não verdades em todos os cenários. Se bastavam, e isso era suficiente.

Era uma felicidade estranha para quem não entende. A música era sobre uma bailarina manca e um soldado desertor. Sem heróis, ou dias gloriosos. A bailarina nunca dançara em um teatro lotado, e a guerra do soldado ficara para trás. Importava pouco, isso tudo. Importava menos que a música, e a dança que faziam.

Importava que eles sabiam como dançar. E dançavam.

Inocente

Eu sei que tem outra de você aí dentro, oprimida por uma grande consciência sacana. Eu sei que tem outra aí, mais liberta, inocente. Uma outra que quer até jogar o jogo sem muitas regras, sem muitos males. Quem sabe tu desligas a consciência e encontra em ti a força para deixar essa outra tomar conta?

Entrega o volante. Vai pro banco do carona, até que haja espaço para vocês duas habitarem o mesmo corpo, em harmonia. É a tua vez de escolher o rumo do caminho. E não adianta me dizer que é fácil falar; já chega de andar em círculos.

Eu estou te pedindo para erguer os olhos do chão. Olha em volta. Olha em todas as direções, mas ignorar o que tem embaixo. Eu queria que tu enxergasse a ti mesma como uma, que é tanto duas quanto tantas outras - que pode ser quem quiser. Eu queria que tu saísses de dentro de ti; que tu te permitisses ligar os impulsos, e reagir pelas vontades.

Eu queria te ver mais inocente, mais viva.


Ou viva, de fato.

terça-feira, abril 17

Quantos vamos

Vamos brincar de não me importo, de nem quero. Vamos dar as cartas e seguir o jogo, estragando estratégias e entregando os pontos. Vamos brincar de não me importo. De já nem quero. Vamos rasgar as cartas não enviadas e abstrair os sentimentos que ficaram nelas.

Vamos brincar de não me importo.

Vamos fingir que não foi nada. Que nunca fora. Vamos brincar de nem queria, vamos querer aquilo que nos foi entregue... vamos brincar de satisfeitos. Vamos cantar a ciranda ao contrário, e brincar de mal-me-quer. Vamos brincar de já nem quero.


Vamos brincar de não me importo.
Seguir os passos dos que perderam os olhos vivos.

Conscientes.

domingo, abril 15

Coisas a menos

É porque tem coisas que são assim mesmo. São coisas com as quais você vai lutar e lutar para no fim entregar os pontos e erguer uma bandeira branca. Um de vocês sempre vai. Mas é só porque tem coisas que são assim mesmo; feitas de outras que também são desse jeito.

Eu queria que tu lembrasses que nem todas as coisas são como essas. Que tem coisas diferentes por aí, e que tu estás perdendo. Mas um de nós sempre vai. 


Eu me pergunto por que sou sempre eu quem perde mais.

sexta-feira, abril 13

______________.

Tem parecido tudo tão raso, tudo tão sem futuro. Tem aparecido coisas só por aparecer, só por provocar vontades que no fim não vingam. Tem sumido gente importante, e tem ficado um pouco menos de tudo.

Tá parecendo tudo tão raso.

Tá sobrando sempre tão pouco, tão incerto quanto pouso de emergência. Tão avesso quanto meus desejos, quanto meus próprios pedidos às estrelas cadentes - não faz nem sentido pedir algo pra alguma coisa que está caindo. Tá me faltando um norte, um título, uma ponte; um corte.

Tá parecendo tudo tão, tão raso.

quinta-feira, abril 12

Nota X - sobre o doce

Mas sabe, eu juro que só não sei. Você pode falar, pedir, até brigar comigo por causa dessa tal de má vontade a que me atribui, mas eu só não sei como fazer. Eu não sei como ser assim; como não guardar para mim o que penso, como deixar de discutir internamente as coisas que não te interessam; não sei dividir as coisas que não te interessam. Eu não sei como ser uma pessoa melhor - para quem quer que seja. Você poder querer brigar comigo até entender, mas não há má intenção. Não é pensado esse teatro de algumas palavras secas. Alguma falta de emoção.

Não é propósito.



Eu só não sei como ser doce.

Que toca

Então ele parou de tocar, sem ver que ela estava completamente absorta nos movimentos que fazia com os dedos pelo braço do violão. Ele não viu, mas foi como se a tivessem puxado à força, de volta para a realidade. De volta para as pessoas sem cor, sem coração.

Ele parou porque o dia estava acabando, e suas moedas não durariam muito tempo se permanecessem à vista dos olhos mal intencionados dos moleques. Os dedos dele ainda pediam por mais uns minutos, mas o juízo que sabia da importância de cada trocado o fez recolher seu violão e guardar seus ganhos. 

Ela esqueceu para onde estava indo na hora em que o homem se ergueu e tomou seu rumo. Ela esqueceu-se do rumo que havia escolhido para si, pois preocupou-se em achar os dedos que tocassem de novo aquela melodia. A melodia que lhe oferecera uma passagem para um jardim florido; a melodia que pintou as cores da vida numa vida que ela já desistira de correr atrás.

Ele só parou porque não notou os sonhos dela amarrados em cada uma de suas notas. Se soubesse... se soubesse seu juízo o faria ir embora, de qualquer maneira. 

Mas ela gostava de pensar que talvez ele tocasse mais uma vez.


terça-feira, abril 10

Dos olhos tristes

Foi quando olhou para mim e disse com a sinceridade mais clara que a própria voz. Me disse "É a menina dos olhos tristes", e sorriu inclinando levemente a cabeça para a esquerda, que me fez esboçar um sorriso levemente inclinado para baixo. Foi quando olhou nos meus olhos tristes e me viu por que eu era. Me viu pelos  garranchos de vida que eu tentava escrever.

Foi quando me disse quem eu era que percebi que já era hora de deixar de ser. De trocar de olhos. De trocar de passos.


Foi quando eu vi que já era hora de preencher espaços.

domingo, abril 8

Caso você leia - II

Então quem sabe a gente finge que não lembra de tudo que aconteceu e repete só a parte boa? É, assim; na lata mesmo. Eu não vejo motivos pra investir tempo remoendo lembranças falidas. Não sou dessas, sabe. E sinceramente eu acho que tu também não precisa ser.

Então assim: a gente esquece a letra e canta só o refrão. E canta junto, daí.


Tu ainda me deve uma.

 
You could, 'cause you can, so you do
We're feeling so good, just the way that we do 
When it's nine in the afternoon

quarta-feira, abril 4

Conjunto dos irracionais

São escolhas, e passos. E passados saudosos. Passados passados. Do reflexo do nosso espelho quebrado, das nossas promessas vazias. São escolhas, permeios. Pedidos perdidos numa linha falha de tempo corrido. Numa linha semi-reta de pontos imaginários. Sempre as escolhas e os passos perdidos no reflexo vazio das promessas, povoadas de retas semi-tortas que não pertencem ao conjunto dos reais.

São escolhas erradas. Um poço de bons enganos de um passado saudoso. Mal passado.


domingo, abril 1

Meio canto meio calo

São esses assim; meio distantes, meio sozinhos, meio metades. São esses os dias que me matam. Primeiro pouquinho, depois um quarto. E depois um pedacinho mais. E aí acaba o dia e eu renovo as partes; mas uma noite é pouco para tudo. E tudo tem sido meio muito.

Tem sido meio assim, meio assassino. Tem dias que machucam mais que essas metades vazias de dias estranhos. Tem sido meio distante demais. Um pouco sozinho, partido. Um pouco de cada um no seu canto e sem canto pra nós dois. São esses cantos que me matam, todo dia com uma canção diferente. Se me calo já me canso, mas se eu canto ficam calos. E tem ficado muito calo, mesmo.

São esses dias assim - calados - que me fazem ao meio. E meio de menos tem deixado cada vez um pedaço menor.