sábado, abril 27

Conto de umas noites


Verdade que foi bom, mas ele não soube como agir quando a vida resolveu mudar de frente. Ele não sabia que ela não era daquele tipo - ela não estraga a vida dos outros por vingança ou diversão; ele não sabia que ela melhor que isso. Ele não sabia que ela não ia invocar o fim do mundo, e achou que sair à francesa era a melhor escolha. Ele não sabia.

[Mas eu acho que você se achou importante demais, cara.]

Verdade e que ele meteu os pés pelas mãos. Fechou a história com um fim aberto, com as reticências que nunca explicam nada. E ela, perdida, viu conceitos sendo desfeitos sem poder fazer as perguntas que insistiam em não sair da cabeça. Porque verdade que foi bom, e das coisas boas ela não se desfaz assim tão fácil.

[Eu acho que ela guarda muita coisa dentro de si]

Verdade que ainda falta um capítulo pra encerrar o causo. O capítulo onde ambas as vidas seguem as suas frentes e nenhuma ponta fica solta. Eles escreveram um conto, uma vez; mas eles nunca concordaram sobre o fim da história, de qualquer maneira.

Ele tentava adivinhar, enquanto ela insistia em recuar as linhas.

[Antes não tivesse]


 E eu sei que ela guardou a foto de ilustração.

quinta-feira, abril 25

O que importa

Eu era criança e te disse não. Era o gênio difícil que tu vieste a conhecer bem, desde lá. Tu só querias me ter por perto, mas eu agarrei minha liberdade desde cedo e dei a mão pra vida, pra que ela me levasse pro longe que fosse - pra vida de quem houvesse.

Eu não era metade de gente, eu não tinha experiências que me falassem melhor. Eu era criança e te disse não. E agora, crescida, continuo indo pro lado mais longe; mas porque a vida me leva. Mas vê, pai: entende. Essa vida ia me levar de ti cedo ou tarde.

Tu pediste pra eu te dar a minha mão, e eu neguei, confiante. Eu tinha só 4 anos; mas jovem eu já sabia que um dia eu teria que andar sozinha. Eu já queria escolher as minhas estradas, e nelas eu imaginava que não teria guia.


Mas eu não te dei a mão porque tu já tinha o meu coração nas tuas.
E sempre vai ser isso que vai importar.


segunda-feira, abril 22

Valsava

Dançava na valsa
o passo repetido
levada por outros
de sonhos despidos

De ventos soprados
e estranhos queridos
dançava a valsa
dos calos sentidos

No calor de uma hora
No desejo de um dia
O apuro do agora

Do tempo presente
e uma tristeza futura
sobrou uma valsa contente


Dançara com um coração sem mágoas.


uma valsa inventada
um sonho vivido
um estranho liberto
valsava a libido

quinta-feira, abril 18

Menina,

Te escrevo porque hoje é um daqueles dias cinzas que você tanto costumava gostar. Um daqueles dias que a maioria das pessoas odeia, porque as deprime. Mas você não era dessas. Você era do tipo que andava feliz no dia feio dos outros, e até dançava discretamente na parada do ônibus enquanto o mesmo não vinha. Você era nublada; hoje lembrei de você. Mas o que aconteceu com você, menina?

Eu lembro muito bem do seu sorriso amarelado, acompanhado dos óculos escuros, passeando pelas ruas de todos os dias como se elas fosse completamente outras sem o Sol e sem a chuva. Só de cinza. Era você que dava a nuvens o poder de te fazer feliz. Eu lembro muito bem. Mas agora você me olha com outros olhos e me recusa um sorriso sincero porque faltou amarelo, azul e verde limão em mais um dia. E vê, quando sorri, sorri branco.

O que aconteceu com você, menina?

Eu não sei mais quem você é. Eu não sei mais dos teus gostos e desprazeres. Me fizeste de boba esse tempo todo ou tu sempre gostaste do oposto do que dizia preferir? Alguma coisa mudou em você, menina, alguma coisa te fez do avesso. Você agora gosta do Sol? Você agora mudou o tom da sua vida? Você agora encontrou um caminho pra seguir, depois que tudo insistir em mudar de novo?


E ainda vai me dizer que se sente feliz? Que raios aconteceu com você, menina?!

sábado, abril 13

Marca-texto

Desfez o marco e amarrou o laço. Sentiu um não sei o que subindo da planta dos pés ate morrer na raiz do cabelo, logo que chegou na nuca. Desfez o impacto mas apertou o abraço; não queria passar com pressa. Não queria ficar para trás em outras vidas.

Não queria só um marco. Queria um nó, um link, uma história continuada.



Queria um tanto tão grande que um marco não servia de nada.

domingo, abril 7

Tem gente

Tem você, todo querido e me pintando mais linda do que eu mereço, com um jeito de fazer insinuações censuradas sem a trava que tranca tantas outras gentes. Tem você, que parece sincero, e às vezes insensato. Tem você.

Tem você também. Com poucas primaveras e menos ainda discernimento. Tem esse sem jeito de falar comigo, essa vontade de ser visto como o máximo. Você realmente tem poucas primaveras... O que te faz uma graça, mas no sentido meio cômico da palavra. Mas tem você.

E tem você, outro, que na verdade parece não ter nada a ver com isso. Mas tem você, sim, com todo o seu ar de "tudo isso" que na verdade não chega a tanto - mas está no caminho. Tem mais espelho que atitude, mas deixou boa impressão. Então, sim, tem você também.

E, não, eu não me esqueci de te incluir nessa. Você, que parecia determinado, me mostrou mais corre-corre do que pega-pega e ainda parece brincar de esconde-esconde. Você também não tem jeito; mas você pelo menos não finge que está bem com isso.


E dai tem eu.


às vezes eu acho que na verdade eu estou sobrando. Tem gente demais, mas tem caso de menos.


quarta-feira, abril 3

Nem cara, nem coro

Tem dias que eu escrevo, mas que melhor seria deixar guardado. Isso porque você tem essa mania de colocar sentidos nas minhas palavras, de dizer que eu disse aquilo tudo que você pensou. Eu não disse, não. Eu não digo as suas frases. Eu não mendigo a sua atenção.


Tem dias que eu escrevo, mas que melhor seria se nem tivesse. Porque vem você com essa mania idiota de me colocar em contradição. Eu digo que não falo, você fala que me disse, eu digo que não ouço e lhe nego afeição. Lhe nego porque quero. Nego opção.


Eu não meço minhas frases.



Nem suplico coração.