sexta-feira, dezembro 31

A música

Dessa vez eu não vou parar para avaliar o meu ano. Já passou, não passou? Que diferença faz eu dizer se foi bom o se foi ruim... A melodia era conhecida. E já se foi.
E o que vem é feito de planos, de promessas que eu não vou cumprir, de maneiras diferentes de melhorar a vida, de músicas que eu ainda vou cantar e de algumas que vão dizer mais do que eu gostaria de ouvir; o de sempre.

Quem sabe, dessa vez, eu pare de negar a personalidade que eu deixo escondida no meu porão e resolva que posso parar de adaptá-la ao que é mais simples. Eu não sou simples, e ponto. Digo que ando numa corda bamba que insiste em continuar instável, mas dessa vez eu vou descer dela - para entrar numa montanha russa, quem sabe; mas eu quero. A música pode ser a minha ou a tua: eu vou dançar de qualquer jeito.

Encerro sem o balanço do ano passado. E espero ficar sem o balanço da corda. Eu vou fechar os olhos e sentir o frio na barriga. Deixar a música vibrar o meu corpo por dentro. Sentir de fato.

quinta-feira, dezembro 30

Sobre danos reversíveis

É sobre ter alguém ao lado. Dividir um quarto, uma cama, mas não só; dividir uma dor, ou um sonho quebrado. É sobre dividir.

Eu nunca fui boa nisso.

Eu acho que você entende o que eu digo. Nosso egoísmo nos aproximou, de uma maneira estranha e meio torta. Egoístas convictos; minha vida, sua vida - sem a tal da "nossa" vida. Você não ia gostar de mim depois que me descobrisse por inteira. E a verdade é que eu lhe desapontaria porque não consigo deixar o "nosso" tomar o lugar do "meu". É meu ou não é; e é inteiro ou não - não é metade.

Contudo, eu poderia pegar emprestado o seu coração, se você concordar em dá-lo temporariamente para mim. Temporariamente. Mas meu.
Aí nós teríamos alguma coisa interessante.

segunda-feira, dezembro 27

Dos nomes

Eu não gosto deles. Acho que nomear personagens faz com que elas sejam simplesmente o nome que carregam, como se eu visse alguém e decidisse escrever sobre essa pessoa e ela não significasse nada além do que eu digo que significa. Eu não gosto dos nomes difíceis, eu não gosto dos nomes em pessoas que não existem.

Eu gosto dos pronomes. Os pessoais, os relativos, os oblíquos e os mentirosos. Os que não dizem nada, os que me dizem que pode ser eu ou tu, ali, brincando de ser qualquer coisa. Eu gosto. Dessa incerteza, dessa volubilidade; preciso dela.

Quando nós cansamos de ser quem somos, corremos para um pronome - para sermos outros. Então misturo. Eu sou GabriEla.

sábado, dezembro 25

"Boston"

Ela poderia ter feito tudo certo, se tivesse tido a chance. Nenhum plano, nem esperanças, apenas ela fazendo que o tinha vontade. Se tivesse tido a chance de fazer, teria dado certo. Mas você não a conhecia por dentro, então como poderia saber? Como poderia saber que ali, vestindo um jeans e uma blusa discreta, desfilava o melhor presente que você já desejou ganhar? Não poderia, por isso ela não conseguiu trazer um sorriso para você vestir. Por isso a blusa passou desapercebida pelos seus olhos.

Você fez isso errado, sabia? Mas quem sou eu para dizer. Eu também não a vi. Quem veria? Um par de jeans e uma blusa sem cor, quem adivinharia que ela faria tudo certo... Mas você poderia ter tido mais sorrisos, se ela tivesse tido a chance. Sem dívidas entre você e ela.

Agora ela está com uma mala pronta, tão cheia que você não cabe nela. Você vai ficar para trás. E ela vai partir a qualquer momento.

E então, quais são os seus planos?
I think I'll get a lover and fly'em out to Spain
I think I'll go to Boston,
I think that I'm just tired
I think I need a new town, to leave this all behind
I think I need a sunrise, I'm tired of the sunset
I hear it's nice in the summer some snow would be nice... oh yeah
[Augustana - Boston]

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e enquanto eu escrevi o meu texto, o André Lacasi escreveu o dele, ambos inspirados na mesma música. Confere o post "Mas a verdade" no blog Espelho e Reflexo. : )

E a Gabi Luz, desafortunada com a mesma vibe que eu e o André dividimos, publicou o texto dela tbm =D Olha lá no blog Inocente Luz a postagem I thik I'll go to Boston.

sexta-feira, dezembro 24

Merry Christmas

Papai Noel

É o seguinte: não vou te pedir um monte de coisas porque isso não tá dando muito certo. E também porque eu não tenho sido tão boa assim pra merecer tudo que eu iria pedir. Mas eu não ligo, ok?
Vamos fazer um trato: você não precisa me dar todas coisas boas do mundo - basta não me dar as ruins - e eu não preciso ser uma menina tão boa assim; porque vamos combinar, essa de ser boazinha não é mais tão cool.

Ano que vem talvez eu esteja mais otimista e animada com toda essa história de árvore enfeitada, pessoas generosas, músicas irritantes e ho-ho-ho. Até lá, não me cobra nada que eu não esteja disposta a oferecer.

Então, feliz natal pra você, Noel, seu velho safado.
Com carinho
Gabi

quarta-feira, dezembro 22

"I'm outta time"

Eu poderia dizer que não quero mais isso para mim. Eu poderia dizer que tudo isso é uma grande merda e que quero mais é que tudo se exploda. Que o bom é o que não se sente, é o que se imagina sentir. Que o bom para mim é tudo que você não é.

Mas você acreditaria em mim?


Me convença, então. Me convença, por favor.


terça-feira, dezembro 21

Do verbo

Não é por causa de como é, não é pelo que significa. É pelo rótulo, é pelo peso. É o verbo. Não te culpa, de verdade. Quem sabe não seja melhor se ficar só assim, do jeito que está. Um dia as pessoas entendem que nem sempre o convencional é o melhor - aliás, se tu queres a minha opinião, nunca é... tipo roupa de tamanho único, que é do tamanho de ninguém. Quem sabe tu segues assim, do jeito que és, e te encontra mais feliz do que pensou que podia ser.

Não precisa do verbo para sentir o substantivo. Eu te entendo.
Um dia eles também vão.

domingo, dezembro 19

Outros tempos

Passou. O medo de não alcançar, a ansiedade por esperar, o nervosismo por não saber. Conseguira as respostas; conseguira desvendar as perguntas, na verdade. Não sabia como encaixar o que tinha nas questões que formulara, mas contentava-se com o simples fato de ter uma resposta correta para uma pergunta urgente. Passara muito tempo desde que havia começado a contar os dias para a chegada desse dia. Agora ele chegara.

Passou pelo medo e disse "tchau". Olhou a ansiedade, abanou a mão e sussurrou um "até logo". Deixou as questões que ainda não haviam sido respondidas guardadas na gaveta - outra hora voltaria a elas. Outra hora preocuparia-se novamente. Outra hora, somente.

Agora tudo passara. Ou tudo que importava naquele momento. Outras coisas passariam em outra hora.

sexta-feira, dezembro 17

Acelerado

A ansiedade já começava a ser exalada pelos seus poros. Estava tão perto que esticara os braços para poder alcançar mais rápido; sentia que dali a pouco tudo estaria terminado. Poderia então respirar sem ter a impressão de que seus pulmões seriam esmagados pela falta de espaço no peito apertado, e a angústia que tomava conta do coração, das mãos e dos dedos - que agora tremiam - poderia abandonar o seu corpo mais rápido do que previra.

O quanto antes, na verdade.
Cruzou os dedos trêmulos e fechou os olhos marejados. Perdia o controle sobre seu batimento cardíaco mais rápido do que esperava. Cada vez mais rápido.

terça-feira, dezembro 14

Passaredo

De todas as coisas que você não viu
Entre tudo que lhe passou, entre
todas
que lhe passaram...

De todas as pessoas que você não sentiu e por todas as coisas que se foram.



Eu não estarei entre elas.

domingo, dezembro 12

Afazer - II

Há dois anos queria ter te dito alguma coisa. Há dois anos não deixara de acompanhar de longe os passos de um alguém que nunca estivera perto de verdade, mas que de certa forma parecia ser parte natural da vida que ainda não vivera. Era como se soubesse que, de um jeito ou de outro, eles se cruzariam e então tudo estaria bem, por fim.

Era como reconhecer no outro a plenitude de si; a forma mais simples e inteira de ser quem era e o outro ao mesmo tempo. Sabia que voltaria. E dessa vez diria o que engolira há dois anos atrás.

Sorrir. Dizer. E ficar.

sexta-feira, dezembro 10

Afazer

Ela sorriu de volta porque achou que quisesse fazê-lo. E ela ergueu o braço e acenou energicamente, porque tinha certeza de que um dia voltaria a vê-lo; tinha certeza de que precisaria voltar só para isso.

Na verdade, ela sorriu porque não pôde esconder que queria fazê-lo. Sorri e voltar. Por ele.
Um dia.

quinta-feira, novembro 25

Antes mesmo

Antes a noite clara de uma Lua sincera do que o dia quente de um Sol cruel. Antes a frieza da luz pálida de uma Lua minguante que persiste frágil num céu de breu; antes ainda a quietude do céu perante uma Lua imponente.

Antes a sincera frieza impotente de uma solidão quieta perante uma explosão de cruéis pensamentos avulsos de um Sol escaldante. Mais ainda - e antes mesmo de tudo - que isso convença e que baste.

quinta-feira, novembro 18

I don't care

Eu quis dizer. Eu tentei, só que a voz não saiu e eu apenas observei o descarrego de desaforos que vocês jogaram sobre mim. Covardes. Eu, que nem pude respirar sob tal enxurrada de calúnias, asfixiei sofridamente. Graças a vocês mergulhei mais fundo do que pensei ser possível, mas, também graças a vocês, hoje eu não ligo.

Então, peguem esse mar de descaso, de xingamentos, e se afoguem nele. Mergulhem, como eu fiz. Não se importem comigo porque eu agora vou fazer justiça aos "elogios" que me dedicaram: vou empurrá-los cada vez mais para o fundo; vou ser a egoísta e não ligo.
I don't care
I don't care what you believe
[...]
Not even earth can hold us
Not even life controls us
Not even the ground can keep us down
The memories in my head
I just realized the time we spent
You always be close to me, my friend
[This is not the end - The Bravery]

sábado, novembro 13

[aos meus] Guarda-vidas

No final o que sobra é aquele suspiro que vem de tão fundo que nem se sabe como. É aquele sentimento de "que se dane" invadindo o peito por dentro e corroendo as nossas relações por fora. O que sobrou - e isso eu vou segurar firme, até que os meus punhos gritem e parem de me obedecer - foi a cumplicidade absurda que encontramos em certas pessoas, que nos fazem sentir que não estamos, de fato, sozinhos no nosso próprio mundo.

No final, o que sobra é um suspiro de esperança e crença em algo que não se conhece, mas que se sabe real. É o suspiro que nem mesmo nos pertence porque no fundo da gente não há nada que possa gerá-lo. Então nós percebemos que algumas pessoas dedicam um tempo que talvez nem tenham para mudar a nossa percepção e a sensação de indiferença é estilhaçada pelo ombro de um cúmplice que encontra em nós a reciprocidade de que - talvez - precisava.

Exaustos mas seguimos. Suspiros de guarda-vida.

segunda-feira, novembro 8

Afluência

Aconteceu que não conseguiria segurar: em breve, todos os pensamentos mal criados sairiam de sua boca em uma profusão de palavras feias e sentenças sentidas. Em uma explosão de feridas calejadas libertaria-se das dores que há muito lhe assolavam, e quem sabe poderia até sentir-se melhor consigo mesmo. E com os outros?

- Que se danem os outros. Pelo menos agora.

Pelo menos enquanto poderia sentir que tudo não era tão ruim; pelo menos até que o coração apertado respirasse o bastante para cessar a insuficiência de algo por dentro, mesmo que preenchesse tal vazio com ar. Só queria que as palavras sentidas das frases feias fossem suficiente para acalentar um coração torto, débil. Não queria mais sentir saudades do passado quimérico de terceiros.

Mais presente próprio. Mais presente, droga.

terça-feira, novembro 2

Pro-fundo

Pensou que soubesse como sair. Quando era pequena costumava brincar lá em baixo por horas e horas; sabia escalar até a borda, sabia que quando a luz enfraquecia era sinal de que estava na hora de voltar e sabia que precisava olhar bastante em volta, para que ninguém a visse entrar naquele buraco e viesse buscá-la como se salvasse sua vida.

Pensou que ainda lembrava como descer até o fundo em segurança. Pensou que aquela corda ainda era capaz de suportar seu peso - mesmo que esse tivesse aumentado consideravelmente com o passar dos 10 anos que separavam aquele ontem do agora - e que o balde enferrujado sobrevivera à oxidação. Pensou que seria muito simples, como era antes.

Pensou que talvez existisse outra coisa lá, outra coisa que não havia quando ela fazia visitas frequentes. Quem sabe encontraria um pedaço de infância esquecida e voltaria à superfície mais completa. Mas as paredes do poço estavam cobertas de limo e a corda apodrecera. Não podia voltar e naquele momento desejou que alguém viesse salvá-la como se a buscasse de volta à vida. Desejou que o poço fosse mais raso, que a corda fosse ainda forte e que não tivesse pensado em descer. Quis que tivesse reparado na luz enfraquecendo.

O pior de tudo é que descera por vontade própria. No fundo não havia nada além do fundo do poço; a que grande e estúpida conclusão chegara.

sábado, outubro 30

Tea Party

E agora olha na minha cara e diz que eu estou errada. Esquece o sutiã jogado no teu colo e me diz se eu sou quem te faz todo esse mal. Deixa a minha roupa onde eu a coloquei; eu não pretendo vesti-la agora.

Me solta dos teus braços e fala francamente que não era isso que tu querias, aí me afasta do teu corpo e me veste com a camisa que tu usavas até chegarmos em casa... E depois, me olhando de longe, desvia os olhos das minhas pernas e ergue a cabeça como quem tem certeza de algo. Ergue a cabeça como quem sabe o que quer e do que precisa e admite que eu sou as duas coisas. Então corre de volta e despe-me da tua camisa, sem pensar de novo.

E agora olha na minha cara e diz que eu estou errada. Fala francamente que não era isso que tu querias. Se eu me ponho nas tuas mãos, faze a gentileza de deixar os teus instintos dominarem o teu corpo. Não te preocupes com a consciência, ela não foi convidada.

quinta-feira, outubro 28

Feira

Eu vendi um punhado de compaixão por um pouco de amor, mas acho houve um engano. Eu tentei não sentir pena de quem me disse mentiras e pensou que me enganava, mas parece que a compaixão não me largou; e o tal do amor que viria em troca perdeu-se no caminho, me deixando assim, sem nada.

De mãos vazias, abanei pro horizonte e estendi os braços, esperando que ele me mandasse algo que preenchesse os espaços. Mas eu agora estou cansada, por isso parto. Caminho devagar e apanho tudo que encontro; agora tenho um estoque diferente. A compaixão ainda não me larga, mas como não preciso segurá-la posso usar minhas mãos livres para apreender a diversão e a novidade.

Eu olhei pro horizonte e vi que ele me chamava. Por isso parto. Quando tiver outros produtos para vender, procuro-te de novo: quem sabe possamos fazer um melhor acordo? E dessa vez, sem enganos. Eu espero que o amor não se perca de novo.

sábado, outubro 23

Relatividade

O relógio corria impetuoso, indiferente ao caos que a vida se tornara. O Sol vinha e se ia, assim como a lua, os ventos e as chuvas. Assim como as estrelas e as estações, que nem sequer notavam que ela continuava estacionada. A vida parara e não dava sinais de reiniciar seu movimento natural, porque decidira apenas admirar o fluxo das coisas em torno dela. Escolhera primeiro entender o sistema, antes de jogar-se nele.

Observou por tanto tempo que já não sabia dizer se ela agora estava em movimento e eles é que pararam ou se nada mudara. Era tudo uma questão de ponto de referência, de qualquer forma; que diferença fazia?

"Faz toda a diferença", pensou a vida, num relâmpago de ideias esclarecidas que se mostrou ligeiro no céu. Fazia diferença porque a vida não precisava correr com o relógio, com o sol e com os ventos, se encontrasse algo que andasse como ela. Fazia diferença porque, para eles, era ela quem corria; porque nem tudo poderia estar na mesma velocidade, ou todos estariam estacionados. E se não há movimento, o que haverá de verdade?


Uma vida alucinada pelo tempo descompassado e pelas estações frenéticas assistia os Sois e as luas nascendo e morrendo, como ela um dia faria. E os ventos nada faziam, além de embalar sua rede e motivar as estrelas a caírem do céu.
Movimento é relativo.

quinta-feira, outubro 14

Visita

Então bateu na porta com aquela mesma intensidade que tu já conheces, por ser de novo quem tu já esperas. Entrou devagar, largou o casaco e sentou-se na poltrona que tu poderias apontar, se lhe fosse perguntado, porque era sempre assim que acontecia. E os mesmos olhos tristes te olharam e o mesmo sorriso irônico te encontrou... e os mesmos sussurros impregnados com o veneno da verdade atingiram em cheio teus ouvidos e tuas terminações nervosas, espalhando pelo corpo todo aquela mesma sensação de sempre. De medo. De desesperança.

- Há quanto tempo - disse a Sombra.

sábado, outubro 2

Falling. Feeling

Desabando. E eu assisti a cada pedaço de concreto cair e se quebrar bem na minha frente. Era pesado demais para que eu tentasse segurá-los antes que tocassem o chão; na verdade, talvez o meu egoísmo não deixou que eu cogitasse essa possibilidade. Eram as minhas paredes que estavam caindo, e eu queria que elas se fossem. Eram as minhas expectativas, afinal de contas

O meu corpo surpreendeu-se com o grito ensurdecedor do coração agoniado que pulava no meu peito. Batia tão forte que era como se estivesse vivo de novo. Era como se fosse. O coração sufocado pelas mesmas besteiras dos mesmos dias enfim protestava seu espaço dentro do peito que preferira abandonar a tanto tempo. Ele não desistira de mim. Que direito tinha eu de fazê-lo?

Perda total. Mas, pela primeira vez, senti que tudo ficaria bem. O concreto caiu e meu coração quer voltar. Serão novos tempos. Sem expectativas engessadas ou sonhos imutáveis.

- Adapta-te - ele me disse.

quinta-feira, setembro 30

Espelho, placas e queda - Pseudo-Postagem Temática

Sabia quais eram os problemas de cor e salteado; sabia quem era o culpado, quem se fazia de vítima... Sabia quem aparecia no espelho. Já vira o filme antes - uma vez e outras tantas. Fizera escolhas e não se arrependia delas, mas por que tudo precisava sempre ir para o lado errado? As placas apontavam a direção, mas quem disse que confiava nelas? Quem?

Placas. Quem precisa delas? Tomou a direção do precipício e pulou. Voava. Quem disse que era preciso descer a montanha pelas estradas sinuosas em vez de escolher o caminho mais rápido era quem precisava das indicações; era quem precisava de alguém que escolhesse os caminhos em seu lugar. Nunca precisou de placas. Desceu o precipício com toda a intensidade que ele merecia.

Mergulhou na vida de um jeito que, talvez, fosse fazer com que se afogasse de vez. Pulou do alto e esperou pelo impacto; ansiava por ele. Queria cair e acordar. Cair, e deixar que o espelho se quebrasse. Precisava do conforto das estradas claras e das placas mudas.

Precisava de um paraquedas.

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De novo, perdi o prazo da Postagem Temática. A correria diária - e uma "provinha básica" da faculdade - me fez esquecer das coisas que me davam prazer e descanso, como escrever aqui. Não pude deixar de produzir o texto, ainda que fora do tempo, porque achei o tema interessante; como estou fora do prazo, o "Postagem Temática" não vai no título (pseudo-postagem temática, pra fazer referência) mas a sugestão veio de lá e outras pessoas também escreveram sobre QUEDA, o tema da vez. Então, entra no Blogsintonizados e dá uma conferida nos outros textos.

sexta-feira, setembro 24

Da noite, da Lua e da Névoa

Através da janela assisti o Sol se pôr e dar lugar para a Lua, que já estava tímida brilhando no céu. Da janela do segundo piso da casa velha eu acompanhei o dia virando noite e a noite virando chuva de prata, de tantas estrelas que se podia ver. Até estiquei a mão para apanhar uma delas, mas ela me olhou com olhos pidões e eu me senti mal por ter tentado tirá-la de seu espetáculo pessoal.

Através do vidro embaçado pela minha respiração eu vi a névoa da noite abandonar as estrelas para acompanhar as pessoas que passavam lá em baixo, do outro lado da rua. Eu lembrei do quanto a Lua devia ficar incomodada com a presença daquela coisa que intimidava as pessoas, e que por isso deixavam de admirar seu brilho. Da janela do quarto eu imaginei a névoa pedindo desculpas para a Lua, e prometendo que não ficaria muito tempo, e a Lua sorrindo gentilmente de volta, como se seu enorme coração invisível fosse capaz de perdoar qualquer coisa.

Eu quis ser como a noite, que soube se impor ao maior astro do sistema... e como a névoa, que ousou interromper o as luzes de prata de um céu cheio de estrelas. Mas tive mesmo inveja do coração da Lua, que nem mesmo era de verdade e, ainda assim, era melhor que o meu. Melhor até que a minha utopia de coração; melhor do que a minha vontade de ser coração.

sexta-feira, setembro 17

Primaveras

O relógio despertou às 6:15 da manhã, como todos os dias. Relutante, levantou da cama antes que essa se mostrasse demasiadamente atraente e acabasse por atrasá-la para o trabalho. Demorou para escolher uma roupa - e por isso se arrependeu de não tê-la separado na noite anterior, pra não deixar brechas para dúvidas quanto as cores - mas acabou não fugindo do normal: jeans, blusa cinza, casaquinho preto. O importante era estar confortável; ela estava confortável em sua camisola, mas sabia que não o ficaria se saísse na rua daquele jeito. Vestiu-se, olhou-se no espelho, olhou a irmã que ainda dormia no quarto, olhou os sapatos - sem salto - e decidiu que os calçaria depois.

O relógio da irmã despertou, significando 6 horas e 30 minutos. A mana acorda ainda dormindo, suspira, olha pra ela e para a sua roupa. Ela pergunta "Tá muito estranho?" e a mana responde "Não mais do que tu costuma usar" e ambas sorriem. De repente, como se agora sim a reconhecesse, a mana diz "Ah, Feliz aniversário!" naquela animação que lhe é característica pela manhã. Ela sorri e se olha no espelho; agora, não mais com 18, mas sim 19 anos. Nasceria às 8:30, mas a mana não esperaria até lá para dar-lhe os parabéns, assim como não esperou o dia para dar-lhe um presente. "Obrigada", ela responde, porque também não esperaria até 8h e 30min da manhã para dizer que tinha 19 anos.

Tem detalhes que não mudam nada, e ela havia aprendido a deixá-los de lado. São detalhes. Mas os sapatos não combinavam com a blusa, e precisaria trocá-los. Detalhes.

quinta-feira, setembro 9

Olhos de sombra

Eu caminhei. Passei pelas ruas que costumo passar todos os dias; quando foi que deixei de ser visível a olho nu? Eu deixei de ser ponto para ser traço, e deixei de ser um eu que já nem lembro direito quem é. Eu passei por todas as tuas ruas e lembranças, e nem minha sombra encontrei no caminho.

Estava invisível aos olhos cegos de quem já não me reconhece. Reconhecimento próprio de um fracasso sensível aos sentimentos detidos num porão interminável. Escuro. A droga da espera esperançosa de um futuro tão visível quanto a minha sombra nas tuas ruas.

Comecei a correr.

sexta-feira, setembro 3

Raios

E se há muito tempo ele não via o sol, era somente sua culpa. Sua própria estranheza frente ao que parecia ser o senso comum de felicidade acabava por trancá-lo dentro de si; a meteorologia não anunciava condições melhores de tempo.

Não queria permanecer isolado; entretanto, o temporal era ameaçador. Eis que surge em meio a tantas gotas um raio tímido de sol, de cabelos louros e pele sardenta, e que tinha pernas longas e formas perfeitas. E esse sol, desafiando os raios e relâmpagos que clareavam o céu, ousou dissipar um pouco as nuvens e ainda substituir a ventania por uma brisa agradável. Todo o calor que tinha, emanava para o temporal interno de um conhecido perdido em si.

Mas ele sempre fora um fraco. E sempre seria vítima de sua própria covardia. O sol lhe oferecera uma saída de emergência, mas ele insistira em permanecer em seu dilúvio. Raios de sol, chovia.

segunda-feira, agosto 23

"As coisas como são" - IV (estúpidas)

Porque a inocência foi deixada numa infância que já não dura mais depois dos 9 anos de idade. Essas crianças pseudo-adolescentes que nem ainda entraram na puberdade se revelam maliciosas e, aos meus olhos, perdidas.

Se elas ao menos soubessem a saudade que sentirão desse tempo sem responsabilidades e preocupações... Eu que tive infância (e uma boa) cresço saudosa, mas satisfeita. Já tem tanta coisa ruim aí fora, precisa antecipar todas as aflições de uma etapa que não lhes pertence?

Por favor, menina/menino, vai brincar de boneca/carrinho. Sério.

segunda-feira, agosto 16

Sol e chuva

Amanheceu de novo, como sempre acontece todos os dias. O sol ainda não saiu de trás do morro, mas o céu está claro o suficiente pra que eu vislumbre os contornos do teu corpo adormecido na minha cama, por causa dessa claridade que passa através das finas cortinas. E o raio de sol que daqui a pouco vai bater em cheio no teu rosto eu evito: o dossel cor de vinho da cama garante a continuidade do teu sono. Mas eu tapo só o lado onde bate a luz, porque pelo outro eu fico te observando da poltrona. Eu invejo esses teus olhos que se fecham sem culpa e essa tua consciência que se cala num estalar de dedos... quisera eu que a minha silenciasse por uma só hora, mas há uma tempestade constante aqui por dentro. As trovoadas não cessam e os olhos permanecem alertas, prontos para acionar o alarme que coloca todo o meu organismo em defesa.

De longe eu assisto o teu sono querendo que este fosse meu, mas preciso me contentar com a tranquilidade da tua expressão num sonho leve. Enquanto o dossel te proteger durante a manhã, eu vou permanecer na poltrona. E amanhã vai amanhecer de novo, porque é assim que acontece todos os dias. Mesmo que chova aquela chuva que vira o meu dia em noite; o teu dia é sempre claro, e eu amanheço nele quando vejo os teus contornos nos meus braços.

sexta-feira, agosto 13

Redoma

Sabia que a qualquer momento ela entraria por aquela porta e largaria-se nos braços dele, sem forças e nem vontade para recomeçar a discussão. Sabia que ela não era de guardar rancor, e queria acreditar que aquilo tudo fora coisa pequena, sem importância pra ninguém, e fraca para estragar as coisas...

Mas do que mais tinha certeza era de que mentir pra si nunca o fez ir além em nada, e todas as mentiras que contara para ele mesmo corroeram as relações humanas que tivera. Por um momento pensou em abrir a janela e deixar que o vento derrubasse seu castelo de cartas, impedindo que mais um "conto num reino distante" começasse a desenrolar-se na sua cabeça. Mas era tarde, pois ele já começara com o "era uma vez" e agora sentava-se, paciente, de frente para a porta, com ambas as mãos repousando sobre as pernas e os pulmões sorvendo vagarosamente o oxigênio, com toda a calma que a espera para o retorno da princesa exige. Com toda a calma de quem tem a vida inteira para dedicar a esta espera. Com a calma de alguém que esteve sempre preso num desses castelos de papel.

Com o desespero de uma consciência adormecida frente ao imaginário surreal. Sabia que a qualquer momento ela desapareceria de vez do seu castelo, e confundiria-se com uma rainha de espadas; sem o "felizes para sempre".

sexta-feira, agosto 6

Que deixasse incendiar - Postagem Temática

Se o contraditório for necessário ele está disposto a aceitar. Se for preciso queimar sua zona de conforto e mergulhar de cabeça em tudo que disse que jamais faria, então ele ficaria completamente submerso e nem ligaria pra reação das pessoas. Ela estava ali, entregue à deriva, e nem a apatia que normalmente o acompanha poderia resistir àquela cena.

Enxergava-a poucos metros de si, de braços estendidos para ele e com aqueles olhos de moça desprotegida, com medo. Com os braços estendidos de quem pede por colo e com os olhos cheios de tudo que ele mais desejava. Frágil. Havia uma sentimento mais forte do que outro que ele já vira; tinha fogo. Era mais que mero capricho; era vital. E ele a via tão perto que podia sentir aqueles braços em torno do seu pescoço, prendendo-o à sina que era aceita de bom grado, com os mesmos olhos marejados e ao mesmo tempo em chamas. Era a metamorfose de quem se descobre perdido e deixa de procurar o caminho de volta: traçava ali um novo rumo para a vida que considerava encerrada, e para a moça que parecia depositar tantas esperanças num transeunte.

Se o contraditório for necessário, ele passa por cima da sua atmosfera protetora e rompe as barreiras do seu universo seguro, e sem que pense muito para não mudar de ideia, permitirá que qualquer tipo de sentimento seja despertado por aquela estranha de olhos desprotegidos e pele [ele imagina] escaldante. E a estranha talvez o descarte depois de satisfeita, e talvez o prenda pra resto dos tempos, e talvez nem mesmo o aceite por um minuto e prefira continuar à deriva até que outro passante lhe seja mais atraente. Mas talvez aqueles olhos estejam, mesmo, procurando por algo dentro dele que lhe sirva de abrigo e esteja disposta a preencher os buracos daquele coração enrijecido.

Então aceita a contradição e lança o fogo na barreira que protegia sua sanidade emocional a tempo de enlouquecer o ritmo de seu batimento cardíaco e ser dominado por aqueles braços e olhos; e agora também pernas e mãos, e boca. Ele que disse que nunca deixaria a vida lhe acometer agora padecia por uma sensação intensa. Por uma loucura pungente. Pela vivacidade do prazer pela insegurança do acaso.

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Esta postagem faz parte do Postagem Temática, do Blogsintonizados. Nessa edição comemoramos o aniversário do projeto e por isso, se você acessar lá pra conferir as postagens dos demais participantes, verá que cada um está com um tema diferente. Dessa vez, cada um sugeriu uma frase para iniciar a postagem de um colega, os temas foram sorteados e eu fiquei com a sugestão da Amanda Ramalho: "Se o contraditório for necessário...".
Acessa o Blogsintonizados e espia quais foram as outras frases sugeridas e o que o pessoal andou escrevendo. : )

segunda-feira, agosto 2

Avesso

Era calor quando fazia frio e, apesar de alto, estava no chão. Não tinha motivos e temia pois o sol estava a pino quando o quarto mergulhou em breu. Não estava ali no momento que deveria e agora assistia a tudo passar a metros de distância. Seria mais fácil deixar que se fosse e então tentar por si só, em uma outra forma de felicidade possível construída pelos que eram deslocados do curso normal das coisas. Não, não seria mais fácil, mas era a opção viável.

Era ele, como sempre, esperando pela janela se abrir e esfriar o quarto que o cozinhava, pondo fim ao seu inferno pessoal. Era aquele fio de esperança movendo-se dentro das suas veias, espalhando energia até o cérebro, que insistia em mandar nenhum comando que o fizesse sair do ambiente viciado dos seus medos. "Seria mais fácil fazer como todo mundo faz", como disse a canção, mas ele sabia que esse caminho não era pra ele.

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Créditos: "Outras frequências" - Engenheiros do Hawaii (Composição: Humberto Gessinger)

domingo, julho 25

Pista

Ela dançava por intermináveis horas. A música não importava; dançaria qualquer uma. Sentia o chão vibrando sob seus pés e era isso que queria: sentir o corpo inteiro vibrando junto com cada nota. Queria sacudir a cabeça e lançar os cabelos em todas as direções; queria espalhar o perfume deles em todos os olhos que a observavam, que a desejavam, e até naqueles que a ignoravam falsamente. Mexia o corpo com a liberdade de quem não se preocupa com sapatos, saias e blusas decotadas. Dançava como quem não tinha nada para deixar pra trás, exceto uma alma.

As luzes artificiais a seguiam na pista, por cada centímetro de corpo visível. As luzes brilhavam como se brilhassem por si mesmas. Era apenas o começo da festa.

quinta-feira, julho 22

Carolina

O velho estava sentado naquele banco há pelo menos duas horas, quando eu saí de dentro da cafeteria. Estava começando a escurecer e o dia gelado anunciava uma noite mais fria ainda. Não que ele parecesse doente, mas o velhinho de cabelos mais brancos que o papel da comanda em que eu anotava os pedidos dos clientes não devia ter uma saúde de ferro, também. "A idade deixa a gente mais vulnerável", como dizia a minha avó, e eu pensei que talvez ele tivesse dormido e esquecido desse detalhe.


Saí da cafeteria, ainda de avental e cabelos presos, para tomar um pouco de ar e fumar um cigarro antes que meu chefe voltasse pro turno da noite e me fizesse atender mais mesas do que eu dava conta, e sentei-me ao lado daquele senhor. Era mais velho do que aparentava seus cabelos; a pele e as rugas no rosto indicavam muitos anos de experiência. Ele me olhou e sorriu um sorriso de avô que olha pra netinha dando seus primeiros passos, e me perguntou como me chamava. Respondi, educada, e continuei fumando meu cigarro. Ele continuou me olhando e tornou a falar.

- Sabe, eu tive uma filha. Ela tinha o mesmo nome que você. Mas agora seria mais velha; teria idade para ser sua mãe, talvez. Mas ela nunca teve filhos, e eu não tive outros... Ficamos só eu e ela quando minha mulher se foi. Éramos amigos, sempre nos demos muito bem, mas um dia ela resolveu que não podia mais ficar comigo, porque não queria me ver morrer. Disse, assim, seca: "é melhor enfraquecer os laços pra que quando eles se romperem ainda sobre vida para o outro". Eu nunca pensei que ela tinha medo que eu morresse, mas ela tinha. Tinha muito. Saiu de casa aos 18 anos e mandava notícias de vez em quando; até me visitava quando podia. Ela enfraqueceu os laços, sim, mas só pelo lado dela. Eu ainda espero pelo dia que ela vai entrar pela porta da nossa casa velha, me trazendo um abraço saudoso e um beijo para depositar na minha testa.

O meu cigarro acabara em seguida que ele terminou de falar. Percebi que ele não me olhava mais, e que parecia incomodado com a minha companhia. Não quis parecer rude, e pedi licença para voltar pro trabalho. Levantei e o velhinho falou ligeiro:

- Não vai acontecer. Mas um dia eu a encontro.

e sorriu aquele mesmo sorriso do começo, como se não tivesse acabado de falar. Ele estava sentado há mais de duas horas, com duas rosas nas mãos e uma lágrima no olho. As rugas pareciam mais fundas e os cabelos ainda mais brancos, desde que eu sentara ao lado dele. E agora, estando de pé, pude ver que ele parecia também mais curvado. Ele olhava para as rosas com um tristeza que chegava a murchá-las, com a dor de quem sabe que não podia fazê-las recuperar a cor vívida que possuíam. Com os olhos de quem passou por mais do que aguentava e com a vontade de atar os laços novamente. Ele olhou pra mim e aquela lágrima do olho escorreu até o queixo.

- Mas não vai acontecer.

Não sei se pelo nome semelhante ao da filha, ou pela pena que ele me fez sentir, mas abracei o velho e beijei-lhe a testa. Ele me respondeu com um doído "Adeus, Carolina".

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Não pude encontrar os créditos da imagem... só sei que Google Imagens a mostrou em resposta para "velho banco". =)

domingo, julho 18

Suspiro

Quando ela acordou viu que não tinha mais por que ficar. Parecia que todos as suas aspirações eram meros detalhes de alguma coisa maior, que por estar tão longe do seu alcance permanecia sem fazer sentido nenhum; percebeu que as coisas estavam fora da ordem usual, e que isso já não importava mais.

Ela continuava pintando as flores cinzas de branco, vermelho, e roxo... e usava até o amarelo, de vez em quando. Ela continuava pintando as flores do seu próprio jardim, e então viu que essas não estavam mais lá. Mas isso também não importava, pois ela já deixara aquele lugar há algum tempo.

Havia partido; partira sentimentos também. E por não haver mais flores, pintava no peito um esboço de coração tão vermelho que não se sabia se sangrava ou se batia. Pintava traços de sobrevida.

sexta-feira, julho 16

For real - Postagem Temática, ou quase

Precisava de alguma coisa que mantivesse os seus pés no chão; há algum tempo a gravidade não conseguia cumprir essa tarefa. Tinha de encontrar algum tipo de qualquer coisa que o fizesse pensar em futuros possíveis, fazer planos concretos e tangíveis. De repente, suas ilusões não lhe bastavam.

Não queria mais saber de vícios saudáveis. Não queria mais vício nenhum. Queria ouvir música porque gostava, ler livros porque se divertia, conversar porque queria; cansou de se cansar com as pessoas e consigo mesmo. Não queria mais saber do vício do cansaço sem propósito. Não queria mais saber de tudo que fazia parte do seu conflito interno, porque esse existia desde que se entendia por gente e percebeu que estava na hora de jogar coisas no lixo. Precisava fazer cortes na vida, deixá-la sangrar até que a toxina se fosse e então costurar as feridas abertas. Precisava que a gravidade fizesse seu papel e que isso fosse suficiente. Ele queria que o chão parecesse firme sob seus pés.

Seria mais um conflito pro seu íntimo. Talvez não existisse essa "coisa" e a busca era inútil. E talvez tivesse de ser feliz consigo mesmo.

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Eu sei que o tema da postagem era "do que eu não quero saber", o que implicava um "eu" no texto. Mas eu tenho a terrível mania de transferir confissões imaginárias para terceiros. O que não significa que sou eu ali em cima. Ou ele. Ou alguém. Ou que isso seja verdade/mentira.
Que seja. N'O (meu) Inacreditável Mundo cada um tira as conclusões que quiser.

Oferecimento: Blogsintonizados

domingo, julho 11

Partida ao meio

E então o mundo parou e ofereceu uma porta para a saída. Todos pareciam olhá-la com reprovação, observando cada movimento que dera desde que entrara no salão de festas. Ninguém se incomodava com o fato de ela não pertencer ao lugar onde estava. Preocupavam-se com o fato de nunca encontrar uma poltrona que a mantivesse sentada por mais de cinco minutos.

Ela nunca esteve à vontade cercada com aquelas paredes, e tudo que mais queria era botar o lugar no chão. Se possível, enterrá-lo. Queria destruí-lo, quebrar cada vidraça colorida e rasgar cada cortina empoeirada até não sobrar nada inteiro. O mundo que estava ali, rodeando-a com todos os inconvenientes e sufocando-a até não poder mais respirar, precisava sumir de uma vez. Quisera ela poder fechar os olhos e não encontrá-lo quando abrisse. Mas queria ver o que estava por dentro das paredes manchadas e por de baixo dos tapetes corroídos. O mundo ainda mantinha a porta aberta quando ela decidiu que estava de partida.

Mas antes, para que não se arrependesse, decidiu que encontraria todos os pontos apodrecidos daquele mundo. Decidiu que deixaria suas partes corrompidas ali, e tentaria reconstruir aquilo bem longe. Contudo, se desfazer de todos os estragos do seu íntimo levaria muito tempo. Deixou a festa, mas levou as lembranças.

sexta-feira, julho 9

Daqui pra frente.

Eu escolhi o investimento a longo prazo. Porque eu cansei de ver o meu dinheiro entrar na minha conta e sumir com coisas inúteis. Sumir por impulsos. Por bobagens. E eu, que tenho planos maiores que do que talvez seja capaz de conseguir, sempre procurava desculpas pra minha falta de controle.

Mas não mais. Eu tenho dito bastante isso ultimamente, né? Mas é porque eu preciso me convencer também. Sem mais esperas, sem mais desculpas; sem mais problemas fantasiados. A partir de agosto, as coisas vão ser diferentes.

Acho que já estava na hora de escolher alguma coisa e bater o pé. Sem ficar na dúvida e deixar que me fizessem mudar de ideia. Agora sou eu quem dita as regras da minha vida.

quarta-feira, julho 7

"Fables"

Ela soube desde o início que as coisas não aconteceriam do jeito que ela queria, simplesmente porque isso não funciona desse jeito. Ela levantou-se e começou, finalmente, a caminhada em direção ao que seria a tão esperada felicidade.

Mas desta vez sem ilusões. Ela andaria até quase chegar e então tudo ficaria mais distante. E ela não se importava, porque era assim que as coisas funcionavam. Não era para ser fácil. Nem merecido.

Sabia que vivia à mercê do acaso.


domingo, julho 4

Espelho

Eu quase acreditei em tudo aquilo quando olhei nos teus olhos. Eu podia enxergar toda a história diante de mim, cada palavra como um dado comprovado por todos os depoimentos possíveis e evidências encontradas; eu podia ver nos teus olhos o reflexo de mim.

E o meu reflexo era perfeito. Nítido, claro. Os teus olhos eram quase como um espelho e eu podia me enxergar lá dentro; dentro do teu mundo, sorrindo e sentindo de verdade tudo que tu disseste que haveria em mim. Era felicidade.

Eu vi o meu reflexo nos teus olhos e quase acreditei em ti. Se não fossem os meus olhos refletidos nos teus, e o meu sorriso quebrado estampado nos teus desejos, eu acreditaria que tudo se tornaria verdade. Mas os teus olhos refletiam a minha expressão vazia de mais pura alegria; exatamente do jeito que eu faço quando minto. E então era eu mentindo pra mim, dentro de ti.

E tu, comigo por dentro, sabias que eu nunca me deixaria enganar pelas minhas próprias palavras.

quarta-feira, junho 30

It's about those little things

E eu que pensei que um dia as coisas iriam se acertar, fiquei sentada esperando o tal do trem que vem e leva a gente da mesmice da vida de sempre. Mas o trem não passou hoje, nem ontem ou mês passado; eu fiquei esperando até agora.

Até agora. E não mais.

sábado, junho 26

Sem crime

Cem motivos pra largar as coisas como estavam se apresentavam diante dela. Não poderia mais perder tanto tempo naqueles lugares que nem eram reais... já passara da fase na qual não se tem preocupações de verdade. Pensativa, analisou cada linha de suas histórias e comprimiu os lábios; doeria apagar dois anos de memórias inventadas.

Suas realidades fictícias seriam simplesmente excluídas de sua vida, como se nunca tivessem existido; e elas nunca existiram, de fato, mas isso lá importava?... Ela jamais conseguiria esquecer tudo que vivera em seus mundos paralelos e sua pílula de felicidade instantânea não poderia ser, assim, jogada fora. Percebeu que os lábios comprimidos eram reflexo do coração, apertado só com a ideia. De todos os 100 motivos, nenhum lhe convencia a deixar pra trás tantas versões de uma vida.

Sem morte. O seu Mundo sobreviveria.

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Este é o centésimo primeiro post d'O Inacreditável Mundo. Já se foram 100 inacreditáveis realidades. Sem histórias por hoje.

quinta-feira, junho 24

Por inteiro - Postagem Temática

De mentiras convincentes não me ganhas, e de verdades imprecisas estou cheia. Em meia hora não quero ouvir meias palavras. E eu quero as frases inteiras, com os verbos no presente.

Eu não quero mais o saudosismo dos tempos inexistentes; eu não quero mais a ambição por tempos futuros e melhores. Quero agora, em meia hora, teus sentimentos confessados em orações completas.

De verdades enganosas a mentiras bem contadas ergueram-se muros tão sólidos quanto os meus castelos de areia. Em meia hora eu quero tudo por inteiro. Inclusive o tempo.

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Este post é um oferecimento do Blogsintonizados. O tema da vez foi "MEIA HORA". A minha sugestão para o próximo tema é a mesma da semana passada, JANELA, já que foi por pouquinho que não foi escolhida (vou tentar outra vez! xD).

terça-feira, junho 22

Novela da vida real

Eu tenho problemas tão grandes quanto minha impressão sobre eles. Aí está a grande questão: tenho certa tendência ao exagero, coisa que definitivamente não me ajuda em nada...

Talvez eu nem tenha problemas de fato. Só incomodações.
Só que já estou farta de fazer um papel; e tem quem diga que eu seria uma boa atriz... na ficção seria até divertido. Mas a realidade não é novela, e no final não dá mais pra mudar de papel.
Talvez já seja tarde.

Ou não.
Quem sabe.

sábado, junho 12

Sweetheart

Eu tinha nas mãos um coração de açúcar que não era meu. Nem podia, já que o meu é de algum material mais resistente, como pedra. Mas o teu era daqueles que melam a gente só com um pouquinho de afeição.

Eu tinha o teu coração na mão quando a chuva se fez presente em alguma das minhas realidades e acabou desmanchando o pobrezinho por inteiro... e eu vi os cristais de açúcar escapando-me por entre os dedos e não pude juntá-lo novamente. Eu deixei teu coração se desmanchar com uma gota e tu não conseguiste quebrar o meu nem com aquele teu martelo antigo. Eu tinha um coração nas mãos que, por ser de açúcar, se magoou com a chuva e partiu com a água.

Quisera eu que a minha pedra fosse doce e que a chuva fosse forte. "Água mole em pedra dura...", quem sabe...

sábado, junho 5

Cansamento - Postagem Temática

Ele segurava minhas mãos e olhava fixamente os meus olhos com uma ansiedade louca. Eu podia sentir suas mãos suando, tremendo. Um sorriso torto e nervoso se insinuava pelo canto da boca dele e eu não conseguia afastar os meus pensamentos desconfiados. Ele sabia disso porque olhava tão firmemente nos meus olhos que era capaz de saber o que passava na minha mente; por isso, ele torcia pra que eu ouvisse o coração. Pelo menos o dele, que batia tão rápido e forte que parecia pular pela boca a qualquer momento. Ele então me prendeu as mãos e sua expressão foi mudando lentamente: acho que se deu conta de que eu começava a ficar com medo daqueles olhos nervosos pelos quais me cuidava. Postou-se sério e atento quando então me fizeram a pergunta:

- Mary Liss Theodor, você aceita este homem como seu legítimo esposo, para amá-lo e respeitá-lo na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe?

Naquele exato momento, quando ele prendeu a respiração e o padre fez cara de espanto com minha demora, eu soube que eu nunca conseguira fazer as melhores escolhas pra minha vida; entretanto, dizer sim não faria dessa a primeira vez que eu acertaria.

Ele, por um momento, apertou minhas mãos como se tentasse me trazer de volta para a realidade e mudar minha resposta. Mas em seguida afrouxou o aperto até que fosse um simples toque, porque percebeu que não seria suficiente para por juízo na minha cabeça. Eu não nascera para casar, era o que eu sempre dizia pra ele quando éramos namorados; mas acho que ele nunca me levou a sério.

Podíamos ter sido felizes como amantes pro resto da vida. Mas as pessoas gostam de complicar as coisas com esse tal de casamento. Não comigo.

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Esse post é um oferecimento do Blogsintonizados, que promove o Postagem Temática idealizado pelo Rafael Glória. O tema dessa edição foi CASAMENTO. Minha sugestão pro próximo é Janela.

segunda-feira, maio 31

Para o futuro

Sabe, hoje eu olhei pra ti e me lembrei de tudo que passou. Quanta coisa, ? O que me dói é lembrar que ficou pra trás um pedaço (que era tão grande) de mim e que, nem se eu quisesse, vai voltar a ser o que era. Mas eu estou aqui, não estou? Então significa que eu aprendi a ser eu de um jeito diferente.

Apesar de ser sem aquele pedaço. É como tirar a vesícula, ou um rim... a gente pode viver sem. Mas eu só queria mesmo ser do jeito de antes. Não igual, mas com aquela essência.

Procura-se doador de si.

sábado, maio 22

Valsa

E naquele momento, depois que todos havia comido e conversado, havia o silêncio dançando entre eles. Ele respirou fundo e corou antes mesmo de olhar pra ela, mas ela estava tão distraída que nem notou. Naquele momento, depois do suspiro e do rosto vermelho, quando o silêncio anunciou que era a hora certa, ele se levantou da cadeira e postou-se na frente dela. Novamente corado e agora quase sem respirar, tirou a caixinha do bolso do casaco e a abriu:

- A gente já tinha conversado e já estamos comprando a nossa casa, mas eu quero fazer tudo direito. - ajoelhou-se, então - Casa comigo?

Ela corou mais do que ele e perdeu o ar que puxara. O sorriso estragou a brincadeira que pensou em fazer e entregou sua resposta antes mesmo que pudesse pensar em responder. O anel servira perfeitamente. A vida que escolhera parecia servir perfeitamente. A alegria dançava no lugar do silêncio; seus olhos brilhavam e acompanhavam a melodia.

domingo, maio 16

Dreamcatcher

Sonhou com o pai e com a mãe. Estava sentado na poltrona que costumava ficar ao lado da janela, olhando seus pais conversarem na cozinha. Discretos, silenciosos; tristes. Ele levantou e foi para o quarto, enquanto ela enterrou o rosto nas mãos e engoliu o choro bravamente. O pai saiu do quarto com uma mala grande, quinze minutos depois que entrara; a mãe ainda estava imóvel, sentada na cadeira rosada que combinava com a mesa.O pai deu um beijo na testa do guri, com sete anos na época, largou um punhado de dinheiro na mão dele e disse que ele não ficaria nunca sozinho. Saiu sem olhar pro rosto escondido da mãe.

Ele então acordou, agora com 35 anos, deitado na cama do hotel que encontrara primeiro na estrada. Olhou pra fotografia dos filhos e da esposa que trouxera junto, antes de sair de casa com a sua mala. Olhou pra imagem do filho, com oito anos, e da filha, com 5, e desejou não ter ouvido a esposa dizendo que ele não era um bom pai. Enxergou seus pais tristes na cozinha e não quis que seus filhos lembrassem dele desse jeito.

Pegou a mala e saiu.
A caminho da cozinha, onde agora estaria com a esposa e esperava vê-la sorrir quando entrasse. Ele não os deixaria sozinhos.

domingo, maio 9

Sentidos - parte II - Postagem Temática

As mãos dela estavam geladas a ponto de arrepiar o corpo inteiro; a escaldante pele dele não era o suficiente para aquecê-la e fazê-la querer aquilo também. Ela não queria mesmo.

Tentou enganar o pobre coitado com as artimanhas de sempre: deixou que pegasse seus cabelos e tonteasse com seu perfume para então apertá-lo contra o peito só para sentir o coração dele disparando, enlouquecido, e depois olhá-lo firmemente nos olhos e, sem oferecer resistência, deixar que ele a pegasse no colo e a levasse dali. Mais uma vez, seria dele por uma noite inteira, na qual nem mesmo os cobertores poderiam aquecer o coração congelado que bombeava sangue frio por suas veias; coração este que nunca derretera por ele.

Há um ano desistira de forçar o processo de degelo; há dois contentava-se com o esforço dele em ser o que ela precisava. Naquele exato momento tornava-se sua futura esposa.
Desistira de encontrar sua praia ensolarada nos braços de algum qualquer. Viveria em constante inverno.

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Este post participa do projeto Postagem Temática. Para saber o que mais foi postado com o tema desta edição, FRIO, acessa o Blogsintonizados; lá tu também descobres o que é o projeto e como tu podes participar.
Minha sugestão de tema para a próxima edição é PRESENTE, sugestão esta que foi dada por mim na primeira edição do Postagem Temática, ao fim do post A minha máscara.

sexta-feira, maio 7

Sentidos

Ele não sabia direito o que fazer quando a tomou nos braços; sentia sua pele arder ao menor contato com a dela e já há muito tempo perdera a noção de certo e errado. Com os cabelos dourados espalhados nas suas mãos, o perfume dos fios dela impregnava seus pulmões: já não podia admitir a existência de qualquer outra coisa ou pessoa dentro daquela sala. Eram só os dois. Seriam somente seus sentidos inebriados satisfazendo-se dela.

E seria a noite inteira.

segunda-feira, maio 3

Da torre da rua 9

Sabe aquela torre da rua 9? Pois é, te lembra que, quando nós éramos crianças, costumávamos ficar olhando lá pra cima até ficar tontos e depois deitávamos no chão, ao pé da torre, imaginando como seria pular lá de cima? Eu lembrei disso hoje, quando estava passando de bicicleta ali pela frente... desde que eu me mudei nunca mais havia voltado aqui; faz tanto tempo.

Mas hoje eu a vi de longe e mudei minha rota só pra passar por ela. Afinal, não sei quando vou voltar a vê-la: já faz 15 anos desde a última visita, eu precisava estar aqui de novo. E cá estou; e confesso que queria que a minha ideia de voltar aqui tivesse sido transmitida pra ti, e a gente por acaso se encontrasse. Talvez tu até estejas aqui. Quinze anos mudam as pessoas.

Mas então, lembra da torre da rua 9? Pois deixa eu te confessar: hoje eu não só passei por ela, eu subi. Eram lances e mais lances de escada que nós subíamos aos pulos, correndo, mas agora já tem até elevador... Eu subi de elevador porque 15 anos são suficientes pra acabar com o vigor físico que se tem aos 12. Tudo bem que eu não sou nenhuma velha acabada aos 27 anos, mas andar de salto e ficar mais tempo sentada do que de pé levaram embora minha disposição pros lances e mais lances daquela escadaria.

Ok, que eu subi a torre não é nada que se tenha que confessar. O que eu confesso é que eu quis pular. Eu lembrei da gente lá embaixo imaginando como seria e quis finalmente descobrir... Eu fui até a beiradinha e senti o vento gelando meu rosto (que provavelmente já estava pálido); o coração disparou e as pernas começaram a amolecer... mas, como tu sempre disseste, eu sou covarde. Eu me mantive covarde.

É engraçado como 15 anos realmente mudam as pessoas, mas sempre tem aqueles pequenos detalhes que nunca vão estar diferentes: eu vou continuar levando a minha vida atrás da covardia que tu fazias questão de me jogar na cara, e tu vai ser sempre lembrado pela audácia e falta de juízo que sempre te acompanharam.

Eu não fiquei surpresa quando me ligaram naquela noite, há 15 anos atrás, dizendo que tu descobriras como era a sensação do vento na cara e do frio na barriga; no fundo, eu sabia que um dia tu descobririas. E eu aposto que fizeste por diversão. Vieram me perguntar se eu sabia se tu estavas em depressão ou alguma tristeza profunda, e eu ri deles. Eu te conhecia o suficiente para saber que tu fizeras aquilo pra dizer pra mim que tu não tinhas medo de nada: nem do pulo e nem do impacto...
Dizem que se morre do coração antes de chegar lá embaixo, então eu sei que tu morreste rindo da minha cara.

segunda-feira, abril 26

Mudando

Novo layout para atrair coisas novas.


Não me pergunte que coisas são essas, ok?
Boa semana.

sábado, abril 24

"As coisas como são" - III

Tem dias que todas as casas nas quais você bate estão vazias, e as pessoas na rua apontam sempre pra mesma placa.

Acontece que você já sabe de cor o que está escrito na tal placa, e as casas estão desocupadas há alguns anos. Então você se pergunta de quem é a culpa, mas não sabe se o problema é bater sempre nas mesmas portas ou se recusar a entender o que dizem as placas.

De qualquer forma, no fim das contas, só existe um culpado.

terça-feira, abril 20

Trago e troco

Que eu já bebi o suficiente, eu sei. Você não precisa me dizer, não. E também não me olha assim; você bem sabe que isso não vai me fazer sair andando e tomar o rumo de casa... até posso, mas vou é tomar o rum que tenho em casa. Já é tarde e os bares estão fechando. O garçom deve me odiar, agora.

Mas então, como eu ia dizendo, até me perder em fatos futuros, você não precisa ficar controlando a minha vida. Está entendido? Eu sei que já bebi bastante, mas estou totalmente sóbrio, não está vendo? Eu estou sim. Eu estou sim... Sei que estou. E é por estar que eu digo isso: não quero mais você bisbilhotando minha vida assim. Não me interessa se é pro meu bem. Você já tirou o que eu tinha de bom; me tirou o lugar na cadeira ao seu lado nesse mesmo bar e deu pra esse marmanjo esquisito aí. É com ele que você vai brigar agora, não comigo; ele é o seu bêbado-problema porque é você quem vai ter de levá-lo pra casa depois de uma noitada. Eu posso até cair por trocar as pernas, mas o meu corpo são os mendigos da praça que vão carregar, isso se tiverem pena; se não, alguém vai me largar do lado de fora do bar e pronto, fico por aqui mesmo: me poupam o trabalho de andar até aqui de novo, amanhã. Eu não sou mais o seu problema.

O garçom me odeia agora. Mas só agora, porque eu já não tenho mais dinheiro pra pagar-lhe a gorjeta. Amanhã eu volto e ele vai me adorar novamente. Amanhã eu trago mais dinheiro e ele me traz mais trago. E se quiser, pode beber comigo o rum que tem na minha estante. Beber sozinho é triste, e eu não estou triste. Triste deve estar esse marmanjo aí, que vai ter que te aguentar falando o tempo todo e ainda suportar a dor de cabeça da ressaca. Há! Ele, sim, deve estar triste agora.

O bar vai fechar e eles querem que eu saia... Hoje eu que pago o trago e o marmanjo pega o troco. E está tudo bem; pego meu rumo e tomo meu rum. Ele, coitado, vai contigo. Eu não queria ser ele amanhã.

segunda-feira, abril 19

Escorregadias - Postagem Temática

As palavras que eu te disse, por favor, esqueça. Eu não pretendia falar aquilo, mas na hora eu não pensei nas consequências. Eu sei, foi meu o erro de novo... mas eu estou tentando repará-lo agora. Me escuta.

Não é que eu não quisesse falar; não, eu não queria, não naquele momento... mas só porque eu não queria não significa que foi mentira. Mas é que tu me olhaste com aquela luz nos olhos, sabes? Aquela que ilumina o meu dia inteiro, que eu sempre procuro no fim do meu túnel. E essa luz me encheu de coragem e eu não pude conter... as palavras simplesmente escorregaram da minha boca. E eu disse que te amava também.

Mas então, me desculpa. Não me julga, por favor. Eu só não estava certa de que era hora de te dizer aquilo; e eu tive medo, como sempre. Eu sempre tenho. Mas eu sei que tu não tens e vais me ensinar a não ter também. Um dia, eu digo aquilo de novo e tu vais poder ver a luz dos teus olhos refletida nos meus, no lugar da sombra que vaga aqui por dentro.

Eu juro: um dia eu ainda repito que te amo.
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Essa postagem é um oferecimento do Blogsintonizados e faz parte do projeto Postagem Temática, idealizado pela Rafael Glória.
O tema desta edição foi: PALAVRAS
Sugestão para a próxima edição: Frio

terça-feira, abril 13

"As coisas como são" - II (na minha opinião)

Sabe o que mais me incomoda? Quem se faz de coitadinho e ainda acha que tem razão.

Isso é o cúmulo da cegueira moral.
¬¬'

sábado, abril 10

"As coisas como são" - I

Prometo minha postagem sobre o tema Palavras em breve; é que a coisa está meio corrida nesse fim de semana, e eu não posso deixar de ir ao jogo do Inter. xD

Esse post é só para expressar minhas conclusões sobre o churrasco de ontem, com os amigos do trabalho: é cada coisa que vou te dizer... entre cervejas, caipiras, misturas, tapas, xingamentos, risadas e "chamamentos de Hugo" (se é que você entende o que quis dizer) você conhece o lado desconhecido dos seus colegas de serviço, e, sinceramente, NÃO PODE deixar de folgar em todos eles depois.

Como já disse a minha inocente colega (de trabalho, área e nome) Gabriela, foi tenso.

Sem mais comentários.

sábado, abril 3

O filho da puta

Quanto valeu todo esse tempo que me prendeste a ti sem nunca confessar? Migalhas, centavos (nem isso). Me valeu uma eterna dúvida, sem saber se eu fora enganado ou se mentia pra mim mesmo... no final eu sabia que alguma coisa estava errada entre nós dois. E que agora são três.

O pequeno nasceu eu eu não tive coragem de segurá-lo no meu colo; ainda. Não parecia meu. Não parecia comigo. Parecia com o joelho daquele cara que jogava futebol todos os sábados de manhã com a galera do escritório, o que tu gostavas tanto , lembra? Aquele que tem os olhos claros que nem os da criança e que era sempre muito apressado; e desonesto. Sabia que ele teve um caso com a mulher do Toni? É, teve sim. Depois daquilo ele nunca mais jogou com a gente, mas sempre nos víamos nos corredores e nos jantares da empresa. Te lembra que tu adoravas a companhia dele? É, eu sei que tu gostavas, sim. Ria tanto com aquelas piadas sem graça que ele sempre contava que parecia uma menina descobrindo-se mulher. Eu vi o jeito que tu olhaste pra ele. Pensava que não? Eu vi sim.

O guri é forte, nasceu pesado. Mas é loiro e tem olhos claros. Os mesmos olhos claros que te olhavam naquela noite do jantar de aniversário da esposa do meu chefe, que te seguiam pelo salão, que te engoliam, por vezes na minha cara. Na minha frente. Aquele cretino nem disfarçava. E eu sei que tu sumiste por mais ou menos meia hora, e voltaste ao mesmo tempo que ele apareceu ajeitando a gravata. Aquele filho da puta. Eu não vi, mas eu sei. E tu nunca me disseste se era verdade ou mentira; nunca te deste o trabalho de argumentar contra. Tu merece o mesmo xingamento que ele; mas eu respeito a minha sogra.

E agora somos três. Se fôssemos quatro, teríamos um problema. Aquele desgraçado não quis nem ficar pra saber se o filho era dele mesmo; eu não vou fazer teste nenhum. Eu vou criá-lo, e vou ser o pai porque pai é quem cria. E tu, mulher infiel, vais me assistir ser o melhor pai do mundo e vais te arrepender a cada dia por ter caído na lábia daquele maldito.

O meu filho é forte e tem olhos claros. A minha mãe disse que achava que minha bisavó tinha olhos claros. Então ele é meu filho. Eu descubro alguém de cabelos dourados na família, que é pra não ter mais dúvida. E se de corpo não parecer comigo, a personalidade vai ser igualzinha; e eu vou ensiná-lo a perdoar, porque se não ele não vai aceitar a mãe que tem.

Eu não vi, mas eu sei. E tu nunca disseste que não.

sexta-feira, março 26

Emudeceu - Postagem Temática

Foi tudo que sobrou... Garrafas vazias, pontas de cigarro e essas lembranças que nunca se calam. O meu apartamento está cheio do silêncio que você deixou aqui; quisera eu que minha cabeça estivesse assim também.

As garrafas eu quebrei. Elas insistiam em refletir o seu rosto, e eu podia jurar que elas tinham engarrafado o seu perfume também. Não pude controlar; as fiz em pedaços. As pontas de cigarro eu fumei até o fim, até se desfazerem nos meus dedos e exalarem aquele cheiro que eu tanto odeio...

Fiquei com as cinzas. E o silêncio dos seus lábios mudos e dos seus olhos loucos, insanamente vidrados com a proposta que eu fizera; vidrados de medo, por repulsa, por não conseguir pensar tão rápido quanto o impulso de sair correndo. Não conseguiu pensar; nunca tive resposta. Saiu correndo e selou a porta atrás de si.

Eu fiquei com as cinzas. Com os pedaços. Com o as lembranças infelizes do dia em que te pedi em casamento. Com maldito silêncio enchendo os meus ouvidos. Você devolveu tudo que eu ofereci, sem dizer uma única palavra.

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Este conto faz parte do projeto Postagem Temática, proposto pela Rafa Glória. Para saber o que mais aconteceu nesta edição, acesse o Blogsintonizados.
O tema da vez foi SILÊNCIO.

sugestão: Palavras

terça-feira, março 23

Dois Anos

Hoje, dia 23 de Março de 2010, O Inacreditável Mundo completa 2 anos de vida. Foram dois anos de postagens variadas, desde aquelas que falavam de nada em especial, falavam dele e dela, só dela, só dele, de ninguém e de todo mundo ao mesmo tempo; dois anos vividos de uma forma diferente dos que eu vivera até então.

Parando para pensar nas variadas vezes em que pensei em excluir este blog, me dou conta do quanto eu teria sentido falta disso aqui... Manter um blog é uma experiência acima de tudo divertida e construtiva; aprendi a pensar de formas diferentes e como pessoas diferentes, aprendi a expressar as mesmas coisas de tantas maneiras!... e me diverti; e como.

Dois anos são mais muito mais do que eu pensei que este blog chegaria a ter. Gostaria de agradecer a todos que passam de vez em quando por aqui, que deixam comentários ou não; vocês não têm ideia do quanto eu me sinto bem sabendo que alguém gosta do que eu publico aqui.

O primeiro ano de vida do Inacreditável Mundo passou batido... mas eu sinceramente não tinha grandes coisas para comemorar. Foi no segundo ano de vida que este espaço ganhou leitores regulares e postagens regulares, afinal, no começo eu nem sabia direito o que fazer aqui. Mas agora que eu descobri, meus planos são seguir em frente e continuar descobrindo tudo que o blog pode me trazer de bom, de ruim, de lição; e eu vou aprender e evoluir, e postar aqui todas as ideias novas que chegarem na minha cabeça.

Quero agradecer também ao projeto Blogsintonizados idealizado pelo Rafael Glória, o Postagem Temática, que me acompanhou nesse último ano e que sem dúvida nenhuma contribuiu para o crescimento do Inacreditável Mundo.


Dois anos de surpresas e aprendizado se passaram. Que venham os próximos!
Obrigada a todos e até mais.

sexta-feira, março 19

Tempo de sempre

Fazia tanto tempo que as coisas eram daquele jeito que ele já nem se importava mais. Ela sempre saía às 7:30 de casa, colava um beijo na boca dele e virava as costas pro caos em que o apartamento ficava. Virava as costas, onde os cabelos lisos e volumosos repousavam impregnados com o perfume do travesseiro dele, e não voltava; até às 8 horas da noite.

Fazia tanto tempo que ela trabalhava o dia inteiro que ele já não se importava de ficar sem ela nesse período. Quer dizer, não que gostasse, já havia se conformado. Ela sempre voltava com um saco de papel pardo da padaria da esquina, trazendo pães e bolos, porque à noite achava melhor fazer um lanche (que era uma desculpa, porque não gostava de cozinhar). Ela, e as suas costas tapadas pelos cabelos tão sedosos que agora não cheiravam mais como o travesseiro dele, entrava pela porta com aquele sorriso tímido com covinhas de que ele tanto gostava. Ela entrava, todos os dias, às 8 horas da noite, e tornava o apartamento um lugar habitável de novo. Ele permanecia o dia congelado, só pra de noite ter todo seu calor disponível para aquecê-la. Ela era sua fonte de energia renovável e perfeitamente limpa.

Ele sentava no sofá e a observava largar o saco de pães na mesinha da entrada, tirar os sapatos de salto alto e desfilar pra lá e pra cá até que tivesse se livrado de tudo que carregara durante o dia. E então ele levantava, pegava o "jantar" e preparava todo o tipo de coisa que ela quisesse; desde que fosse sanduíche. Comiam juntos e conversavam, e dormiam juntos e se divertiam. E ele sabia que às 7:30 da manhã seguinte ele a perderia pro dia de novo, sabia que ela sairia com seus cabelos como companhia, eles cheirando a ele e voltaria com eles cheirando a ela; e sentia inveja deles.

Mas ele também sabia que às 8 horas da noite ela voltava. E então, seria ele e ela de novo. E tudo seria como era a tanto tempo, como sempre fora. Ele, ela, os cabelos e o apartamento; e as covinhas. Tudo como sempre seria. Até que às 7:30 da manhã chegasse novamente.

sexta-feira, março 12

Cristalizado

Ela jogou o coração de cristal pra cima e virou as costas; deu dois passo para frente e esperou. O barulho delicado causado pela quebra e o tilintar dos caquinhos indo em todas as direções era como um suave cochicho ao pé do ouvido: acabara.

O rosto dela refletido nos cacos maiores parecia competir por espaço por entre os cacos menores, que de tantos, eram como lágrimas caídas dos próprios olhos. Mas ela não chorava. Sorria um sorriso triste e aliviado; liberdade de corpo e alma era o que experimentava.

O coração, antes pedra e agora feito em pedaços, já não a prendia a nada. Alma leve, consciência limpa. Sairia em busca de sua felicidade.

sábado, março 6

Sem fadas, porque elas não existem.

O meu conto de fadas começa com eles sentados num balanço, daqueles das casas da árvore, com folhas enroladas pelas cordas como os cachos castanhos do cabelo dela enrolados pelos dedos dele. Num fim de tarde dourado, de um outono mais frio que o de costume. Era a última tarde deles.

O meu conto de fadas começa onde o deles termina; um sorriso torto, um choro contido, um abraço distante e um cumprimento amigável. Ela dizendo que não podia mais, ele aceitando com um suspiro arrastado... Uma última tarde de outono.

Naquele parque, onde o conto deles começara e agora chegava ao fim, o vento não soprava mais e já não tinha as flores da primavera. Não era o mesmo lugar, a não ser pelo endereço. Ela não usava, então, os vestidos alegres e ele não andava mais com a sua motocicleta. Eram dois.

O meu conto de fadas não sai da primeira cena. É a única que permanece depois de toda uma história; apenas a estranha sensação de que alguma coisa se perdeu, em algum lugar por entre as folhas enroladas na corda do balanço. O meu conto é sobre um mundo empoeirado de momentos congelados, exibidos na mesma prateleira dos assuntos pendentes e mal resolvidos. É sobre os passados bons tempos, nunca os presentes, e sobre os cachos castanhos nos dedos errados.

Ele acontece num reino não tão distante, que fica às margens de um lago profundo onde as dores e as frustrações são afogadas; mas não mortas. Um reino não tão distante, repleto de bons tempos passados, que alimenta seus moradores com as lembranças nostálgicas de um conto esquecido.


Era uma vez, nesse reino não tão distante, um punhado de cachos perdidos no vento.

sexta-feira, fevereiro 26

Retorno de Marte - Postagem temática

Me acorda com os teus gritos e me obriga a te encarar logo pela manhã. Começamos o dia de novo.

Ignora o que te convém ignorar e fecha os olhos. E os ouvidos. Mas a boca tu não fechas. Temos então o problema de sempre; de novo e de novo. Não sei onde isso te leva, mas eu fico cada vez mais longe de ti; por minha escolha. Mais um dia igual aos outros; é, de novo, o mesmo dia novo.

Retorno. Das tuas crises e da minha vida amarga. Retorno pro mesmo dia novo.


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Este post é um oferecimento do Postagem Temática, projeto idealizado pelo Rafa Glória. O tema desta edição foi RETORNO.
Sugestão de tema: o que te agrada