segunda-feira, agosto 23

"As coisas como são" - IV (estúpidas)

Porque a inocência foi deixada numa infância que já não dura mais depois dos 9 anos de idade. Essas crianças pseudo-adolescentes que nem ainda entraram na puberdade se revelam maliciosas e, aos meus olhos, perdidas.

Se elas ao menos soubessem a saudade que sentirão desse tempo sem responsabilidades e preocupações... Eu que tive infância (e uma boa) cresço saudosa, mas satisfeita. Já tem tanta coisa ruim aí fora, precisa antecipar todas as aflições de uma etapa que não lhes pertence?

Por favor, menina/menino, vai brincar de boneca/carrinho. Sério.

segunda-feira, agosto 16

Sol e chuva

Amanheceu de novo, como sempre acontece todos os dias. O sol ainda não saiu de trás do morro, mas o céu está claro o suficiente pra que eu vislumbre os contornos do teu corpo adormecido na minha cama, por causa dessa claridade que passa através das finas cortinas. E o raio de sol que daqui a pouco vai bater em cheio no teu rosto eu evito: o dossel cor de vinho da cama garante a continuidade do teu sono. Mas eu tapo só o lado onde bate a luz, porque pelo outro eu fico te observando da poltrona. Eu invejo esses teus olhos que se fecham sem culpa e essa tua consciência que se cala num estalar de dedos... quisera eu que a minha silenciasse por uma só hora, mas há uma tempestade constante aqui por dentro. As trovoadas não cessam e os olhos permanecem alertas, prontos para acionar o alarme que coloca todo o meu organismo em defesa.

De longe eu assisto o teu sono querendo que este fosse meu, mas preciso me contentar com a tranquilidade da tua expressão num sonho leve. Enquanto o dossel te proteger durante a manhã, eu vou permanecer na poltrona. E amanhã vai amanhecer de novo, porque é assim que acontece todos os dias. Mesmo que chova aquela chuva que vira o meu dia em noite; o teu dia é sempre claro, e eu amanheço nele quando vejo os teus contornos nos meus braços.

sexta-feira, agosto 13

Redoma

Sabia que a qualquer momento ela entraria por aquela porta e largaria-se nos braços dele, sem forças e nem vontade para recomeçar a discussão. Sabia que ela não era de guardar rancor, e queria acreditar que aquilo tudo fora coisa pequena, sem importância pra ninguém, e fraca para estragar as coisas...

Mas do que mais tinha certeza era de que mentir pra si nunca o fez ir além em nada, e todas as mentiras que contara para ele mesmo corroeram as relações humanas que tivera. Por um momento pensou em abrir a janela e deixar que o vento derrubasse seu castelo de cartas, impedindo que mais um "conto num reino distante" começasse a desenrolar-se na sua cabeça. Mas era tarde, pois ele já começara com o "era uma vez" e agora sentava-se, paciente, de frente para a porta, com ambas as mãos repousando sobre as pernas e os pulmões sorvendo vagarosamente o oxigênio, com toda a calma que a espera para o retorno da princesa exige. Com toda a calma de quem tem a vida inteira para dedicar a esta espera. Com a calma de alguém que esteve sempre preso num desses castelos de papel.

Com o desespero de uma consciência adormecida frente ao imaginário surreal. Sabia que a qualquer momento ela desapareceria de vez do seu castelo, e confundiria-se com uma rainha de espadas; sem o "felizes para sempre".

sexta-feira, agosto 6

Que deixasse incendiar - Postagem Temática

Se o contraditório for necessário ele está disposto a aceitar. Se for preciso queimar sua zona de conforto e mergulhar de cabeça em tudo que disse que jamais faria, então ele ficaria completamente submerso e nem ligaria pra reação das pessoas. Ela estava ali, entregue à deriva, e nem a apatia que normalmente o acompanha poderia resistir àquela cena.

Enxergava-a poucos metros de si, de braços estendidos para ele e com aqueles olhos de moça desprotegida, com medo. Com os braços estendidos de quem pede por colo e com os olhos cheios de tudo que ele mais desejava. Frágil. Havia uma sentimento mais forte do que outro que ele já vira; tinha fogo. Era mais que mero capricho; era vital. E ele a via tão perto que podia sentir aqueles braços em torno do seu pescoço, prendendo-o à sina que era aceita de bom grado, com os mesmos olhos marejados e ao mesmo tempo em chamas. Era a metamorfose de quem se descobre perdido e deixa de procurar o caminho de volta: traçava ali um novo rumo para a vida que considerava encerrada, e para a moça que parecia depositar tantas esperanças num transeunte.

Se o contraditório for necessário, ele passa por cima da sua atmosfera protetora e rompe as barreiras do seu universo seguro, e sem que pense muito para não mudar de ideia, permitirá que qualquer tipo de sentimento seja despertado por aquela estranha de olhos desprotegidos e pele [ele imagina] escaldante. E a estranha talvez o descarte depois de satisfeita, e talvez o prenda pra resto dos tempos, e talvez nem mesmo o aceite por um minuto e prefira continuar à deriva até que outro passante lhe seja mais atraente. Mas talvez aqueles olhos estejam, mesmo, procurando por algo dentro dele que lhe sirva de abrigo e esteja disposta a preencher os buracos daquele coração enrijecido.

Então aceita a contradição e lança o fogo na barreira que protegia sua sanidade emocional a tempo de enlouquecer o ritmo de seu batimento cardíaco e ser dominado por aqueles braços e olhos; e agora também pernas e mãos, e boca. Ele que disse que nunca deixaria a vida lhe acometer agora padecia por uma sensação intensa. Por uma loucura pungente. Pela vivacidade do prazer pela insegurança do acaso.

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Esta postagem faz parte do Postagem Temática, do Blogsintonizados. Nessa edição comemoramos o aniversário do projeto e por isso, se você acessar lá pra conferir as postagens dos demais participantes, verá que cada um está com um tema diferente. Dessa vez, cada um sugeriu uma frase para iniciar a postagem de um colega, os temas foram sorteados e eu fiquei com a sugestão da Amanda Ramalho: "Se o contraditório for necessário...".
Acessa o Blogsintonizados e espia quais foram as outras frases sugeridas e o que o pessoal andou escrevendo. : )

segunda-feira, agosto 2

Avesso

Era calor quando fazia frio e, apesar de alto, estava no chão. Não tinha motivos e temia pois o sol estava a pino quando o quarto mergulhou em breu. Não estava ali no momento que deveria e agora assistia a tudo passar a metros de distância. Seria mais fácil deixar que se fosse e então tentar por si só, em uma outra forma de felicidade possível construída pelos que eram deslocados do curso normal das coisas. Não, não seria mais fácil, mas era a opção viável.

Era ele, como sempre, esperando pela janela se abrir e esfriar o quarto que o cozinhava, pondo fim ao seu inferno pessoal. Era aquele fio de esperança movendo-se dentro das suas veias, espalhando energia até o cérebro, que insistia em mandar nenhum comando que o fizesse sair do ambiente viciado dos seus medos. "Seria mais fácil fazer como todo mundo faz", como disse a canção, mas ele sabia que esse caminho não era pra ele.

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Créditos: "Outras frequências" - Engenheiros do Hawaii (Composição: Humberto Gessinger)