quinta-feira, junho 28

Vivemos

Vivemos de abraços. De gestos e toques, e movimentos que condizem com o que dizem. Vivemos de abraços, frouxos e fortes, e apertados ou sentidos. Vivemos de trocas, de partes de vida compartilhadas e concedidas em abraços repletos e cheios de nós.

Vivíamos de abraços - de tantos braços; e alguns nos fugiram.


No entanto, vivemos ainda.


quarta-feira, junho 27

Dito e feito

A gente se apoia nas palavras. A gente confia no que nos dizem porque normalmente essa é a unica coisa que nos oferecem. E a gente acredita, sim. Só que tem quem não conhece o valor do que diz, e diz qualquer coisa. Diz sem intenção de cumprir. A gente se apoia nas palavras, mesmo assim.

A gente acredita em palavras porque gostamos de pessoas.
Só que nem todo mundo sabe o que diz.

domingo, junho 24

Aperto

Ela aceitou entrar na dança e abrir o coração para o estranho a para as coisas que não aconteciam na vida antes daquele dia. Ela resolveu dançar os passos descompassados do vazio de antes para então deixá-los sair de si. Dançou, girou, sorriu, cantou suas músicas a plenos pulmões para então aceitar a lágrima que escorria indiscreta pelo rosto. Felicidade demais vem acompanhada de coisa que dói; e ela não sabia como não dar bola para aquilo.

O aperto esmagava os pulmões, que apressadamente buscavam fôlego para a próxima música.

Ela entrou na dança e correu o salão inteiro. Ela abriu o coração para o estranho e achou que era certo ser idiota por uma razão sincera. Entrou na roda e, tão disposta, tirou os sapatos para que nada no corpo doesse e a fizesse parar. Ela tirou os sapatos mas ficou com o coração; ingênua, pensou que só o sapato fizesse doer.

Sentiu o aperto nos pés aliviando. Sentiu um aperto mais forte no peito, crescendo.

Ela entrou na dança e dançou as batidas intensas que não ouvia há anos. Quis escolher uma música quando o destino mudou a trilha e abriu a roda. O salão agora tem o tamanho do mundo. E o coração, ainda apertado, sente que não cabe mais naquele peito. Ela resolveu dançar a dança dos que se vão.


E está indo mesmo.


O estranho ainda lhe dói, mas não parece saber o que faz.


quarta-feira, junho 20

Dicionário pessoal - Definição II

É o tipo de coisa que tem nome e motivo; egoísta, exige consideração. Do tipo que não se deixa empurrar para o lado e simplesmente fingir que não está ali; é a presença da ausência - forte, e fria. É o tipo de coisa que se pode tocar, ainda que não tenha corpo, nem forma. É fato. E capaz de gelar a alma inteira, com apenas um sopro, de longe.


É saudade.
E das grandes.

terça-feira, junho 19

Do amanhã de agora

É como se o chão tivesse sumido de baixo dos pés e todas as outras coisas simplesmente deixassem de incomodar. Parece que, de repente, o universo se dividiu em dois; perfeitamente distinguíveis, eles dançam a dança dos que sorriem com todos os sorrisos que têm. É como se o presente estivesse com seus dias contados e soubesse disso.

É como se os dias mais absurdamente felizes e doídos estivessem por vir.

É sonho. É um pedaço do futuro que eu sempre quis. Mas é conquista que implica desapego. E vai ser preciso abafar um coração apertado de saudades o tempo todo; eu sei. Eu sei que nos últimos tempos eu trouxe pra minha vida as pessoas mais incríveis que eu poderia querer. E sei que eu não sou a melhor nessa história de desapego, também. Mas é assim mesmo que funciona: coisas boas custam caro. E isso dói. Mas vai doer por só um ano. Só um ano.

Só um ano. Observe.

É como se essa dor já começasse a doer aos pouquinhos, e soubesse que só tende a crescer. É um pedaço do futuro feliz e de todas as possibilidades que isso traz. Chega de amanhã.

segunda-feira, junho 18

Muda

Mudei de hábitos, de humores.
Segui andando e aceitei
sabores amargos 
misturados aos teus doces. 
Segui sabendo que nem sempre a coisa é
assim ou assada, ou acima
das expectativas.

Mudei de hábitos e humores, mudei de cores.
Mudei de planos, e mudei de dores.
Mudei sorrisos.


Mudei de amores.


domingo, junho 17

Perspectiva

Quando abriu os olhos percebeu que acordava num mundo que não estava ali no momento em que os fechara. Viu-se acomodada num jardim cor de vivo, em que possibilidades e desejos passeavam pra lá e pra cá. Quando abriu os olhos, enxergou as cores; ouviu o som do vento e sentiu de novo os pulmões repletos. Sentiu o próprio coração batendo, o sangue fluindo e os sonhos desenrolando-se das amarras que os prendiam no futuro.

Sentiu o próprio coração, o que era novidade.

Quando abriu os olhos percebeu que estava longe demais para voltar, e por isso permitiu-se continuar acordando para a vida que se mostrava em nova perspectiva. O mundo era outro, mas sabia que um dia voltava.


Se pudesse, buscaria do mundo velho alguns corações, e levaria consigo.
Imaginou se eles ainda bateriam por ela depois de todos os dias que se fossem.

quinta-feira, junho 14

Se fizesse

Se tu ao menos fizesses sentido, quem sabe que rumos aquilo teria. Quantas chances de usar meus melhores sorrisos, quantas vontades de usar as melhores versões de mim mesma. Quem sabe que meios eu teria para ver de novo nos meus dias as cores que há tempos desbotaram.

Quem sabe eu o teria. Se tu apenas fizesses sentido, eu faria todo o resto.


terça-feira, junho 12

Pretérito perfeito

Nós misturamos todas as bebidas do bar, e rimos da cara abobada um do outro. Nós sorrimos e andamos, trôpegos pela rua, sem medo dos carros que passavam acelerados ao nosso lado. Sem medo que eles passassem perto demais porque estávamos abraçados com força suficiente para impedir uma separação. Nós misturamos amizade e algumas cores, e até que saiu uma coisa bem legal. Mas sabe, nós misturamos bebidas demais.

Sabores demais. Das bebidas suaves às fortes, das misturas doces ao amargo da cerveja importada que tu mais gostava. Nós ainda vamos rir da cara um do outro, e quem sabe ainda passearemos abraçados, mas pra onde foram todas aquelas cores que usávamos para pintar os dias? Nós sorrimos e andamos, afrouxamos o abraço e agora os carros não ameaçam quebrar-nos; fizemos isso a nós mesmos.


Andamos trôpegos. Só que agora o efeito passou. Se foi a bebida, se foi uma bobagem... se foram sorrisos ou cores aleatórias, o fato é que os carros não nos ameaçam mais.

segunda-feira, junho 11

Da espera

Dessa espera me restou pó, alguma dor no peito, alguma saudade mal sentida. Desse tempo me veio frio, me veio vácuo. Da saudade vivida fiquei de mal, e pra ela disse que me cansei. Dela eu quis fugir, e corri pro pó que acumulou em mim - pensando que ele era espesso o bastante para me esconder da saudade. E pensei que assim me faria forte, mas quem se esconde não pode falar de força. Não pode falar de nada.

Dessa espera fiquei cansada, e da vida me fiz covarde. Fugindo aos poucos, pelos soluços de alguma coisa no peito que entalou na garganta. Que entalou e não desce. Dessa vida me fiz covarde, e corri de volta pro abrigo que me mantinha a salvo. Só que do abrigo restou o pó, um buraco no peito a uma saudade ressentida.

Daquele tempo me veio sombra, me veio só.

sexta-feira, junho 8

Sobreposto

Não sabia para onde aquilo deveria se encaminhar. Sempre havia aqueles momentos em que a sua confiança e esperanças num futuro bom se esvaiam... e se perdiam dela por um tempo. Ela já perdera a conta dos dias que tinham passado desde que o tal momento começara a valer. Mas daí algumas mesas viraram, sobrepuseram as sensações com a vontade de ser leve, e de repente ela se vira obrigada a acreditar em sonhos de novo; como se um pequeno fio de esperança estivesse começando a ganhar corpo. A ganhar motivos.

Algumas coisas encontraram o caminho de volta, e disseram que era hora de ela partir.

Chegara o momento de abrir o peito e deixar sentir. Não podia estancar a sinceridade que queria sair de dentro, e nem tinha vontade de impedir algumas incoerências de acontecerem. Não tinha a menor ideia de aonde aquilo poderia levá-la, mas preferiu acreditar que dessa forma ela talvez - e finalmente - chegasse a algum lugar.


Esperava chegar.
E esperando por isso, confiou no sorriso daquele estranho, e então perdeu-se de vez.

Foi, apenas.

Foi um erro, um beijo e um passado meio entreaberto. Um tropeço, uma deixa. Um me esqueça. Foi do tipo história que fica nas entrelinhas, nos entremeios. Foram beijos, erros e passados mal passados. Fantasmas de nós mesmos, vagando por vácuos de atenção. Havia meio, motivo e desejo. Mas foi um tropeço, um me esqueça e um que queira.


Foi mais me queira e agora te vira.



quarta-feira, junho 6

Dados de sorte

Andava tão pouco quanto a vida. E saía de casa todos os dias após jogar os dados e torcer para que caíssem com o seu número de sorte virado para cima. Torcia para que as coisas acontecessem de novo, para que então os sorrisos voltassem aos olhos. Andava sem perspectiva de futuro imediato; meio até sem presente.

Saía de casa todos os dias após deixar que a sorte ditasse sua rotina, e andava como quem perdia de vista algum vislumbre de felicidade. Não era para a casa dela que queria voltar.

Resolveu jogar os dados de novo.
Mas dessa vez preferiu não esperar pelo resultado.


domingo, junho 3

Noite

Vem dançar e desapega. Abre os braços e solta os cabelos; deixa o teu perfume tomar conta da pista enquanto tu danças de olhos fechados. Deixa que os outros olhos te olhem e as mãos te procurem puxar - mas não deixa que te levem. Vem dançar e desapega-te de ti mesma, desse teu corpo frágil e das tuas queixas. Abre os olhos e enxerga as luzes, e daí fecha-os de novo e esquece-te delas. É noite.

Solta o corpo e te mexe. E deixa que a batida bata por dentro. Deixa que a batida bata pelo coração que cansou, até que a noite termine e as tuas expectativas se confirmem frustradas. Mas daí vê se esquece. Deixa a batida bater em ti.


Vem dançar e desapega.