terça-feira, outubro 30

Objetivo

Sentia a força do próprio aperto. Sentia punhos pesados, unhas injustas; sentia o batimento em apuros e o sangue sumindo. Observava enquanto os pulmões trabalhavam exaustos, falhando efetivamente na ideia de trazer oxigênio e clareza para dentro. Clareza para fazer a soma das angústias que não encontravam espaço naquele peito comprimido.


Observava os punhos desobedecendo comandos. Destratando tratados. Sentia o coração preso num sem fim de respiro; num suspiro último prestes a ser dado.



Desligaria. Até não restar mais nada além do silêncio tranquilo de um coração estático.

quarta-feira, outubro 24

De manias e fatos

Ele tinha essa mania de não acreditar em mim. E tinha aquele jeito de quem gosta sem querer, de quem sabia que nada daquilo ia ter jeito de ser bom. Na verdade ele bem sabia que era bom, mas havia um quê de qualquer coisa que evitava que os braços dele me segurassem com mais força do que eu seria capaz de superar, se quisesse. Ele tinha essa mania de ser bom pra mim; e de me dizer absolutamente tudo que pensava - ainda que pensasse demais.

Eu não tenho fotos. Mas me ficaram as falas; as que diziam que nada de bom ia ter jeito naquela situação, ainda que depois os lábios contradissessem cada uma das palavras. Talvez essa distância tenha feito as palavras mais verdade.



Ele tinha essa mania de estar certo, também.
Fato é que eu queria ter guardado uma foto, pra olhar agora que já não dói.

sexta-feira, outubro 19

Adia

Tem dias que é isso mesmo. Assim; sem plano, sem fato. Sem eu deitada na cama, procrastinando a vida, e sem tu procurando as chaves do carro, correndo de volta pra rotina. Tem dias que a gente só fica; assim. Nesses dias a gente nem se mexe; e nem mete um na vida do outro. 

Sabe, eu gosto desses dias.

Sem fardo, sem ato. Sem roteiro atando nossas pontas num final mal amado. Ficam os dias de hoje pra amanhã; e pra depois de depois de amanhã, quem sabe, a rotina. Eu tenho dias de esquecer de fatos.
Tenho planos de me meter com a minha própria vida.



Tem dias em que a cama fica vazia demais enquanto tu procuras as chaves da rotina. Então deixa pra amanhã, vai.
Adia.

sábado, outubro 13

Onde volta

Assim se estranha, se esfria. Se deixa pra lá o que antes ficava vindo e voltando. De novo, pra gente lembrar que era bom - ou nem tanto. Assim se esquece, se troca, se pensa em tudo de novo. Onde foi que eu deixei de reparar nos detalhes?

Ficou pra lá, eu acho. Perdido no desenho torto de uma noite dessas. Dessas estranhas e frias que ficam indo e voltando entre a gente. E de novo, pra lembrar que nem tudo é esse tanto todo.


Onde foi que eu deixei de olhar para os lados?

segunda-feira, outubro 8

Das bobagens

Eu sei que é bobagem, então para de me olhar assim. Eu te disse que era desse jeito sem nexo, com toda a falta de jeito que me deram quando nasci. Não pedi, não. É bobagem mesmo e por isso eu nem 'tou te pedindo ibope; então deixa tu de ser bobo e larga esses olhos de mão. Por que não deita aqui comigo e deixa essas opiniões pra mais tarde?

Disse que sabia e que nem queria nada, mas daí também precisa confessar que não foi honesto. Não tenho pra te dar esse gosto pelo incerto, nem um abraço cheio de desprendimento. Quem sabe tu me prende na próxima?

Mas bem... quem sabe eu nem queira. Eu disse que sabia que era bobagem, então larga esses olhos vazios de afeto e me deixa te ensinar umas coisas.


A gente começa pelas coisas mais simples.
Pelas que a gente faz de conta que sente.


sábado, outubro 6

Intenção

Veio de dentro; estranho, fora de compasso. Dentro do meu espelho, do reflexo destorcido de uma imagem que eu nem reconheço. Veio de dentro de mim a vontade daquele estranho, fazendo querer sentir o aperto. Trouxe um espelho desfeito em cacos e me mostrou pedaços que eu pensei que nem existiam em mim.

Apontou pro peito e mostrou onde ficava o coração.



O dele.
Eu tinha deixado o meu em casa.

terça-feira, outubro 2

Cantado

Se meu plano fosse sério, seria chato de seguir. Sorrindo meio de canto; cantando sozinha um canto meio falho. Falhamos no refrão. Tinha um plano meio chato, que sem música perdeu o porquê. Tinha um sorriso de canto de lábio, mas daquela boca já não saía mais canção. Não ouvi mais a nossa música. Se meu canto fosse sério, seria raro. Se fosse inteiro, ao menos, seria calho.

Se sorrir não fosse falho, seria sorriso sério - dos que vêm de dentro da boca,
não da superfície do lábio.




[Acho que esqueci do nosso refrão.