domingo, outubro 27

Até um desses amanhãs, Inacreditável Mundo


Eu vou deixar o abajur aceso, para que você não pense que está sozinho. Não ria da minha cara, eu sei que você não tem medo do escuro. Como poderia, se sempre fez questão de manter as cortinas fechadas e todas as luzes tão fracas quanto possível. Eu sei que você lida muito bem com a escuridão, mas agora as coisas serão diferentes. 

Eu não vou estar aqui, dentro do quarto, te fazendo companhia.

Eu acho, inclusive, que quando for dia você devesse deixar um pouco de luz entrar. Sabe, eu gosto de visitar, mas esse cheiro de vida velha que tem aqui... é meio difícil de suportar. Não se ofenda; ok, escolhi as palavras erradas - mas você tem tantas palavras que, ainda que eu usasse uma mais suave, você me pegaria nas entrelinhas. Então é isso mesmo: deixa a luz entrar de vez em quando, e o sol vai te deixar como novo dentro de algum tempo. Eu vou dar uma passada, ver como estão as coisas, mas eu não vou mais entrar aqui todos os dias, como antes eu fazia.
 
Acho que você cresceu o suficiente, mas ficou mais escuro do que eu gostaria. 

Não seja bobo, não estou falando de cores. Estou falando do tom das tuas sombras; do gosto dos seus sentimentos. Você ficou mais escuro do que eu enxergava em mim, ainda que tenha andado comigo no meu "bright side". Eu acho que você precisa de um pouco mais de luz e ar fresco. Você precisa de um pouco mais de primaveras. Então eu vou deixar o abajur aceso, que é para ver se você se acostuma com a claridade. Ainda que de leve, sabe? 

Eu sinto sua falta, mas tem sido difícil aguentar seu gênio. Por isso fiquei sem visitar. Mas agora acho que as coisas vão se ajeitar, tão logo você deixe essa birra pra lá. E eu não te troquei, não. Eu só estou dando um tempo para nós. Vê se dorme um pouquinho, e descansa. Quando você acordar, o mundo vai estar bem diferente, e talvez ainda mais inacreditável, e daí a gente vai voltar a pensar juntos em tantas outras coisas.

Eu espero que o sono seja tranquilo.
E que em um desses amanhãs a gente encontre uma trégua, e encontre um ao outro de novo. 

[A gente sempre se equilibrou muito bem.]

sábado, agosto 17

Sobre faces

É feio? Sentir isso desse jeito não é bonito... eu sei. Mas vamos falar francamente aqui, porque ninguém é idiota:

quem é você para falar alguma coisa? 



Quem era você quando se apresentou para mim,
e quem é você agora?



segunda-feira, agosto 12

Nota XXII

Então eu peguei as palavras e delas me fiz liberta. Eu costurei um vestido novo com os pontos que eu tirei de mim; eu com as bandagens fiz laços, daqueles que amarram os cabelos - não daqueles que impedem os pedaços do nosso corpo de se descolarem um do outro.

Eu peguei as palavras e delas fiz poemas, porque poemas não precisam se explicar. Eu tirei os curativos, eu refiz os remendos de tal maneira que agora me pareço mais comigo mesma. Eu peguei meu projeto original e me refiz inteira.


Tu dirás que nem me reconhece.
E eu direi que isso é bom.



quarta-feira, agosto 7

Mas é hoje

Eu tenho um tanto.

Um manto,
um choro manso
um canto escuro
e outro claro.

Eu tenho um tudo

tão cheio,
tão meio.
receio
uma vida que veio.

Eu tenho um tanto de tudo,
hoje mais do que ontem e
eu tenho um tudo cheio de
tanto hoje, mais do que de ontem.

Um choro claro,
uma cantoria mansa.


Eu tenho um amor que não me cabia ontem.

Mas hoje é hoje.

segunda-feira, agosto 5

Do verbo "não"

Não, eu não vou repetir o teu nome; eu sei ele suficientemente bem. E sinceramente eu não gosto de dizê-lo. Me dá uma coisa ruim ainda... aquela coisa que eu não sei dizer se é indiferença ou só a falta de sentimentos bons. E, entenda, eu não gosto de sentir nada pelas pessoas.

Eu não sou dessas.

Então eu não vou dizer o teu nome, porque eu prefiro pensar que você não existiu na minha vida - é verdade. Eu prefiro acreditar que você foi produto de uma fantasia abobada e sem fundamento, uma coisa que não existiu de fato. Eu prefiro pensar que você é de mentira do que dizer o teu nome e perceber que o que vibra em mim é um vazio tão grande que já nem merece ser levado a sério.

Eu deixei de te levar a sério desde aquela primeira vez.

Então eu não vou repetir o teu nome. Eu não vou dizer um nada tão grande para que ele se ache  no direito de me preencher um dia. Eu não vou repetir um nome que não me diz nada de coisa nenhuma. Eu, sinceramente, nem sei quem é você.


Você nunca foi quem eu pensei que seria.
E eu não sou dessas que enche a própria vida de coisas vazias.

terça-feira, julho 23

Sobre ir e vir

Me disse que não voltasse, e eu sei que foi sincera. Me disse que via meu sorriso mais feliz, e que a minha imagem era outra. Senti que ela entendia que aqui eu era viva, eu era verdade. Por isso foi que disse que não voltasse.


A minha garganta engole o nó que sobe. E eu respiro o suspiro que me aparece. Ela me entende.



Mas eu volto sim.
Já aprendi que a vida é mais do que isso.
 [e que aquilo que eu tinha.

domingo, julho 21

Quanto tanto

Quanta coisa passou. Pelas minhas mãos, pelos meus olhos - pelo meu coração. Quanta coisa me fez assim, tão forte. De tudo que me deram, mais tudo que conquistei; quanta coisa, meu amigo, quanta coisa me passou. E agora esse suspiro me escapa também, me passa pelo peito e se vai embora como se tivesse direito de acabar com o meu pranto. Eu choro pelas coisas. Eu sou besta, vê se me entende.

Quanto tempo passado. E vivido. Tão pouco, na verdade. E quisera eu que um dia eu lembre disso tudo sem recordar essa sensação esquisita de agora. De que falta alguma coisa, pra completar o hall de todas as coisas que deviam passar. (Quanto tempo que já finjo que eu não preciso dela, que eu não preciso ser do jeito que gosto). Quanto tempo passado, entre esses copos esvaziados e esses berros que não me dizem nada.

Mas eu sou besta, vê se me entende. Tanta coisa em tão pouco tempo, e tanto tempo para tão pouca coisa. Eu já não sei quantas horas da minha vida isso vale a pena. E eu já não sei se pedir por socorro e resgate - como tanto fiz, durante tantas vezes e tanto tempo - faz minha voz ser ouvida; na verdade, eu acho que apenas a abafa.

Mas eu sou besta, e é só nisso que você acredita.