E é desse jeito que eu me desmancho. Eu pensei que pudesse ser até fácil engolir tudo isso e seguir no meu caminho sozinha. No meu caminho, no meu mundo distante desse outro mundo de merda. Só que não é bem assim, e vocês sempre me disseram isso. Como e fui boba em não ouvi-los antes. Ah, céus, como fui ingênua.
Mas eu confesso: tenho sorte por tê-los comigo. Vocês movem o meu futuro para longe dos lugares mais escuros, e, verdade seja dita, eu não saberia nem mesmo andar sozinha no meio de tantas sombras. Mas vocês não são sombras; eu posso vê-los, e tocá-los, e segurar nas mãos que vocês me estendem. Eu posso enxergá-los até mesmo de olhos cerrados. E o mais importante é que eu posso sentir o coração de vocês próximo do meu, e eu sei que o sangue que corre por eles é o mesmo. Vocês me dão a força que eu, sozinha, nunca teria.
E é desse jeito que eu me refaço. Entendendo que pode ser sim mais fácil se eu segurar com toda a minha força a lembrança de vocês dentro de mim. Se eu puder vê-los mesmo longe dos meus olhos; se puder senti-los a meio passo de distância ainda que haja quilômetros entre nós. Vocês transformam o meu mundo em um lugar menos sofrível, e o meu coração num lugar menos gelado.
E é desse jeito que eu me refaço. Com as partes que vocês me dão e com as minhas partes que vocês salvam. Vocês me dão a força que eu jamais teria.
[Give Me The Strength - Snow Patrol]
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Para pessoas que têm permissão e livre acesso ao meu mundo particular. Não existo sem vocês.
Uma perna,
depois a outra.
Mais um passo e para:
por dois tempos.
Um pé, o mesmo,
o outro e de novo.
Uma perna, depois a outra,
um passo e pronto. Um braço solto e um punho firme.
Segura, caramba.
Uma perna, depois a outra; agora um abraço e para.
S e g u r a
firme;
mais um passo
pro lado,
pro outro,
pro lado.
Uma perna, depois a outra.
A outra, a outra, a outra.
A outra, seu filho da puta.
Minhas pernas, depois [as da outra.]
meus braços, meus lábios e meus enganos.
Teus e da outra. [A outra, a outra e a outra]
Tango.
Some of them want to use you...Some of them want to get used by you...Some of them want to abuse you...Some of them want to be abused...
Pusera uma pedra sobre as coisas. Pesada, esta empurrou para baixo todas as emoções que estavam na superfície e, não demorou nada, elas morreram enterradas sob um manto rígido e frio.
Frio. Muito frio.
Já não bastasse a nevasca de dentro, precisava ainda encarar a tempestade de fora. Munida de mais pedras e mais pesos ela abriu a porta de um corpo ferido. Entrou. O corpo não a repeliu, e até assustou-se com tamanha precaução.
- Eu não vou lhe fazer mal – disse o corpo à carregadora de pedras.
- E eu já ouvi isso antes – respondeu ela, abraçada às pedras que pesavam mais que seus braços.
Preocupou-se em forrar o coração do corpo com as pedras que trouxera, e largou os pesos na consciência do mesmo. Pusera a neve pra dentro, deixara a tempestade de fora. A frieza, contanto, não deixara sua casa. A nova casa era como a velha, porém, outra.
Tão fria quanto a velha, mas mais forte, preparada. Era bom ter se certificado de que tinha pedras suficientes para a temporada.
- eu vou lhe fazer mal – disse a invasora ao corpo – porque é por isso que precisei de uma nova casa. É assim que eu vivo, de casa em corpo, de corpo em casa. Eu não tenho escolha.
- nesse caso – respondeu o corpo, resignado – ao menos tire o peso da minha consciência, e deixe que eu viva quando você estiver cansada.
Eram pedras de sonhos e pesos de culpa. Quem ela deixara para trás?