terça-feira, novembro 1

Da nossa caixa

Há uma caixa onde nós colocamos todas as coisas que vivemos. Não importa o que seja, não importa se foi bom, não importa se fez mal; vai pra lá e fica, até ser achado de novo - para reabrir uma ferida, ou para costurar as partes soltas. A gente nunca acredita no tanto de espaço que ela tem, porque ainda que se guarde tudo, as coisas fogem de vez em quando, e deixam a caixa pra outros ocupantes. Às vezes nós até recebemos um aviso de "lotação esgotando", mas é só até as coisas se acomodarem e acharem o seu devido canto - ou sua rota de fuga.

Tem uma caixa dentro da gente que se chama coração.

E no coração tem de tudo. Tudo. Tem gente, tem dias, tem coisas. Tem coisa que dói ainda, e tem coisa que faz sentir bem. Tem gente que não presta e tem dias pra esquecer, mas também tem aqueles que valem a pena e uns momentos bons de lembrar como só. No coração cabe tudo que tu sentiste em cada dia da tua vida, e esses sentimentos às vezes ficam lá pra tu lembrares que é melhor sentir do que fingir que não quer, do que fingir que prefere ficar com as emoções antigas, com as coisas velhas. Cada um sabe o que guarda dentro da sua caixa, e cada um escolhe deixá-la aberta ou não.

A Pandora também tinha uma caixa, só que dela saíram coisas. Mas conta a lenda que a esperança, ou o não conhecimento do futuro, ficou lá dentro. A Pandora tinha uma caixa tão grande que cabiam todos os males do mundo, mas quando as coisas ruins saíram de lá pra assolar os humanos, (e essa parte do mito sou eu que conto) a esperança ganhou espaço e cresceu a ponto de encher a caixa inteira. Isso não está nos registros. A caixa de Pandora está cheia de esperança, e de tempos em tempos ela abre uma frestinha pra gente poder receber esse presente e renovar a nossa caixa. Mas se tu escolhes deixar a tua fechada, nem a esperança da Pandora pode ajudar. Quem fecha o coração faz uma escolha; e comete um engano.

No coração fechado nada entra e nada sai. Nada mesmo. Não renova, só revive - as mesas dores, os mesmos prantos, os mesmos momentos felizes e notálgicos. Aliás, é bem isso: um coração fechado é nostálgico. É preso num passado que se nega a perceber que o tempo não levou consigo os arranhões mal curados, e de tão mal intencionado que é, procura um jeito de coçar os machucados cicatrizados para que esses se abram novamente. E aí, eu digo, é triste demais.

Tem uma caixa dentro da gente que se chama coração. Ela não serve pra estoque de arquivo morto. Ela guarda tudo que tu vives, mas só mantém o que tu queres. Então não culpa o coração por ser lotado de coisa vencida, porque dessa caixa também se tiram coisas. E mais: ainda que cheia, nela tudo cabe.

E ela é grande pra caramba.


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