domingo, maio 29

Metades

Eu entrei de novo em casa e o chão ainda não estava firme sob meus pés. Passara, mas o coração ainda batia muito rápido e muito forte. As pernas tremiam, teimosas, e as mãos insistiam em suar frio. Tinha ficado tudo pela metade.

Uma revista aberta em cima da mesa da cozinha, uma televisão ligada na sala, um portão aberto no quintal e um pedido de socorro desesperado. Meia dúzia de gente assustada procurando por chaves, saindo correndo com os carros disponíveis. Três carros saíram; um outro carro e seu motorista eram o ponto delicado. Socorro. Assalto. Tiro. Atiraram nele.

- Ela não consegue me falar!

É o momento que tudo some e não interessa se está frio, se tu estás mal agasalhado, se tu podes ser útil de alguma maneira. Só se pensa em fazer alguma coisa. E que coisa bem difícil de se fazer que é esperar por notícias. Mas espera-se. E reza-se. Seja lá qual for a crença. Se pede.

Por favor, por tudo que há nesse mundo. Que esteja bem.

Chegam as notícias e ainda se está parado naquele segundo suspenso, naquele universo paralelo de angústia, de medo, de possibilidades e de metades. Das coisas que ficam ao meio. Das vidas que ficam na linha. Chega a notícia e ela é boa. Graças.

Eu entrei de novo em casa e tudo ainda estava pela metade. A revista aberta na mesa e a conversa que não tinha terminado, a televisão falando qualquer coisa - a vida esperando para ser retomada. Para ser vivida, completa. A gente sente que perdeu as forças, mas sabe que agora está tudo bem. Vai ficar mais ou menos como era antes. Mais ou menos, porque quando se para na metade e espera para ver se vai poder seguir, não se encontra exatamente onde a vida foi interrompida.
Mas sabe-se que ela segue e as pessoas desesperadas podem ser reconfortadas. Podem respirar fundo de novo, porque não ficarão pela metade.

Ainda estamos completos.

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