sexta-feira, junho 17

Covarde

Pegou seus braços e seus beijos, seus colos e seus medos, pôs na mala e partiu. Levou consigo um retrato, dois pares de camisas e três outras mudas de roupa. Não iria para tão longe, nem demoraria tanto tempo. Pegou seus olhos e seus cheiros e guardou ao lado da carta que um dia ela lhe escrevera. Sentiu o calor da casa fria. Sentiu o alívio acomodando-se no canto da sala e acenando levemente com a mão. Sorriu de volta e partiu.

Preparou seu discurso, escolheu suas palavras; tentou bravamente ser maldoso e dizer tudo tão rápido quanto ela lhe dissera seu adeus, mas sabia que falharia assim que pusesse seus olhos sobre os olhos dela. Sobre ela. Na verdade, sabia que quando ela estivesse sobre ele não haveria palavras a serem ditas. Sua sintonia nunca fora expressa em texto. Sintaxe. Mas sentidos.

Quando a viu, pegou seu braços e seus beijos, a pôs no colo e partiu. Sem levar novas camisas - e deixando a muda de roupa pelo chão - ambos foram longe, demorados. A mistura dos cheiros, a cumplicidade nos olhos. Sem cartas ou palavras, apenas retratos de lembranças.


Retratos guardados em prateleiras invisíveis.
E de mentira.
Porque ele nunca teve coragem de pedir explicações sobre aquela carta.

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