sexta-feira, junho 3

Carta

Sinto muito, meu filho, por ter de dizer as coisas que vou lhe falar assim, dessa forma fria e de longe, mas ainda que não haja mais tempo preciso que tudo fique quitado entre nós. Eu juro que não planejei tudo isso - muito menos isso em especial - mas quis me certificar que eu teria a chance de te contar as coisas que ficaram para o final. As coisas que eu deixei no final.

Não são muitas coisas, na verdade - sinto desapontá-lo. Há uma casa fria na região da serra, outra vazia no litoral, dois apartamentos esquecidos na periferia e outro que costumava ser bastante acolhedor há vinte e cinco anos atrás. Há também um punhado de dinheiro, algumas jóias no cofre do banco e uma coisa que deveria ter te contado há muito tempo atrás. Me dói saber que demorei tanto para perceber que devia te dizer isso todos os dias... Sabe-se lá quantas coisas boas deixei de ganhar por causa do meu descuido. As coisas que ficam, no final, não são muitas; mas espero que as minhas netas possam usufruir de uma vida confortável por causa delas.

Perdoa-me, meu filho, se não tive coragem de ser para ti o pai que tu és para as tuas meninas. Perdoa-me por ter endurecido minha sensibilidade, por ter deixado as portas fechadas entre nós por tanto tempo. Eu que trabalhava tanto e quase não te via, acreditava estar fazendo o melhor que era possível para a nossa família. Eu posso passar a eternidade pedindo desculpa e talvez não consiga pedir perdão por todos os erros que cometi. Pelos erros que cometi com a tua mãe, e pela falta de atenção à vida que ela pôs fim. Pelos erros que cometi contigo e com a tua esposa. Por não ser o avô que minhas netas mereciam.

Perdoa-me por dizer-te tão tarde, meu filho, mas a verdade é que eu sempre te amei mais que a mim mesmo. Espero que o teu coração aceite essa verdade como a mais pura que eu poderia dizer, e que tu jamais deixes de dizer isso às tuas filhas. Eu te deixo um punhado de coisas, meu filho, e uma montanha de arrependimentos que tu conheces bem. Não posso sair de onde estou para dar-te um abraço, mas quero que sinta teu coração aquecido com todo o amor que um pai é capaz de dar a um filho; com o amor que eu tive por ti durante a minha vida toda.

Sinto muito, meu filho, por ter sido tão covarde.

Desejo que tenhas a vida completa, como eu poderia ter tido.
Com todo amor que havia no meu coração quando te vi pela última vez,

José Antônio Praga

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