segunda-feira, maio 3

Da torre da rua 9

Sabe aquela torre da rua 9? Pois é, te lembra que, quando nós éramos crianças, costumávamos ficar olhando lá pra cima até ficar tontos e depois deitávamos no chão, ao pé da torre, imaginando como seria pular lá de cima? Eu lembrei disso hoje, quando estava passando de bicicleta ali pela frente... desde que eu me mudei nunca mais havia voltado aqui; faz tanto tempo.

Mas hoje eu a vi de longe e mudei minha rota só pra passar por ela. Afinal, não sei quando vou voltar a vê-la: já faz 15 anos desde a última visita, eu precisava estar aqui de novo. E cá estou; e confesso que queria que a minha ideia de voltar aqui tivesse sido transmitida pra ti, e a gente por acaso se encontrasse. Talvez tu até estejas aqui. Quinze anos mudam as pessoas.

Mas então, lembra da torre da rua 9? Pois deixa eu te confessar: hoje eu não só passei por ela, eu subi. Eram lances e mais lances de escada que nós subíamos aos pulos, correndo, mas agora já tem até elevador... Eu subi de elevador porque 15 anos são suficientes pra acabar com o vigor físico que se tem aos 12. Tudo bem que eu não sou nenhuma velha acabada aos 27 anos, mas andar de salto e ficar mais tempo sentada do que de pé levaram embora minha disposição pros lances e mais lances daquela escadaria.

Ok, que eu subi a torre não é nada que se tenha que confessar. O que eu confesso é que eu quis pular. Eu lembrei da gente lá embaixo imaginando como seria e quis finalmente descobrir... Eu fui até a beiradinha e senti o vento gelando meu rosto (que provavelmente já estava pálido); o coração disparou e as pernas começaram a amolecer... mas, como tu sempre disseste, eu sou covarde. Eu me mantive covarde.

É engraçado como 15 anos realmente mudam as pessoas, mas sempre tem aqueles pequenos detalhes que nunca vão estar diferentes: eu vou continuar levando a minha vida atrás da covardia que tu fazias questão de me jogar na cara, e tu vai ser sempre lembrado pela audácia e falta de juízo que sempre te acompanharam.

Eu não fiquei surpresa quando me ligaram naquela noite, há 15 anos atrás, dizendo que tu descobriras como era a sensação do vento na cara e do frio na barriga; no fundo, eu sabia que um dia tu descobririas. E eu aposto que fizeste por diversão. Vieram me perguntar se eu sabia se tu estavas em depressão ou alguma tristeza profunda, e eu ri deles. Eu te conhecia o suficiente para saber que tu fizeras aquilo pra dizer pra mim que tu não tinhas medo de nada: nem do pulo e nem do impacto...
Dizem que se morre do coração antes de chegar lá embaixo, então eu sei que tu morreste rindo da minha cara.

1 pessoa(s) disse(ram) que:

Leila Ghiorzi disse...

Lágrimas nos olhos, foi o que aconteceu agora.,
Muito bom o texto.