terça-feira, abril 20

Trago e troco

Que eu já bebi o suficiente, eu sei. Você não precisa me dizer, não. E também não me olha assim; você bem sabe que isso não vai me fazer sair andando e tomar o rumo de casa... até posso, mas vou é tomar o rum que tenho em casa. Já é tarde e os bares estão fechando. O garçom deve me odiar, agora.

Mas então, como eu ia dizendo, até me perder em fatos futuros, você não precisa ficar controlando a minha vida. Está entendido? Eu sei que já bebi bastante, mas estou totalmente sóbrio, não está vendo? Eu estou sim. Eu estou sim... Sei que estou. E é por estar que eu digo isso: não quero mais você bisbilhotando minha vida assim. Não me interessa se é pro meu bem. Você já tirou o que eu tinha de bom; me tirou o lugar na cadeira ao seu lado nesse mesmo bar e deu pra esse marmanjo esquisito aí. É com ele que você vai brigar agora, não comigo; ele é o seu bêbado-problema porque é você quem vai ter de levá-lo pra casa depois de uma noitada. Eu posso até cair por trocar as pernas, mas o meu corpo são os mendigos da praça que vão carregar, isso se tiverem pena; se não, alguém vai me largar do lado de fora do bar e pronto, fico por aqui mesmo: me poupam o trabalho de andar até aqui de novo, amanhã. Eu não sou mais o seu problema.

O garçom me odeia agora. Mas só agora, porque eu já não tenho mais dinheiro pra pagar-lhe a gorjeta. Amanhã eu volto e ele vai me adorar novamente. Amanhã eu trago mais dinheiro e ele me traz mais trago. E se quiser, pode beber comigo o rum que tem na minha estante. Beber sozinho é triste, e eu não estou triste. Triste deve estar esse marmanjo aí, que vai ter que te aguentar falando o tempo todo e ainda suportar a dor de cabeça da ressaca. Há! Ele, sim, deve estar triste agora.

O bar vai fechar e eles querem que eu saia... Hoje eu que pago o trago e o marmanjo pega o troco. E está tudo bem; pego meu rumo e tomo meu rum. Ele, coitado, vai contigo. Eu não queria ser ele amanhã.

1 pessoa(s) disse(ram) que:

Pam disse...

eu me identifiquei durante o primeiro parágrafo..
depois ficou triste demais..
rs
o tipo de coisa q eu posso até pensar, mas não faço, jamé!
rsrs
ótimo texto!