quarta-feira, outubro 28

Hábito

Cheguei perto. Tão perto que pensei que poderia tocar o teu rosto, tuas mãos, teu corpo todo. Dormias feito criança pequena que brincou o dia inteiro e caiu no sono no sofá da sala, quando eu entrei. No quarto, repousava a nossa foto sobre a cômoda de cabeceira; e eu que pensei que tu já nem a tivesses mais.

Por pouco não te acordei. Embora a vontade fosse maior do que eu, resisti; eu que não devia nem estar ali e por um engano, por força do hábito, estava, arrependida das escolhas que fiz, olhando e lembrando o porquê de tudo. Mas dizem que é quando acaba que a gente pensa nas coisas boas; ou melhor, só lembra das coisas boas. As chaves pendiam na mão esquerda, balançando com o tremor dela.

Eu cheguei tão perto que podia até sentir o calor que vinha do teu corpo, e a sensação de conforto que vinha junto. Queria sair antes que a saudade me tomasse por inteira e me impedisse de pensar, como sempre acontecia, mas minhas pernas não mais me obedeciam.
Deixei as chaves do apartamento sobre a cômoda, ao lado da foto. Devagar, e intimamente contrariada, me virei para a porta e me pus a andar.

- Fica.

A porta do quarto se fechou, encerrando meu pecado e meu desejo, por dentro.

0 pessoa(s) disse(ram) que: