Chegou e disse que ficava por ali um tempo, e que não viesse lhe pedir para ir embora mais cedo. Isso lá tinha cabimento? Que aprendesse a conviver com ela, pois se a vida que teria fosse ser do jeito que sonhara, o mínimo que teria de fazer era arranjar um canto confortável para ela; um sofá aconchegante ou quem sabe se dignasse a lhe entregar de vez um quarto. Sim, um quarto seria justo, e sábio. Ela chegou e disse que ficaria por um tempo, então por que se incomodaria com a presença dela na sala, logo no meio do ambiente que recebe as coisas novas? Que lhe desse um quarto, e então ela ficaria lá quietinha e sairia só de vez em quando, pra dizer que ainda não tinha ido embora.
Chegou e disse que ficava por ali um bom tempo, e ficou feliz ao ver que eu sorrira. Gostava de ser recebida de bom grado, e assim concordava em tornar a sua estadia menos incômoda. Quando ela chegou, se apresentou amável e disse seu nome. Pegou sua chave e subiu para o quarto que eu lhe dera.
Se chamava Saudade, e disse que ficaria morando comigo por um tempo.
Lhe disse que era bem-vinda.
Dos pedaços que eu tinha, alguns se foram. Das minhas partes, tão minhas, resolvi me desfazer. Me desfiz de planos, de panos rasgados ou puídos; tantos pedaços que eu tinha que se foram, que de mim ficou meu nome, apenas, e minha falta de senso de preservação.
Era feita em partes dispersas, cada qual em seu lado - que era sempre o do avesso. Eu não desvirei nada, que fique claro. O que era torto, deixei que fosse.
Meu problema sempre foi com as partes repartidas. As que querem e as que dizem que não.
Ele apertou o corpo dela contra o colchão, usando o próprio peito. Usava o próprio corpo para limitar os movimentos que acabariam por afastá-la; embora ela nem mesmo pensasse em distância. Ela queria deixar o corpo ficar onde estava. Queria os olhos percorrendo os lados que lhe fossem atrativos, e queria as mãos em torno dos contornos que quisessem. Ele ainda a prendia com força; a força de quem tem um plano muito bom.
Da neve me veio o frio. Me veio o gelo que que eu já sabia estar ali. Da brancura da paisagem veio então a clareza das ideias, que encontrou no frio dos dias a explicação para as coisas. Da neve me veio o calafrio, me veio ausência. Eu vi a água fluida ser pedra e rachar. Mas concordamos que essa fenda vem crescendo há alguns dias.
Do gelo, agora derretido, me veio a certeza de que esses dias de ontem vão ser mais frequentes, do hoje para frente; afinal, é apenas outono.
Era uma vez, ou outras tantas, um outro dia sem começo e uma noite um tanto torta. Aquele dia lhe disse outras tantas vezes que de nada adiantava esperar da noite o que por certo não se dava. O que por certo não se tinha. De direito, era errado. Mas ela não ouvia.
Outras tantas vezes que fora para a terra das vezes passadas encontrou um punhado de coisas das quais se desfizera. Agora eu quero vê-la correr tão rápido quanto for preciso para fugir de lá sem bagagens sombrias.
Era uma vez e outras tantas um dia passado e duas noites na lembrança. Um dia que começou no escuro de antes e que terminaria no silêncio de qualquer madrugada.