sábado, fevereiro 26

Abrigo

O quarto acomoda tudo que está nele: móveis, objetos, uma pessoa e seus universos paralelos. Às vezes duas pessoas, como era o normal há alguns anos atrás, mas três ou quatro apenas extraordinariamente. Essas terceira e quarta pessoas devem ser convidadas, no entanto, se não, não são bem-vindas. Sabe como é, há coisas valiosas naquele espaço. Coisas valiosas como privacidade, descanso, segurança e um porta-máscaras. Ninguém precisa usar disfarces no quarto, porque ninguém que não estiver autorizado verá a verdadeira face.

A verdadeira face. Nem todo mundo pode aguentar a essência dela e por isso nem todo mundo pode entrar no quarto. A primeira regra é não invadir. Porque quem invade, fere. E quem fere, não é querido. A segunda regra é não se ofender, porque quem se ofende não entende, e quem não entende invade, e aí fere, e aí não é querido. A terceira regra é não pedir para ser convidado, porque aí se ofende e não entende, e então invade e etc... O quarto é um abrigo. E é habitado por anos de promessas.

Você entra se for permitido. Não peça para ser convidado. E não invada: os estranhos não são esperados. Se entrarem, devem sair. E se quiserem voltar... esqueça, eles não podem.

quarta-feira, fevereiro 23

Quem aprendeu a crescer

O menino vira a mãe com um homem que não era seu pai. Duvidara dos próprios olhos, desafiara sua capacidade de reconhecer pessoas em situações nebulosas, mas não podia negar que vira a mãe com um homem diferente de seu pai. Ele vira. E isso bastava para que o mundo caísse sobre sua cabeça.

Como contaria ao pai o que vira? Como diria à mãe que sabia que aquele homem não tinha o mesmo cabelo grisalho e farto de seu pai? Como saberia que seus olhos não estavam sendo enganados pela imaginação tirana, infantil, que dominava seus pensamentos? Como diria a qualquer um o que vira se não sabia direito se tinha visto de fato?

Como. Essa era a questão. Como uma criança fazia para ser sincera sem ser má? Sempre achei que crianças chegam a ser cruéis em sua sinceridade desmedida. Chegam a ser crianças demais.
Eu não sei o que o garotinho fez, mas sei que seus pais ainda estão juntos. E sei que ele ainda olha para todos os homens que se aproximam de sua mãe - inclusive os transeuntes - com olhos desconfiados e maldosos. Sei que ele envelheceu rápido demais.

Suspeito que ele tenha aprendido a guardar segredos. E a mentir também. Mas mentir para si mesmo.
O que sei é que ele cresceu rápido demais.

domingo, fevereiro 20

Das nuvens

As nuvens. Nem sempre leves, nem sempre claras. Nem sempre visíveis. Nem sempre bem-vindas, ou desejadas... Mas nuvens, simples e, para mim, necessárias. Eu gosto delas, me identifico.


Quer ser nuvem também?

Não precisa aparecer todos os dias, mas eu vou gostar quando vieres. Podes chegar carregado, trovejando: eu te descarrego. Eu não gosto desse sol, todo aparecido, querendo se achar o centro do meu universo. Gosto de nuvens, e gosto de ti.

Faria sentido se tu viesses para o meu céu.

quarta-feira, fevereiro 16

"This is not your meant to be"

Às vezes a gente acha que não adianta fazer planos ou mesmo ter sonhos. Aquele momento, quando você grita pra si mesmo e não ouve resposta, a não ser o eco do seu próprio questionamento. Eco, porque não há nada lá dentro. Porque é vazio e você até mesmo se acostumou com aquilo. Não é difícil acostumar-se com o nada, afinal. É fácil, como andar pelo mesmo caminho todos os dias, como sorrir para as mesmas pessoas todos os dias; como responder "bom dia" a quem te cumprimenta dessa maneira. É como respirar.

Tantas vezes já me convenci de que meus planos são nada além de devaneios que nunca serão realizados. Todos projetos condenados a permanecer nos arquivos da minha consciência. Mas eu não quero mais respirar dessa maneira: esse ar viciado, pútrido. Eu me recuso. Talvez o nada não seja adequado para uma consciência inquieta, e quem sabe o vazio deva esvair-se.

Quem sabe eu deva acreditar nas quimeras.