sábado, outubro 30

Tea Party

E agora olha na minha cara e diz que eu estou errada. Esquece o sutiã jogado no teu colo e me diz se eu sou quem te faz todo esse mal. Deixa a minha roupa onde eu a coloquei; eu não pretendo vesti-la agora.

Me solta dos teus braços e fala francamente que não era isso que tu querias, aí me afasta do teu corpo e me veste com a camisa que tu usavas até chegarmos em casa... E depois, me olhando de longe, desvia os olhos das minhas pernas e ergue a cabeça como quem tem certeza de algo. Ergue a cabeça como quem sabe o que quer e do que precisa e admite que eu sou as duas coisas. Então corre de volta e despe-me da tua camisa, sem pensar de novo.

E agora olha na minha cara e diz que eu estou errada. Fala francamente que não era isso que tu querias. Se eu me ponho nas tuas mãos, faze a gentileza de deixar os teus instintos dominarem o teu corpo. Não te preocupes com a consciência, ela não foi convidada.

quinta-feira, outubro 28

Feira

Eu vendi um punhado de compaixão por um pouco de amor, mas acho houve um engano. Eu tentei não sentir pena de quem me disse mentiras e pensou que me enganava, mas parece que a compaixão não me largou; e o tal do amor que viria em troca perdeu-se no caminho, me deixando assim, sem nada.

De mãos vazias, abanei pro horizonte e estendi os braços, esperando que ele me mandasse algo que preenchesse os espaços. Mas eu agora estou cansada, por isso parto. Caminho devagar e apanho tudo que encontro; agora tenho um estoque diferente. A compaixão ainda não me larga, mas como não preciso segurá-la posso usar minhas mãos livres para apreender a diversão e a novidade.

Eu olhei pro horizonte e vi que ele me chamava. Por isso parto. Quando tiver outros produtos para vender, procuro-te de novo: quem sabe possamos fazer um melhor acordo? E dessa vez, sem enganos. Eu espero que o amor não se perca de novo.

sábado, outubro 23

Relatividade

O relógio corria impetuoso, indiferente ao caos que a vida se tornara. O Sol vinha e se ia, assim como a lua, os ventos e as chuvas. Assim como as estrelas e as estações, que nem sequer notavam que ela continuava estacionada. A vida parara e não dava sinais de reiniciar seu movimento natural, porque decidira apenas admirar o fluxo das coisas em torno dela. Escolhera primeiro entender o sistema, antes de jogar-se nele.

Observou por tanto tempo que já não sabia dizer se ela agora estava em movimento e eles é que pararam ou se nada mudara. Era tudo uma questão de ponto de referência, de qualquer forma; que diferença fazia?

"Faz toda a diferença", pensou a vida, num relâmpago de ideias esclarecidas que se mostrou ligeiro no céu. Fazia diferença porque a vida não precisava correr com o relógio, com o sol e com os ventos, se encontrasse algo que andasse como ela. Fazia diferença porque, para eles, era ela quem corria; porque nem tudo poderia estar na mesma velocidade, ou todos estariam estacionados. E se não há movimento, o que haverá de verdade?


Uma vida alucinada pelo tempo descompassado e pelas estações frenéticas assistia os Sois e as luas nascendo e morrendo, como ela um dia faria. E os ventos nada faziam, além de embalar sua rede e motivar as estrelas a caírem do céu.
Movimento é relativo.

quinta-feira, outubro 14

Visita

Então bateu na porta com aquela mesma intensidade que tu já conheces, por ser de novo quem tu já esperas. Entrou devagar, largou o casaco e sentou-se na poltrona que tu poderias apontar, se lhe fosse perguntado, porque era sempre assim que acontecia. E os mesmos olhos tristes te olharam e o mesmo sorriso irônico te encontrou... e os mesmos sussurros impregnados com o veneno da verdade atingiram em cheio teus ouvidos e tuas terminações nervosas, espalhando pelo corpo todo aquela mesma sensação de sempre. De medo. De desesperança.

- Há quanto tempo - disse a Sombra.

sábado, outubro 2

Falling. Feeling

Desabando. E eu assisti a cada pedaço de concreto cair e se quebrar bem na minha frente. Era pesado demais para que eu tentasse segurá-los antes que tocassem o chão; na verdade, talvez o meu egoísmo não deixou que eu cogitasse essa possibilidade. Eram as minhas paredes que estavam caindo, e eu queria que elas se fossem. Eram as minhas expectativas, afinal de contas

O meu corpo surpreendeu-se com o grito ensurdecedor do coração agoniado que pulava no meu peito. Batia tão forte que era como se estivesse vivo de novo. Era como se fosse. O coração sufocado pelas mesmas besteiras dos mesmos dias enfim protestava seu espaço dentro do peito que preferira abandonar a tanto tempo. Ele não desistira de mim. Que direito tinha eu de fazê-lo?

Perda total. Mas, pela primeira vez, senti que tudo ficaria bem. O concreto caiu e meu coração quer voltar. Serão novos tempos. Sem expectativas engessadas ou sonhos imutáveis.

- Adapta-te - ele me disse.